“Utopia Autoritária Brasileira” revisita o velho pacto entre farda e poder

Novo livro de Carlos Fico traça linha contínua entre os golpes militares de 1889 e o presente

Divulgação

Em Utopia Autoritária Brasileira (Editora Crítica / Planeta, 2025), o historiador Carlos Fico, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e referência nos estudos sobre a ditadura militar, analisa como a presença das Forças Armadas na política brasileira não é uma anomalia, mas uma constante histórica.

O autor percorre quinze episódios de golpes, quarteladas e pronunciamentos militares, da Proclamação da República até os acontecimentos mais recentes da vida política nacional, para mostrar que o autoritarismo fardado se apoia em uma ideia persistente: a de que os militares seriam os verdadeiros guardiões da moral e da pátria, superiores à “corrupção” e à “fraqueza” dos civis. Essa mentalidade, argumenta Fico, compõe uma “utopia autoritária” que atravessa gerações e molda a cultura política do país.

A obra, descrita pela editora como seu livro mais direto e acessível, busca dialogar com o grande público sem abrir mão da densidade analítica que marca a trajetória de Fico. Ao longo de mais de 400 páginas, o historiador questiona o protagonismo naturalizado das Forças Armadas e rebate leituras distorcidas do artigo 142 da Constituição Federal, frequentemente utilizadas para sustentar interpretações equivocadas sobre o papel das instituições militares no regime democrático.

O artigo 142 da Constituição de 1988 estabelece que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Fico ressalta que a parte final do dispositivo, muitas vezes isolada de seu contexto, não autoriza qualquer tipo de “poder moderador” ou intervenção militar, como alguns grupos defendem. Para o historiador, trata-se de uma distorção jurídica que fere a essência do texto constitucional e reforça uma mentalidade autoritária que o livro procura desvendar.

Em entrevista concedida à Agência Brasil e publicada pelo portal Fringe (07/07/2025), Fico destacou que o pensamento militar brasileiro se estrutura historicamente em três pilares: o desprezo pela política, a crença na superioridade moral e técnica dos militares e a convicção de que a sociedade precisa ser tutelada. Esses elementos, segundo ele, explicam a permanência de uma visão autoritária que atravessa os regimes e resiste às mudanças democráticas.

Nesta entrevista, o historiador detalhou a origem dessa mentalidade, que remonta ao final da Guerra do Paraguai, quando os militares passaram a se ver como portadores de uma “missão especial” e a nutrir desconfiança em relação ao poder civil.

“Essa concepção equivocada é a justificativa, o pretexto que sempre esteve presente em mais de uma dezena de golpes e tentativas descritas no livro”, afirmou.

Ao tratar do papel das Forças Armadas nas sucessivas crises institucionais do país, Fico observa que todas as rupturas da legalidade republicana, desde 1889, tiveram protagonismo militar, sustentadas por uma visão de tutela sobre a sociedade.

Quando questionado sobre a ausência de punição a agentes de Estado, o historiador nos diz: “No livro, eu mostro uma coisa chocante que é o fato de nenhum militar golpista ter sido preso. Nenhum. E quando começou a ter algum inquérito, alguma coisa nesse sentido, imediatamente veio uma anistia aprovada pelo Congresso. Nunca houve qualquer punição.”

Para ele, esse padrão de impunidade ajuda a explicar a longevidade da mentalidade intervencionista nas Forças Armadas. Fico considera inédito o atual momento em que a Justiça investiga e processa militares e civis ligados a tentativas de ruptura institucional:

“O fato de a Justiça atuar, de a Polícia Federal ter feito um inquérito, de a Procuradoria da República ter encaminhado a denúncia, de a denúncia ter sido aceita e agora de o Supremo transformar os denunciados em réus, isso jamais aconteceu.”

As conclusões de Fico evidenciam que o autoritarismo brasileiro não se sustenta apenas pela força das armas, mas também pela conivência e pelo silêncio. Foi na ausência de justiça e na recusa em enfrentar o passado que se formou a crença de que toda ruptura é perdoável e, portanto, capaz de se repetir.

Detalhes da publicação

Utopia autoritária brasileira – Como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje
Autor: Carlos Fico
Editora: Crítica / Planeta
Páginas: 448
Ano: 2025
Gênero: História / Política
Preço sugerido: R$ 79,90
ISBN: 978-85-4223-382-7

Fonte: Entrevista concedida por Carlos Fico à Agencia Brasil e pulicada na Fringe em 07/07/2025. Disponível em: fringe.com.br.

Por Antônia Rangel

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
666filmizle.xyz