TCU cancela pregão do FNDE para compra de ônibus superfaturados

Segundo denúncia, o governo federal teria concordado em desembolsar R$ 480 mil em modelos que estão na faixa de R$ 270 mil

O TCU (Tribunal de Contas da União) barrou, nesta terça-feira (5), pregão do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), ligado ao MEC (Ministério da Educação), para compra de ônibus escolares com previsão de sobrepreço nas operações. Com essa decisão, o pregão poderá seguir até a última fase. Todavia, o FNDE será impedido de homologar a licitação e outorgar o objeto.

A decisão foi assinada pelo ministro Walton Alencar Rodrigues. Ele deu ao FNDE prazo de 15 dias para apresentar informações sobre o pregão, bem como detalhes do processo de captação dos preços referenciais e do cálculo da estimativa de preços utilizados.

“De fato, há toda uma série de fatores importantes, pendentes de comprovação, que podem ter influenciado no preço dos veículos, os quais precisam ser devidamente esclarecidos pelo FNDE. Desse modo, a oitiva do Fundo é imprescindível para o juízo de mérito da presente representação”, escreveu na decisão o ministro da Corte de Contas.

Por meios eletrônicos, o pregão seria realizado nesta terça-feira, apesar de uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo indicar indícios de sobrepreço nas negociações e o Ministério Público no TCU pedir por sua suspensão.

Superfaturamento

O Estadão, que veiculou a denúncia, informou que o governo federal teria concordado em desembolsar R$ 480 mil em modelos que estão na faixa de R$ 270 mil. A licitação obteve parecer oposto aos de órgãos de controle.

No total, o MEC aguarda comprar 3.850 veículos para utilização exclusiva de alunos da rede pública em escolas situadas nas regiões rurais. A compra engloba o programa Caminho na Escola, financiado pelo FNDE.

Questionamento

A CGU (Controladoria-Geral da União) questionou os valores e emitiu parecer que critica “a discrepância das cotações apresentadas pelos fornecedores em relação ao preço homologado do último pregão”.

O órgão também criticou, noutro parecer, o fato de o FNDE não considerar o preço pago por outros órgãos públicos na compra de ônibus. Segundo afirma a controladoria, o órgão levou em consideração somente os valores informados pelos próprios fabricantes, e conclui: “Observa-se que os valores obtidos […] encontram-se em média 54% acima dos valores estimados”.

Dessa forma, o preço total da compra pode saltar de R$ 1,312 bilhão para R$ 2,082 bilhões.

Sinal verde do Centrão

Como o Estadão revelou, há risco de sobrepreço de até R$ 732 milhões na licitação, reconhecido pela área técnica do FNDE, pela Procuradoria Federal e pela CGU, mas isso não impediu que homens de confiança do ministro da Casa Civil, senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI), e do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que comandam o fundo educacional, dessem sinal verde para a concorrência.

“O fato descrito é grave e envolve a possibilidade do desvio de assombrosa importância em dinheiro. Mais de R$ 730 milhões em prejuízo ao erário, que podem se converter além disso em prejuízo à democracia, a depender da destinação que esses recursos venham a ter, como, por exemplo, a composição do chamado ‘caixa 2 de campanha’”, escreveu o procurador Lucas Rocha Furtado na representação que protocolou segunda-feira (4) no TCU, em que pediu suspensão do pregão 2/2022 do FNDE.

Concorrência segue, mas sem homologação

Para a área técnica, a situação é grave, mas precisa de análise antes de decisão que impeça a realização do pregão. Por isso, a defesa foi por deixar a concorrência ser feita nesta terça-feira, mas proibir temporariamente a homologação e o resultado até análise completa do TCU.

A Diretoria de Ações Educacionais do FNDE, comandada por Gharigam Amarante, apadrinhado de Valdermar Costa Neto — presidente do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro —, deu aval para a licitação em valores globais de R$ 2,045 bilhões, o que representa 55% a mais do que os valores considerados adequados por técnicos do FNDE, R$ 1,31 bilhão.

O presidente do órgão é Marcelo Ponte, que, antes de ser nomeado em 2020 para o cargo, era chefe de gabinete no Senado do atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.

Como o Estadão mostrou, Ciro Nogueira se reuniu com Marcelo Ponte, no Palácio do Planalto, duas vezes antes da liberação do pregão, enquanto o procedimento esteve suspenso diante do risco de sobrepreço apontado pelas áreas técnicas terem apontado.

Mesma lógica das vacinas

Durante evento nesta segunda-feira, com empresários no Rio de Janeiro, Bolsonaro tentou minimizar a grave denúncia e fez vista grossa para a roubalheira.

“Estão agora me acusando de ter armado a corrupção com compra superfaturada de ônibus, mas nem a licitação foi feita ainda. E quem descobriu fomos nós. Temos gente trabalhando em cada ministério com lupa no contrato. Por isso, não tem corrupção”, afirmou o presidente da República no discurso aos empresários.

Para se safar, o chefe do Poder Executivo usa a tática do batedor de carteira. Ao cometer o ilícito, grita “pega ladrão” e sai pela tangente.

Suspensão da compra dos ônibus escolares

No documento em que pede a suspensão da compra dos ônibus escolares com preço inflado, o Ministério Público de Contas lembrou o recente escândalo de corrupção envolvendo pastores lobistas no Ministério da Educação, que, segundo prefeitos, teriam pedido propina, conforme revelou o Estadão.

“Se já não bastasse o escândalo do favorecimento, por afinidades políticas e pessoais, de lideranças religiosas que levou à demissão do ex-ministro Milton Ribeiro, o setor de educação do governo federal é agora novamente atingido por suspeitas de descalabros administrativos, se não também morais”, comentou o subprocurador Lucas Furtado.

Reação parlamentar

O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Felipe Rigoni (União Brasil-ES) também solicitaram ao TCU a suspensão, liminarmente, da licitação para a compra de ônibus escolares pelo FNDE, com valores suspeitos de superfaturamento, conforme revelou o Estadão.

Ao pedir a suspensão da licitação, o trio de parlamentares alertou para o “perigo em se permitir que recursos públicos sejam desviados ou utilizados em favor de agentes privados”. E pediram que sejam determinadas ao presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, e ao diretor Garigham Amarantes Pinto, as sanções cabíveis, “assim como a todos os envolvidos no caso”.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também pediu medidas para a anulação do pregão. “Ainda que haja possível redução dos preços estimados durante o transcorrer da fase de propostas e lances do Pregão Eletrônico, a estimativa viciada de valores a serem despendidos com a contratação em epígrafe já configura notória ilegalidade, pois o órgão público em questão admite pagar valores muito acima daqueles praticados no mercado”, afirmou. “A gravidade dos fatos e o montante dos valores envolvidos não tornam menos repugnante a forma como a presente contratação está sendo conduzida pelo FNDE”, disse.

O deputado Kim Kataguiri, do União Brasil-SP, também anunciou que entraria com pedido de suspensão do edital.

No último sábado (2), o deputado Ivan Valente (PSol-SP) havia protocolado pedidos no Ministério Público Federal do Distrito Federal e no Ministério Público de Contas para suspender a licitação e abrir procedimento para apurar a responsabilidade do presidente do FNDE, Marcelo Ponte, e do diretor da entidade, Garigham Amarante, no caso.

Marcos Verlaine

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