Todos os caminhos levam ao inferno

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

O Império Romano, em seu apogeu, estendia as suas garras a quase todos os rincões do mundo, até então conhecido, indo da Bretanha à Pérsia. Para manter a dominação sobre todas as regiões, foram construídas estradas — cursus publicus —, ligando todas a Roma. Por isso, dizia-se, em tom arrogância, que todos os caminhos levavam a Roma.

No mundo atual, o domínio é do capital, que não deixa fora de suas garras nenhum canto da Terra. Em alguns países, o seu  insaciável e sanguinário apetite é mais voraz, pela absoluta cumplicidade dos poderes públicos.

No Brasil de agora, por determinação do capital, é imperioso afirmar que todos os caminhos levam ao inferno, com a cumplicidade e a sempre vigilante colaboração do Poder Executivo, do Congresso Nacional e do Poder Judiciário.

Para comprovar essa assertiva, basta que se faça um apanhado da agenda política, que traz a indelével marca da destruição do Estado de Bem-Estar Social, que, a rigor, nem chegou a ser predominante. Nela, sobressaem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) N. 241/2016 (PEC 55/2016 no Senado), que congela os investimentos e as políticas públicas por 20 anos; o Projeto de Lei da Câmara  (PLC) N. 30/2015, que escancara a terceirização; o fim da ultratividade (adesão definitiva) das normas coletivas de trabalho, por decisão liminar, na Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF), tomada monocraticamente, por encomenda, pelo ministro Gilmar Mendes, do STF; o esvaziamento do direito de greve no serviço público, com corte prévio dos salários nos dias de paralisação, por determinação do STF, proferida no Recurso Extraordinário (RE) N. 693456, dia 27.10.2016; e a reforma da Previdência Social, próximo pesadelo.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), com frequência, dá a sua valiosa contribuição para o fortalecimento da realçada agenda do inferno, como fez no julgamento do Recurso de Revista (RR) N. 1134676-43.2003.5.04.0900, pela Seção de Dissídios Individuais (SDI1), por meio do qual rasga o Art. 8º, inciso VI, da Constituição Federal (CF) — que determina como obrigatória a participação dos sindicatos em todas as negociações coletivas —, para revigorar o Art. 617 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que autoriza acordo coletivo sem a participação sindical.

Agora, a sua 4ª Turma acaba de acrescentar mais um degrau nesta escada de horrores, com a Decisão tomada no Processo Nº TST-RR-1964-73.2013.5.09.0009 — Acórdão publicado no dia 25.11.2016 —, rasgando o Art. 7º, inciso XXI, da CF, e o 1º, da Lei N. 12506/2011, para estabelecer que o empregador também faz jus ao aviso prévio proporcional quando a rescisão de contrato é de iniciativa do trabalhador.

O Art. 7º da CF estabelece, em seu caput, de maneira literal: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social”, dispondo, no inciso XXI, “aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de  trinta dias, nos termos da lei”.

Já o Art. 1º, da Lei N. 12506/2011, que regulamenta este inciso, determina: “Art. 1o O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na mesma empresa”.

Como se vê, tanto a CF — que é comando central — quanto a lei só preconizam o aviso prévio proporcional para o empregado, não dizendo uma palavra sobre a sua extensão ao empregador.

O Art. 487, § 2º, da CLT, com redação  que confronta com o que estabelece o seu Art. 7º da CF — e que, portanto, não foi por ela recebido, por contrariar o seu comando —,  é que prevê a extensão do direito de aviso prévio ao empregador.

Porém, isso não impediu a 4ª Turma do TST de inverter a ordem da hierarquia das normas jurídicas, para determinar que a CLT prevalece sobre a CF; o que, em linguagem jurídica, caracteriza-se como decisão teratológica (monstruosa); e, em linguagem política, significa opção pelo capital, em prejuízo do trabalho.

A ementa do Acórdão dessa generosa decisão para o capital, não deixa margem à dúvida ao contorcionismo da 4ª Turma do TST para beneficiar este:

“A C Ó R D Ã O 4ª Turma

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. AVISO-PRÉVIO. PROPORCIONALIDADE AO TEMPO DE SERVIÇO. DIREITO DO EMPREGADO E DO EMPREGADOR. BILATERALIDADE 1. O aviso-prévio é obrigação recíproca de empregado e de empregador, em caso de rescisão unilateral do contrato de trabalho, sem justa causa, como deriva do art. 487, caput, da CLT.  A circunstância de o art. 1º da Lei nº 12.506/2011 haver regulamentado o aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço dos empregados não significa que não se aplica a referida proporcionalidade também em favor do empregador. A própria Lei nº 12.506/2011 reporta-se expressamente ao aviso-prévio de que trata “o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho”, cujo art. 487 alude “à parte” que, sem justo motivo, “quiser rescindir”, aplicando a ambos os sujeitos do contrato de emprego a mesma duração do aviso-prévio. A nova lei somente mudou a duração do aviso-prévio, tomando em conta o maior ou menor tempo de serviço do empregado. 2. Afrontaria o princípio constitucional da isonomia reconhecer, sem justificativa plausível para tal discrímen, a duração diferenciada para o aviso-prévio conforme fosse concedido pelo empregador ou pelo empregado. Assim como é importante o aviso-prévio para o empregado, a fim de buscar recolocação no mercado de trabalho, igualmente o é para o empregador, que se vê na contingência de recrutar e capacitar um novo empregado. 3. Ademais, ainda que assim não se entendesse, o prolongamento do aviso-prévio concedido pelo empregado ao empregador, observada sempre a mesma duração proporcional ao tempo de serviço, não causa prejuízo ao empregado passível de gerar direito à indenização. Há pagamento de salário correspondente aos dias supostamente trabalhados sem exigência legal e há a própria projeção do contrato de emprego, asseguradas todas as demais obrigações contratuais e legais. 4. Recurso de revista da Reclamante de que não se conhece”.

Portanto, aí está mais um terrível fantasma que os  trabalhadores terão de enfrentar, mesmo se tratando de decisão de Turma, que não orienta a jurisprudência do TST.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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