Temer ignora relatório do Senado e exclui graduandos do Ciência sem Fronteiras
São Paulo – A continuidade da oferta de bolsas de estudos para estudantes da graduação no âmbito do programa Ciência sem Fronteiras (CsF) está entre as 17 recomendações da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado. Segundo o relatório, que defende o programa como política de Estado para a formação e capacitação de pessoal altamente qualificado em universidades, instituições de educação profissional e tecnológica, e centros de pesquisa estrangeiros de excelência, a graduação deve continuar sendo contemplada.
Para os senadores Cristovam Buarque (PPS-DF), Hélio José (PMDB-DF), Omar Aziz (PSD-AM) e Lasier Martins (PDT-RS), que assinam o documento, “não há dúvidas de que a oportunidade tenha sido bem aproveitada pela maioria dos graduandos contemplados”. Eles recomendam ainda aperfeiçoamento na articulação do programa com outros mecanismos capazes de reverter esses ganhos individuais na formação em retornos concretos para a sociedade. E apontam a necessidade de reequilíbrio na oferta de bolsas para estudantes da graduação e da pós-graduação, com prioridade para a pós, tanto na modalidade plena como na sanduíche (intercâmbio fora do país de origem em meio à graduação. O estudante começa a faculdade, vai estudar no exterior pelo programa e volta para concluir a graduação).
O relatório embasa a apresentação, em dezembro último, do Projeto de Lei do Senado (PLS) 798, resultante da avaliação de políticas públicas desenvolvidas pela comissão ao longo do ano.
A maior parte dos bolsistas, conforme os senadores, proveio de instituições públicas, e que um montante considerável dos estudantes das universidades públicas é oriundo de famílias de baixa e média renda. Assim, “se a gratuidade do ensino é assegurada constitucionalmente, no caso das bolsas, cumpre direcioná-las, particularmente na graduação, aos estudantes que não poderiam financiar, no todo ou parcialmente, os custos dos estudos no exterior”.
Desmonte
O governo interino de Michel Temer (PMDB) tem visão diferente. Na noite de ontem, o ministro da Educação (MEC), Mendonça Filho, divulgou mudanças no CsF. Segundo nota do MEC, “por decisão do ministro”, haverá um novo enfoque. Com ênfase “na pós-graduação para mobilidade de estudantes, professores e pesquisadores, com participação mais ativa das instituições de ensino superior nos processos de internacionalização”, o programa terá foco no ensino de idiomas, no país e no exterior, para “incluir jovens pobres do ensino médio matriculados em escolas públicas”. A graduação, portanto, estará fora do programa.
Ainda segundo o MEC, foi considerado o custo elevado para a graduação sanduíche, cerca de R$ 3,248 bilhões, para o atendimento de 35 mil bolsistas em 2015 – valor igual ao investido, conforme a pasta, em alimentação escolar para atender a 39 milhões de alunos.
Para a presidenta da União Nacional do Estudantes (UNE), Carina Vitral, a mudança reflete, na prática, mais um grave retrocesso conduzido pelo governo interino. “Vamos voltar ao tempo em que apenas os filhos dos ricos, e não dos trabalhadores, podiam fazer intercâmbio no exterior”, afirmou.
Ela destacou que medidas estratégicas na educação custam mais caro. “Merenda custa caro, salários dos professores custa caro, bolsas custam caro. Com valores diferentes, são coisas estratégicas dentro da educação e não podem ter sua importância comparada entre si conforme o custo. Não se pode tirar uma coisa porque custa mais caro que a outra. Estratégica, a educação necessita de todos esses investimentos, e não apenas os que custam menos.”
Carina entende que há prejuízo para o estudantes e também para o país. “A internacionalização expande fronteiras pessoais e profissionais que se voltam para a contribuição desses profissionais à tecnologia e à ciência do país, que também será expandida.”
A dirigente estudantil teme que essas mudanças abram caminho para perdas em outros programas estudantis, especialmente quanto ao financiamento dos estudos. “Com tantos retrocessos sinalizados por esse governo que não passou pelo crivo das urnas, há o risco de perdermos também o Fies e o ProUni.”
O programa
O Ciência sem Fronteiras foi criado em 2011 no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff para incentivar a formação acadêmica no exterior. Os alunos brasileiros recebem ajuda financeira para estudar em universidades de outros países. De acordo com o Ministério da Educação, até o final de 2014 foram concedidas 101.446 bolsas de estudo. Destas, 78% foram para graduação sanduíche (parte no Brasil e parte no exterior). O total gasto com o programa de 2012 a novembro de 2015 foi de cerca de R$ 10,5 bilhões.
A maioria das bolsas foi concedida para as áreas de engenharia e demais tecnológicas, especialmente em universidades dos Estados Unidos.