Terceirização: arrecadação menor e guerra jurídica previstas
São Paulo – Embora o governo desconverse sobre os impactos da terceirização na economia do país, os impactos na arrecadação do Estado serão desastrosos a partir das regras da nova legislação da terceirização, sancionada a partir do Projeto de Lei 4.302/98, na última sexta-feira (31 de março), pelo presidente Michel Temer. Ainda não se pode mensurar esse reflexo, mas a terceirização e a precarização, que pulverizam o processo produtivo, e seus efeitos na economia são hoje discutidos por países poderosos, inclusive no mais respeitado fórum econômico de líderes empresariais e políticos.
“Foi um dos temas importantes em Davos este ano. Há muita preocupação com os impactos do excesso de flexibilidade e proliferação de formas precárias sobre o PIB das economias de países como França, Alemanha e Reino Unido. Se está mexendo com eles, imagine o que vai acontecer numa economia como a nossa, com uma indústria que está sucateada”, diz Regina Camargos, economista e técnica do Dieese.
A legislação sancionada por Michel Temer não só permite a terceirização na atividade fim, mas também traz instabilidade generalizada ao mercado de trabalho, aponta a vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosa Maria Campos Jorge. “Sabendo da flexibilidade da legislação, as empresas vão fazer uma reengenharia: se tem 100 empregados com contrato por prazo indeterminado, pode demitir esses empregados pagando as indenizações de praxe e contratar terceirizados. Só aí já está demonstrado que haverá redução nas contribuições para a Previdência Social. Isso vai trazer um efeito cascata na renda familiar e também queda violenta de arrecadação do Estado”, prevê.
O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, tem dito que estão sendo feitas avaliações sobre o impacto da nova legislação na arrecadação de impostos do governo. Se admite que poderá haver redução nas contribuições previdenciárias, por outro lado ele afirma que a terceirização “gera um dinamismo na economia”.
Questionada se o governo se faz de desentendido ou não sabe o que acontecerá com seu próprio caixa com a terceirização, Rosa diz acreditar “que as coisas nunca são sem propósito. O governo atende hoje o empresariado, mas no médio e longo prazo prejudica a sociedade de maneira geral, os trabalhadores, a arrecadação da Previdência e o fundo de garantia, que é um fundo criado inclusive para atender o interesse público”.
Para Regina, do Dieese, a fala cautelosa de Rachid é própria de um funcionário de carreira da Receita que não pode contradizer a política governamental, “pelo menos em público”. “Mas ele sabe quais setores mais sonegam, os que não pagam, os que são mais autuados. Basta ele acessar o banco de dados ao qual ele tenha acesso mais restrito.”
Maria Lucia Fattorelli, auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, lembra que a empresa terceirizada pode existir por um número pequeno de meses e simplesmente desaparecer. Quando o empregado com algum problema trabalhista for reclamar, já haverá outra empresa no lugar. “Isso vai gerar grande rotatividade de criação de empresas. E vai afetar muito a arrecadação. Por que essa pressa em aprovar a terceirização? Exatamente para fugir à arrecadação das leis sociais – a contribuição social, o fundo de garantia e encargos trabalhistas”, diz.
Para Maria Lúcia, o próprio governo alega que o recolhimento do INSS não é suficiente, mas, contraditoriamente, com a terceirização, vai piorar muito mais.
Judicialização
Na opinião de Regina, além das graves repercussões econômicas, a nova legislação vai provocar uma verdadeira guerra jurídica e suscitar interpretações as mais diversas. “Nesse sentido, vai contra o que o governo diz que quer, pois vai aumentar a judicialização dos conflitos do trabalho. Não vai gerar segurança jurídica para as empresas, vai gerar insegurança para os trabalhadores e fragmentar a estrutura produtiva da economia.”
Para Rosa Campos Jorge, do Sinait, combinada com a reforma da Previdência em discussão no Congresso Nacional, a terceirização produz um quadro perverso: os trabalhadores nunca atingirão o direito à aposentadoria. “Como diversos autores dizem, a reforma da Previdência não é para atender o resgate das contas públicas, mas às seguradoras que querem abocanhar o conjunto de trabalhadores que vão deixar de contribuir para a Previdência pública”, diz.
“Existem no Brasil dois grandes institutos de proteção social: a CLT e a Previdência social pública. São os que sobraram depois de todas as mudanças no mundo nos últimos 20 anos. Agora estamos vendo um ataque massivo contra os dois institutos de proteção social que ainda restam no país”, conclui Rosa.