Violência, censura e adoecimento: um cenário alarmante na educação brasileira

A educação brasileira hoje atravessa um momento crítico e preocupante. Pesquisa do Observatório Nacional da Violência Contra Educadoras e Educadores, em parceria com o Ministério da Educação, revelou que nove em cada dez professores já sofreram ou testemunharam episódios de violência, perseguição ou censura no ambiente educacional. Paralelamente, estudos sobre saúde mental mostram que a docência deixou de ser apenas uma profissão desgastante para se tornar um terreno permanente de sofrimento psíquico, marcado por exaustão emocional, ansiedade e estresse crônico.

O conjunto destas informações revela que a violência política e institucional e o adoecimento mental não são fenômenos isolados, mas faces de um mesmo processo de corrosão da educação democrática no país.

O estudo coordenado pelo professor Fernando Penna evidencia que a violência contra educadores tornou-se parte do cotidiano escolar e universitário. Na educação básica, 61% dos docentes relataram ter sofrido violência direta; no ensino superior, 55%. Entre os educadores censurados, 58% foram alvo de intimidação, 41% sofreram questionamentos agressivos e 35% foram proibidos de trabalhar determinados conteúdos.

Os temas censurados envolvem conteúdos essenciais: ciência, gênero, sexualidade, violência doméstica, direitos humanos e saúde pública. Professores relatam impedimentos absurdos, como proibição de distribuir material oficial do Ministério da Saúde sobre vacinação ou abordar prevenção à violência sexual. Há também casos de docentes demitidos por ensinar a teoria da evolução ou contrariar pressões locais ligadas ao criacionismo.

Esses dados demonstram que o cerne do problema não é pedagógico, mas político. Questões políticas são o principal motivo de censura, seguidas por gênero e sexualidade, religião e negacionismo científico. A curva da violência cresce a partir de 2010 e atinge picos em 2016, 2018 e 2022, anos marcados por instabilidade institucional e radicalização.

Grande parte da violência parte de dentro das próprias instituições: diretores, coordenadores, familiares e até colegas figuram entre os principais agentes. Segundo a Agência Brasil, os agentes mais recorrentes são profissionais da área pedagógica (57%), familiares de estudantes (44%), estudantes (34%), professores (27%), funcionários da administração (26%) e demais trabalhadores da instituição (24%). Órgãos de gestão pública também aparecem em 21% dos casos. Isso mostra que o ataque se infiltrou no cotidiano escolar, tornando o ambiente permanentemente tensionado.

Diante desse cenário, entidades nacionais têm se mobilizado. Contee e ANPUH iniciaram uma articulação conjunta para responder aos ataques às disciplinas de História e das Ciências Humanas, propondo uma campanha nacional em defesa da liberdade de cátedra e do pensamento crítico. A articulação reforça que a resistência docente também se dá no campo institucional e político.

O quadro revelado pela pesquisa do Observatório dialoga com os estudos recentes sobre saúde mental de professores e professoras. O texto de Valter Mattos da Costa sintetiza o que as pesquisas vêm demonstrando: a docência brasileira vive um processo contínuo de adoecimento.

Relatos de professores sobre salas superlotadas, barulho constante, pressões contraditórias e medo de violência descrevem um ambiente insalubre. A rotina funciona como gatilho permanente de estresse: o corpo precisa estar presente, mas a mente tenta escapar do sofrimento.

A literatura especializada confirma que o adoecimento psíquico tornou-se regra. Transtornos mentais já são uma das principais causas de afastamento docente. A chamada Pedagogia da Métrica adiciona outra camada de desgaste: relatórios intermináveis, plataformas instáveis, metas inalcançáveis e avaliações externas geram culpa, sobrecarga e sensação de insuficiência.

Somam-se a isso episódios diários de agressão e hostilidade. Muitos professores evitam intervir em conflitos por medo. Quase metade se sente vigiada. Mais de 20% mudaram de local de trabalho por iniciativa própria. A violência desestrutura o clima escolar, produz insegurança e compromete a liberdade de aprender.

O resultado acumulado é devastador. A perseguição política, a pressão gerencial, o medo e o adoecimento têm levado profissionais a abandonar a docência, agravando o apagão de professores no país. Os efeitos ultrapassam os muros da escola: a democracia se sustenta na liberdade de ensinar e aprender. Quando professores são silenciados ou levados ao colapso psicológico, toda a sociedade perde.

O Observatório propõe a criação de uma política nacional de enfrentamento à violência contra educadores, já em elaboração no MEC. O órgão também mantém acordo de cooperação técnica com o Ministério dos Direitos Humanos, defendendo que educadores sejam reconhecidos como defensores de direitos humanos.

O país precisa avançar nessa direção, estruturando políticas de proteção aos profissionais da educação e ações que combatam a violência nas instituições de ensino, tratando a saúde mental docente como prioridade. Sem isso, a educação continuará funcionando às custas do corpo e da mente de quem ensina.

Cuidar dos professores e professoras é defender a democracia, o direito à educação e o futuro do país.

Por Antônia Rangel

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