Trabalhar em casa significa fazer tudo ao mesmo tempo agora para os profissionais da educação

Por Marcos Aurélio Ruy

A suspensão das aulas por causa da pandemia do coronavírus acrescentou mais trabalho às professoras e professores. Para começar, o ensino remoto de apoio pedagógico não atinge a totalidade dos estudantes e acarreta mais tarefas para os profissionais da educação.

Um dos problemas enfrentados com o isolamento social refere-se à questão de gênero, principalmente no ensino básico. “Em uma categoria cuja presença feminina supera os 85%, neste período de permanência em casa, as nossas tarefas triplicaram”, afirma Francisca Pereira da Rocha Seixas, secretária de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e de Assuntos Educacionais e Culturais da Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo.

A sindicalista acrescenta também a pressa em realizar o ensino remoto em São Paulo, onde ela atua. “As professoras e professores estão tendo de trabalhar sem basicamente nenhum apoio, sem estruturação, totalmente a cargo das condições de cada um”.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a partir de março ao menos 165 países fecharam as escolas, interrompendo as aulas de cerca de 1,5 bilhão de estudantes, o que alterou a rotina de 63 milhões de professoras e professores da educação básica. No Brasil não foi diferente.

“A passagem para o trabalho em casa sem nenhuma preparação já provoca a necessidade de adequação às plataformas virtuais e de como preparar as aulas dessa forma”, revela Marilene Betros, secretária de Políticas Educacionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Segundo Marilene, que também é dirigente da APLB – Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia, “a adaptação ao mundo virtual tem sido difícil, porque as aulas presenciais são essenciais para uma interação maior entre educadoras e educadores com seus alunos e entre eles, para uma boa socialização dos conhecimentos de todos”.

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Fora isso, afirma, “trouxe mais uma tarefa para as mulheres que têm de cuidar da casa e dos filhos e ainda preparar suas aulas e transformar suas casas em verdadeiros estúdios de gravação”.

A presidenta da CTB-AM, Isis Tavares, que é pedagoga, preocupa-se também em como será definido o ano letivo. Porque, além “da carga de trabalho extrema, há que se preocupar com a saúde laboral das trabalhadoras e trabalhadores”, diz. E essa preocupação “não envolve apenas aspectos técnicos e legais”.

Porque “as professoras e professores já tinham problemas nas aulas presenciais com um desgaste físico e psicológico muito grande”. Agora a situação piorou e muito, diz a sindicalista. Com o ensino a distância (EaD), ocorre “um controle de toda a vida desses profissionais, uma verdadeira invasão ao ambiente doméstico, um controle não institucionalizado, mas que acontece na prática através de meios digitais”.

Os problemas se avolumam

Dados do Censo da Educação Básica de 2019, apontam para mais de 48 milhões de estudantes nas redes pública e privada, com 88,8% matriculados na área urbana e 11,2% na rural e 81% no ensino público. O Brasil conta ainda com mais de 5 milhões de estudantes entre 4 e 5 anos de idade, cerca de 13,7 milhões entre 5 e 10 anos de idade e mais de 10 milhões na faixa entre 10 e 14 anos de idade. O Censo informa ainda a existência superior a 2.2 milhões de docentes no ensino básico.

Muitas vezes, “recebemos denúncias de professoras que se veem forçados a realizar seus trabalhos após terminarem suas tarefas domésticas, madrugada adentro”, revela Berenice Darc, secretária de Relações de Gênero da CNTE. Para, assinala a sindicalista, “preparar as aulas e atividades do dia seguinte”.

Francisca reforça que “as professoras e professores estão trabalhando com seus próprios equipamentos, gastando dados móveis do próprio bolso”. Para mostrar a drástica situação de grande parte dos estudantes, a Apeoesp fez um levantamento pelo qual, somente 12,7% dos estudantes se conectaram ao ensino remoto do estado de São Paulo na terça-feira (26). Num índice mantido, em média, entre os 24% e 28%.

Se já não bastassem essas dificuldades, ainda “ocorre muita pressão efetuada pelas secretarias de educação dos estados e municípios e também por pais e mães em verdadeiros cyberbullying aos educadores e educadoras”, reforça Berenice.

A maioria dos ensinos remotos aplicados pelo Brasil afora “não leva em consideração a triste realidade de abandono das escolas públicas com um grande volume de problemas como falta de segurança, falta de estrutura e salários muito baixos”, assinala Josandra Rupf, secretária de Educação da CTB-ES.

Um dos principais problemas apontados por Francisca, trata-se do aprofundamento da desigualdade socioeducaional nesse processo de ensino remoto. “Com raras exceções, os governadores não levam em conta o déficit ao qual as crianças mais pobres apresentarão ao final de tudo isso, por não terem como acompanhar essas aulas remotas”.

Isis finaliza com emoção ao afirmar que “a educação não existe sem as crianças na escola, não existe sem as professoras e professores e sem as merendeiras, as secretárias, as serventes, e todos os profissionais que compõem o quadro escolar, além de necessitar da participação da comunidade para termos um ensino comprometido com as necessidades de todas e todos”.

CTB

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