Vivas ao 8 de março e à luta feminina: rompendo o silêncio e a mortalha

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

“Tinha falado em outros tempos, mas não há necessidade de falar quando isso não passa de um hábito.”

Com esta enigmática e desalentadora epígrafe, o premiado e mundialmente conhecido e respeitado – com justiça e mérito – autor norte-americano, John Steibenck, retrata a socialmente imposta conduta de Juana, uma das três personagens principais de seu livro, “A Pérola”, publicado em 1947; as outras duas personagens são Kiko, seu marido, e Coyotito, filho.

Durante dezenas de séculos, em todos os cantos em que a propriedade privada era dominante, impôs-se às mulheres a triste condição de Juana, marcada e patenteada pela  mortalha do silêncio; as suas palavras não passavam de hábito, sem sentido e sem relevância, não obstante fossem  elas, desde os tempos imemoriais, a viga mestra da família, como observa, com maestria, Engels, em sua monumental obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, fazendo-o com base nos estudos realizados por  Morgan, que, por mais 50 anos, viveu entre os índios iroqueses.

Quando ousavam romper a mortalha do silêncio, para dar rumo correto aos valores e convenções sociais, tinha lugar  a mortalha física, como aconteceu com Joana D’Arc e as  129 operárias da fábrica Chicago, em 1857, que foram queimadas vivas, para que não se rompessem os grilhões da dominação de classe e de gênero.

Como se sabe,  este cruel e impiedoso massacre, deitou marcas profundas no contexto social mundial, tendo o valente e destemido ato das operárias queimadas vivas transformado-se no símbolo universal da luta pela emancipação feminina, que é fundamento e condição primeira para a da humanidade.

Ao longo dos séculos, erroneamente, tomados como silenciosos, as mulheres, todas elas, com maior ou menor intensidade, daqui e de alhures, anteciparam-se aos belíssimos ensinamentos da música de Paulinho Moska “Espaço Liso”: amaram a causa, e não a consequência; amaram o pensamento, e não a inteligência; amaram a loucura, e não a consciência; amaram a paciência.

Amaram a causa, sem se preocupar com as consequências, sabendo que décadas mais, décadas menos, colheriam os frutos de sua luta, que, ao fim e ao cabo, era e é de toda sociedade. Amaram a loucura, que se materializava na luta contra a tirania da sociedade discriminadora e profundamente desigual; luta que, aparentemente, se mostrava inglória; nesta seara incansável, faziam de conta que desprezavam a consciência, para que não se esmorecem nem desistissem jamais da busca do horizonte da igualdade e da solidariedade.

Para elas, paciência nunca foi sinal de acomodação ou de resignação; ao contrário, sempre foi demonstração de perseverança e de crença e de abnegada busca do futuro radioso, que, em verdade, ainda não chegou, mas já enviou muitos de seus luminosos e brilhantes fachos de luz; luz perene e fulgurante.

Apesar de, em todo o mundo, a discriminação no trabalho, que se reveste de forma concreta de discriminação de classe, continuar viva e repugnante, como demonstra o último e recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo o qual, no ritmo atual, serão necessários mais 77 anos para que se alcance a igualdade salarial. Isto sem contar as inúmeras outras formas de discriminação, que ainda grassam dezenas de países, sobretudo nos continentes africano e asiático.

Vale a pena trazer, aqui, como sincero e justo reconhecimento à construtora luta das mulheres, as palavras do professor Baptista Pereira, pronunciada em conferência proferida na Faculdade de Direito em São Paulo, em junho de 1928, e que são registradas no leu livro “Pelo Brasil Maior”, publicado em 1934, pela Companhia Editora Nacional:

“O homem em plena involução, regrediu à mentalidade das cavernas. Despiu a mulher do seu manto estrellado.

Durante séculos, a cultura ocidental não teve outro escopo senão a divinização feminina. Quanto caminho percorrido, desde os dias de sol frio, em que a companheira do primeiro homem fitava, com os olhos vazios de pensamento, as brasas da fogueira toglodyta! Passo a passo,  numa ascenção lenta mas continua, sahindo da inconsciência pelo sofrimento e recebendo a alvorada da idéia nas visitas da maternidade e da viuvez, entrou a mulher a descobrir o mundo moral. Por essa ascenção pode-se medir a curva da civilização. As nações que faziam da mulher escrava estacionaram ou regrediram. Só as que aceitaram a sua soberania progrediram. Desde ahí, nos olhos femininos estremeceu o arrebol de todas as auroras” (texto original).

Por tudo  isto, hoje e sempre, vivas à luta feminina e ao  dia 8 de março, símbolo eterno desta vitoriosa trajetória. Com certeza, as operárias que deram a vida para que se descortinasse um novo horizonte social, se lhes for dada a condição de saber o que se passou desde aquele fatídico dia de 1857, como muitos acreditam, dirão, em uníssono, valeu a pena; não só porque a alma não é pequena – parafraseando o poeta Fernando Pessoa, em seu poema Mar Português -, mas porque o sonho que sonharam juntas, e pelo qual foram imoladas, realizou-se.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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