Volta às aulas no mundo tem nervosismo na França, lotação na Espanha e nenhum contágio na China
Rússia não exige nem máscaras nem separação mínima entre alunos. Na Itália, diretores expressam suas dúvidas sobre um retorno que consideram precipitado. Israel volta atrás e fecha escolas
A pandemia do coronavírus parece ainda longe de acabar, mas em vários países a retomada das aulas se tornou sinal de que a situação está sob controle ― mesmo que, em muitos casos, este sinal seja mais um desejo do que realidade. Com o ano letivo no hemisfério norte começando agora em setembro, aumentam os esforços governamentais para criar medidas que garantam aos estudantes, professores, funcionários e familiares que a escola pode ser um ambiente seguro contra a covid-19.
Um olhar atendo para o que está ocorrendo em vários pontos do planeta indica que as coisas podem ir bem — ou muito mal. Em geral, como um reflexo, ligeiramente diminuído, da situação geral da crise sanitária em cada país. Veja como está sendo a volta às aulas, os principais protocolos de saúde, os erros e acertos em um giro por nove países.
Na China, 280 milhões de alunos voltam às aulas sem incidentes
“Bons companheiros”, “bem-vindos a classe”, “feliz novo semestre”. Na entrada da escola primária da Universidade Tsinghua, em Pequim, cartazes roxos e amarelos com estas mensagens recebiam na segunda-feira passada os alunos do segundo ao quarto ano do primário, os últimos entre os 2.200 estudantes do local que permaneciam afastados. Vários professores mediam a temperatura das crianças que chegavam; um grupo de pais voluntários distribuía máscaras a quem as tinha esquecido.
Cenas similares se repetem em outras escolas da capital chinesa desde 1º de setembro, quando começou a volta escalonada às aulas depois do recesso de verão para mais de 280 milhões de estudantes em todo o país. No próspero bairro de Shunyi, no subúrbio da cidade, a estudante Wenxuan, uma adolescente de 13 anos que usa franja e rabo de cavalo, descia do ônibus escolar, nesta segunda-feira, verificando se estava levando tudo o que o colégio exigiu para o primeiro dia de aula: uma lista de sua temperatura nos últimos 14 dias, um formulário à parte com a temperatura do dia e duas máscaras, uma posta e a outra de reserva.
Até o momento não houve relato de incidentes ou contágios: a China está há 23 dias seguidos sem registrar oficialmente nenhuma só nova infecção local, e apenas um punhado diários de casos procedentes do exterior. A volta às aulas é um sinal a mais, destacado com entusiasmo na mídia oficial, de que o país onde foram detectados os primeiros casos de covid-19 deu o vírus como definitivamente derrotado.
A Itália prende a respiração
A Itália foi o primeiro país a fechar suas escolas e será um dos últimos na Europa a reabri-las, na próxima segunda-feira. Mesmo assim, muitos dos diretores de escolas do país manifestaram ao Governo suas dúvidas com o que consideram um retorno precipitado. O ministro da Saúde, entretanto, disse a este jornal que “as escolas abrirão, haja o que houver”. Algumas regiões, entretanto, já adiaram sua abertura, apesar de o Estado ter investido 2,9 bilhões de euros (18 bilhões de reais) para contratar 97.000 professores e comprar 2,4 milhões de novas carteiras para os 8.000 colégios públicos.
As medidas de segurança e os protocolos em caso de contágios já estão claros. A rede escolar italiana estará conectada ao Departamento de Prevenção de Saúde, que decidirá caso a caso como enfrentar a possível transmissão do vírus. Quando um positivo for detectado, “serão tomadas muitas medidas” antes do fechamento total da escola, segundo fontes oficiais.
A prevenção obrigará a usar máscara em classe se as carteiras estiverem a menos de um metro e não houver no mínimo dois metros de distância do professor. As máscaras deverão ser utilizadas também para qualquer deslocamento dentro da escola ― como ir ao banheiro e na hora da entrada e saída. O mesmo acontecerá no transporte escolar, com a ordem de que os ônibus circulem de janelas abertas mesmo no inverno. A capacidade dos ônibus será reduzida a 80%, e os estudantes entrarão de maneira ordenada: um novo passageiro só poderá subir quando todos os demais estiverem sentados.
Professores de Portugal denunciam falta de recursos
Os estudantes portugueses também retornam às escolas na semana que vem, e os ministérios da Saúde e Educação estabeleceram uma série de diretrizes muito genéricas ― distanciamento social, uso de máscara para alunos de 12 anos ou mais, dentre outras ―, que cada colégio deve adaptar a suas próprias circunstâncias. A maior preocupação na comunidade educativa é que não haja capacidade logística e recursos para que os alunos guardem a distância recomendada de um metro entre si.
As autoridades publicaram um protocolo que deve ser seguido quando ficar comprovado que um ou vários alunos de um colégio estão contagiados, e só em casos extremos serão fechadas instituições inteiras. O que ainda não se sabe é o que vai acontecer com os professores que pedirem licença médica por pertencer a um grupo de risco, já que, segundo a legislação vigente, deixariam de receber seu salário depois do primeiro mês de ausência. O Governo não quer teletrabalho.
Dúzias de focos no Reino Unido
As escolas do Reino Unido começaram a reabrir suas portas em 2 de setembro, com a exceção da Escócia, que decretou a volta às aulas já em meados de agosto. O Governo de Boris Johnson, que tinha assumido como objetivo prioritário a recuperação da normalidade nas salas de aula, cantou vitória ao anunciar uma presença de 90% de alunos em todo o país.
Entretanto, não se passaram muitos dias até que começaram a surgir dezenas de focos de contágio, e várias escolas precisaram fechar. As autoridades sanitárias britânicas consideram que há um foco quando dois casos positivos são detectados no mesmo local num intervalo de 14 dias.
Apesar das recomendações gerais publicadas pelo Ministério da Educação, os colégios preservaram muita autonomia na hora de estabelecer suas medidas de segurança, de modo que surgiram divergências notáveis. Em algumas escolas é obrigatório o uso de máscaras em áreas comuns, enquanto outras deixam ao critério de pais e alunos.
Tranquilidade na Alemanha
Na Alemanha, os alunos voltaram às aulas já no começo de agosto, de maneira escalonada por todo o país, como acontece a cada ano após as férias do verão europeu. Iniciar um novo ano letivo com a maior normalidade possível e em tempo integral é uma prioridade para o Governo alemão. Cada um dos 16 Estados federados decide as medidas de higiene a serem adotadas nas suas escolas. Na maioria, os alunos usam máscara em áreas comuns, como o corredor e banheiros, mas não nas salas de aula.
Até agora, essa retomada ocorreu sem grandes sobressaltos na Alemanha, onde a chamada segunda onda é menor que em países vizinhos. A cifra diária de contágios relatada neste domingo foi de 948, em um país com 83 milhões de habitantes.
As cifras de contágios nas escolas variam segundo os Estados federados e não há uma contagem unificada. Fontes da cidade-Estado de Berlim informaram a este jornal que em 25 escolas ― de um total de 692 e 360.000 alunos ―, houve pelo menos um caso positivo. Como regra geral, as pessoas contagiadas devem cumprir quarentena de 14 dias, embora também “possam ser isolados grupos inteiros”, acrescentam.
A França e as tosses traiçoeiras
Passados 10 dias do início do ano letivo na França, em muitas escolas a principal causa de agitação não é o coronavírus, e sim a tosse com catarro. Professores mais cautelosos têm confundido esses sintomas com um sinal de covid-19 e mandado os menores para casa, advertindo que só poderão regressar com um atestado médico. Isso tem deixado alguns consultórios superlotados.
“Há um fluxo de telefonemas aos pais para que venham buscar seus filhos porque [os professores] acham que têm os sintomas [da covid-19]”, diz Hanane Moughamir, inspetora do Ministério de Educação Nacional na região de Moissy, zona sul de Paris. “Isto é um pouco complicado de administrar para as famílias”, acrescenta.
Em toda a França, 32 escolas foram fechadas até o momento ― um número pequeno em relação as 60.000 unidades ―, e 524 classes de um total de 150.000, informou o ministro-porta-voz do Governo, Gabriel Attal, no canal BFMTV. O Governo oferece uma ampla autonomia às escolas para se manterem abertas ou fechar em caso de detecção de alunos, professores ou funcionários com covid-19. Em colaboração com a Agência Regional de Saúde, em caso de contágio, é estabelecida uma lista de pessoas que devem ficar em casa, fazer o exame e cumprir a quarentena de 14 dias.
Sem cifras na Rússia
Na Rússia, na maioria das regiões, voltou-se às salas de aula quase como antes da pandemia. É verdade que a Defesa Sanitária emitiu uma série de protocolos: medir a temperatura aos alunos na entrada, determinar que deixem de ir à aula ao mínimo sinal de infecção e reforçar a higiene das instalações. Além disso, pediu-se aos colégios que façam uma programação para que os alunos de diferentes classes e cursos não se encontrem durante os intervalos nem nos recreios, período em que as salas aula e áreas comuns devem ser desinfetadas.
Mas não foram adotadas medidas de separação específicas entre carteiras, e as máscaras não são obrigatórias, embora o Ministério da Educação deixe a critério de cada escola estabelecer medidas adicionais. Também devem tentar que haja mais atividades ao ar livre. Em regiões como Transbaikalia e Sverdlovsk várias escolas tiveram que voltar ao modo remoto depois da detecção de novos casos da covid-19, embora não haja cifras oficiais.
Israel fecha quase 200 escolas após registrar 1.800 positivos
Passada uma semana do início das aulas em Israel, em 1º de setembro, o Ministério de Educação contabilizou na terça-feira passada mais de 1.800 casos positivos por coronavírus entre alunos, professores e pessoal não docente. Os contágios na comunidade escolar ― que deixaram quase 25.000 pessoas em quarentena domiciliar ― obrigaram ao fechamento de pelo menos 42 escolas e 150 unidades de educação infantil em todo o país.
Mas estas cifras oficiais não incluem dados das 40 cidades e distritos, habitados em sua maioria por judeus ultraortodoxos e árabes, que, desde quarta-feira, encontram-se sob toque de recolher parcial e onde o ensino presencial foi suspenso durante a semana. Tampouco abrangem informações sobre escolas que só suspenderam as aulas das classes em que houve casos positivos.
As autoridades educativas consideram que a taxa de infecções nas escolas é de apenas um quarto do registrado na população geral. Entretanto, a volta às aulas durou pouco em Israel. Diante da virulência da segunda onda no país, com cifras superiores a 4.000 contágios diários num país de nove milhões de habitantes, o Governo ordenou na tarde deste domingo um reconfinamento geral da população, que inclui o fechamento dos colégios. As novas restrições começarão a vigorar na próxima sexta-feira, 18, e durarão no mínimo três semanas.
Espanha: improviso, turmas isoladas e temor de greve
Na casa de Rocío ninguém entende nada. “Mandaram meu bebê para casa porque sua coleguinha de classe deu positivo para covid-19, mas não nos fazem o PCR, e o meu marido é obrigado a ir para a escola dar aula para 70 garotos. Acho que não estamos cuidando bem dos estudantes”, afirma esta mãe madrilenha, desconcertada. Enquanto isso, nos grupos de WhatsApp da escola, memes e piadas se misturam a dramáticos pedidos de socorro. “Horror! Confinaram a classe do meu filho Manuel por um positivo, estão todos isolados, mas não dão uma alternativa on-line para a mais velha, nem nos fazem o PCR. Que ano nos espera?”, perguntava-se nesta segunda uma mulher às outras mães. “Pois façam como os reis, que não suspenderam a agenda embora a infanta esteja confinada!”, respondia-lhe outra, referindo-se à família real espanhola. “A isto não há ano letivo que resista”, desabafava uma terceira.
Uma semana depois de as primeiras escolas reabrirem na Espanha, estudantes, famílias, professores e instituições estão começando a sentir as consequências da improvisação, falta de coordenação e incoerência das administrações, enquanto dezenas de classes recebem ordem de confinamento em toda a Espanha.
Além disso, a sombra de uma greve paira por todo país. Na Catalunha, um milhão de estudantes retomou as atividades em massa nesta semana sob a ameaça de uma paralisação. O mesmo já havia ocorrido na semana passada na Andaluzia, a região mais populosa da Espanha, onde vários sindicatos a convocaram para esta sexta-feira, enquanto na Galícia o reinício das aulas do ensino médio e de formação profissional foi adiado para o dia 23, apenas dois dias úteis após a incorporação prevista de novos docentes.
Em Madri, onde a greve havia sido adiada graças ao anúncio da contratação de mais 11.000 professores, a ameaça de paralisação voltou após a notícia de que os reforços prometidos só chegarão no final do semestre que vem, e que muitas dessas vagas estão ficando em aberto. “Esta caótica volta às salas de aula demonstra que a educação não é uma prioridade política em nosso país”, afirma Francisco García, secretário-geral de ensino da principal central sindical espanhola, as Centrais Operárias.
“Esta geração que estuda agora no ensino primário, secundário ou na universidade é a que vai ter que pagar a dívida em que todos os países estão incorrendo para combater a pandemia”, alerta Jaime Saavedra, principal responsável do Banco Mundial para o âmbito educativo.
Com informação de Macarena Vidal Liy (Pequim), Juan Carlos Sanz (Jerusalém), Ana Carbajosa (Berlim), Marc Bassets (Paris), Rafa de Miguel (Londres), María R. Sahuquillo (Moscou), Daniel Verdú (Roma), Beatriz Lucas (Madri), Felipe Sánchez (Lisboa) e Beatriz Lucas (Madri)