Temer, o Mefistófeles que rouba a alma do Brasil

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Em Fausto, a imortal obra do romancista e poeta alemão Goethe, Mefistófeles é o demônio, com quem Fausto — o personagem principal da referida obra — faz pacto de morte, vendendo-lhe a alma, em troca da juventude vitalícia.

Na idade média, quando surgiu a lenda de Fausto — que inspirou Goethe —, Mefistófeles, na cultura popular, significava o inimigo da luz (Mefostofiles); inimigo de Fausto (Mefaustofiles), e destruidor, mentiroso (Mefiz-Tofel).

No Brasil pós-impeachment da presidente Dilma, cabem ao impostor Michel Temer todas as representações de Mefistófeles: inimigo da luz, que é a Ordem Social Democrática; inimigo de Fausto, que é o povo; destruidor de direitos fundamentais, individuais e sociais; e mentiroso contumaz, tudo que diz à nação é mentira, somente diz a verdade ao seu comandante supremo: o capital.          

A Emenda Constitucional (EC) N. 95/2016, que congela os investimento sociais por 20 anos; a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) N. 287/2016, que dizima a seguridade social; a Medida Provisória (MP) N. 761/2016, que prorroga o famigerado Programa de Proteção ao Emprego (PPE), regulamentado pela Lei N. 13189/2015; e o Projeto de Lei (PL) N. 6.787/2016, que legaliza a total precarização da CLT e dos demais direitos trabalhistas, mostram-se bastantes para comprovar a assertiva de Temer é o próprio Mefistófeles, em suas múltiplas facetas.

Estas breves anotações destinam-se a demonstrar algumas das maléficas e danosas propostas contidas no PL N. 6787/2016. Vejam-nas:

2) O Art. 11 da Constituição Federal (CR) dispõe:

“Art. 11- Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”.

Desde a promulgação da CF, aos 5 de outubro de 1988, passaram-se mais de 28 anos. Todavia, a representação de que trata o Art. 11 da CF jamais foi regulamentada, permanecendo na gaveta do proposital esquecimento do Congresso Nacional e do Poder Executivo, fazendo silenciosa companhia a muitos outros dispositivos constitucionais, igualmente relegados ao absoluto desprezo, como, por exemplo, o inserto no Art. 7º, inciso I, da CF, que proíbe a dispensa arbitrária e/ou sem  justa causa.

Pois bem. Sem o quê nem porquê, aparente, o PL N. 6787/2016 trata de sua regulamentação, o que levou alguns sindicalistas menos criteriosos a considerá-la como vitória dos trabalhadores.

No entanto, quem analisar com acuidade a redação do Art. 523-A da CLT proposta pelo realçado PL, constatará que não é disso que ele cuida. Ao contrário, o seu intento é o de transformar o representante sindical por empresa em arma desta, no contínuo e doloroso processo de precarização dos direitos trabalhistas.

A redação proposta é a seguinte:

“Art. 523-A É assegurada a eleição de representante dos trabalhadores no local de trabalho, observada a seguinte proporcionalidade e critérios:

I – um representante dos empregados por empresa com mais de 200 (duzentos) empregados, conforme o art. 11 da Constituição Federal;

II – a eleição deverá ser convocada por edital, com antecedência mínima de quinze dias, o qual deverá ser afixado na empresa, com ampla publicidade, para inscrição de candidatura, independentemente de filiação sindical, garantindo-se o voto secreto, sendo eleito o empregado mais votado daquela empresa. A posse se dará após a conclusão da apuração do escrutínio, que será lavrada em ata e arquivada na empresa e no respectivo sindicato representativo da categoria;

III – duração do mandato de dois anos, permitida uma reeleição, vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa desde o registro de sua candidatura até seis meses após o final do mandato.

§ 1º O representante dos trabalhadores no local de trabalho terá as seguintes prerrogativas e competências: I – garantia de participação na mesa de negociação do acordo coletivo de trabalho; e II – deverá atuar na conciliação de conflitos trabalhistas no âmbito da empresa, inclusive referente ao pagamento de verbas trabalhistas, no curso do contrato de trabalho, ou rescisórias.

§2º As convenções e Acordos Coletivos de Trabalho poderão conter cláusulas ampliando o número de representantes de empregados previsto no caput, até o limite de cinco representantes de empregados por estabelecimento.”

Colhe-se dessa marota redação que a própria empresa poderá convocar, organizar e realizar a eleição do representante sindical, podendo, por óbvio, exercer influência decisiva no seu resultado; o representante terá acento obrigatório em todas as mesas de negociação com a empresa, inclusive quando estas forem feitas pelo sindicato, o que, conforme o caso, dará ampla vantagem à empresa, se o representante for de sua escolha e/ou confiança.

E o mais grave: com base na famigerada decisão tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), no Processo N. 1134676-43.2003.5.04.9000, reconhecendo como constitucional o Art. 617 da CLT, que dá prerrogativa aos próprios trabalhadores de negociarem diretamente qualquer acordo se o sindicato não o fizer ou a ele se opor, poderá inclusive ser o único negociador, na hipótese de o sindicato não o fazer, quando for convocado pelos trabalhadores, pouco importando se por determinação da empresa ou não.

Para além disto, e a prerrogativa de maior gravidade concedida ao representante sindical, pelo PL em questão é a de  intermediar (conciliar) ‘acordos’ entre a empresa e seus empregados, sobre direitos trabalhistas lesados ao longo do contrato, e até mesmo as verbas rescisórias, com generosos descontos dos valores devidos e/ou parcelamento do pagamento destas.

Em uma palavra, por esta última prerrogativa, o representante sindical passará a exercer a competência e o poder da fracassada comissão de conciliação prévia, criada pela Lei N. 9958/2000, e considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) N. 2139-7 e 2160-5.

Frise-se que estas prerrogativas desvirtuam, por inteiro, o objetivo do Art. 11 da CF, que é o de promover o entendimento (consenso, acordo) com as empresas, tendo, no entanto, como limites a observância do que preceitua o Art. 7º, caput, desta, que só admite acordo, individual ou coletivo, que vise à melhoria da condição social dos trabalhadores.

O PL sob discussão tem por escopo exatamente o contrário do que preconiza o Art. 7º da CF, ou seja, visa a promover o ‘consenso’, para reduzir e/ou suprimir direitos.

3) Outras medidas altamente lesivas aos direitos dos trabalhadores acham-se estampadas no Art. 611-A da CLT criado pelo PL sob comentários, que permite a celebração de acordo coletivo, para reduzir históricos e sagrados direitos — mais apropriado seria dizer esfacelar —, como se colhe de sua redação, abaixo transcrita.

Com a finalidade de proteger as empresas, invertendo a ordem constitucional, este Art. determina que a Justiça do Trabalho, ao examinar acordos coletivos que contenham redução e/ou supressão de direitos, preferencialmente, quer dizer prioritariamente, verificará se tais instrumentos obedecem aos ditames do Art. 104 do Código Civil (CC), que são os seguintes: a) agente capaz; b) objeto lícito: e c) forma prescrita ou não defesa (proibida) em lei.

Ora, se o realçado PL for convertido em lei, estes requisitos do CC estarão sempre presentes em todos os acordos coletivos, por mais lesivos que isto possa ser aos direitos dos trabalhadores; pois que, por meio dele, tudo será permitido, exceto a redução do FGTS, do seguro-desemprego e as normas de segurança do trabalho.

O preceito ‘legal’, exarado no  §1º, do Art. 611-A, criado pelo PL N. 6787/2016, viola a garantia constitucional inserta no Art. 5º, inciso XXXV, que determina: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direitos.

O  §2º do Art. 611-A da CLT, visa a pôr cadeado inquebrável aos acordos coletivos lesivos aos trabalhadores, ao estabelecer que, caso tenham cláusula declarada nula, pela Justiça do Trabalho, haverá repetição de indébito (devolução) de eventuais compensações que os trabalhadores tenham recebido, por redução de direito relativas à  redução de salário, ampliação de jornada e jornada de seis horas, em turno de revezamento.

O mais impressionante — para não dizer criminoso — é que a repetição de indébito (devolução) tem mão única, a favor da empresa; nenhuma palavra é dita sobre a extensão deste direito aos trabalhadores.

Vejam a indecência que é a redação do Art. 611-A da CLT:

“Art. 611-A A Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho tem força de lei quando dispuser sobre: I- Parcelamento do gozo das férias anuais em até três vezes, com pagamento proporcional aos respectivos gozos, sendo que uma das frações do referido período deverá corresponder pelo menos a duas semanas ininterruptas de trabalho;

II – Pactuar a forma de cumprimento da jornada de trabalho, limitada a 220 (duzentos e vinte) horas mensais;

III – Participação nos Lucros e Resultados da Empresa, incluindo seu parcelamento no limite dos prazos do balanço patrimonial e/ou dos balancetes legalmente exigidos, não inferiores a duas parcelas;

IV –  Horas in itinere;

V – Intervalo intrajornada, respeitando-se o limite mínimo de trinta minutos;

VI – Dispor sobre a ultratividade da norma ou instrumento coletivo de trabalho da categoria;

VII – Ingresso no Programa de Seguro-Emprego (PSE);

VIII – Plano de cargos e salários;

IX – Banco de horas, garantida a conversão da hora que exceder a jornada normal de trabalho com acréscimo de no mínimo 50% (cinqüenta por cento);

X – Trabalho remoto;

XI – Remuneração por produtividade; e

XII – Registro da jornada de trabalho.

§1º No exame da Convenção ou Acordo Coletivo a Justiça do Trabalho analisará preferencialmente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico (art. 104 do Código Civil), balizada sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

§2° Não são passíveis de alteração por convenção ou acordo coletivo as normas de segurança e medicina do trabalho, nos limites disciplinados por Normas Regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho, normas processuais ou que disponham sobre direito de terceiro.

§3° No caso de flexibilização de norma legal relativa a salário e jornada de trabalho, autorizada pelos incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da Constituição Federal, a convenção e acordo coletivo de trabalho firmado deverá explicitar a vantagem compensatória concedida em relação a cada cláusula redutora de direito legalmente assegurado.

§4° Em caso de procedência de ação anulatória de cláusula de acordo ou convenção coletiva, deverá ser anulada igualmente a cláusula da vantagem compensatória, com repetição do indébito.”

O impostor Temer, no seu enfadonho e debochado pronunciamento de Natal, chamou as criminosas medidas retroelencadas de ‘renovada esperança’; se isto representa renovação de esperança, talvez a desesperança seja mais promissora para os trabalhadores.

Por tudo quanto Temer representa e já fez contra a cidadania, aos(às) brasileiros(as) que não prescindem da Ordem Social Democrática, só resta o caminho de o deporem, pelo meio que se fizer necessário, antes que ele deponha o Brasil.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo