Voto feminino: da luta à conquista
Hoje, 3 de novembro, nos somamos à reflexão e à celebração da conquista histórica do direito ao voto feminino no Brasil. A data marca o Dia da Instituição do Direito de Voto da Mulher, referência à criação do projeto de lei que concedia às brasileiras o direito de votar. Embora o projeto não tenha sido votado em razão do fechamento do Parlamento após o golpe de 1930, o direito das mulheres às urnas foi finalmente consolidado com a promulgação do Código Eleitoral de 1932 e reafirmado pela Constituição de 1934, que assegurou oficialmente a participação feminina nos processos eleitorais.
Essa vitória, que integrou definitivamente as mulheres à vida política nacional, simboliza muito mais do que uma mudança formal no sistema eleitoral: representa um marco civilizatório e democrático, que ampliou as bases da cidadania e da representação social no país.
A luta, no entanto, é bem mais antiga. Desde o final do século XIX, mulheres reivindicavam o reconhecimento de sua participação política. Durante a Primeira República, a Constituição de 1891 excluiu explicitamente o direito de voto feminino, mas paradoxalmente abriu brechas para debates sobre a ampliação da cidadania. O artigo 70 daquela Constituição, ao definir que “são eleitores os cidadãos maiores de 21 anos”, foi interpretado de forma ambígua, levando algumas mulheres a tentarem se alistar para votar, tentativas quase sempre indeferidas, mas que inauguraram o debate jurídico sobre o sufrágio feminino no país (KARAWEJCZYK, 2011).
Em 1891, o Congresso Constituinte chegou a discutir seis emendas que propunham o voto feminino, ainda que de forma restrita, limitando-o às mulheres alfabetizadas, viúvas ou com formação superior. Parlamentares como Costa Machado, de Minas Gerais, defenderam a equiparação de direitos políticos entre homens e mulheres como princípio republicano, questionando a contradição de permitir o voto de ex-escravos e negar o das mulheres que pagavam impostos e possuíam bens (KARAWEJCZYK, 2011).
Essas emendas foram rejeitadas, mas os debates abriram caminho para o avanço do movimento sufragista. Nas décadas seguintes, nomes como Leolinda Daltro e a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, liderada por Bertha Lutz, retomaram o tema com força até a conquista definitiva do voto em 1932. Segundo Karawejczyk (2011), o Brasil foi um dos países pioneiros na concessão desse direito, antecedendo nações como França e Itália, que o garantiram apenas na década de 1940.
Um legado que inspira novas lutas
Quase um século depois, as mulheres ampliaram significativamente sua presença na vida política brasileira, conquistando espaços antes negados, inclusive o mais alto cargo da República. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), referentes às eleições municipais de 2024, revelam que elas representam a maioria do eleitorado brasileiro, com mais de 81 milhões de eleitoras, o equivalente a 52,47% do total, e são maioria em quase 62% dos municípios do país. Esses números evidenciam o importante papel das mulheres na definição dos rumos do país e reforçam a necessidade de seguir avançando rumo a uma representação política mais justa e igualitária.
Esses números demonstram que o voto feminino não foi uma concessão, mas uma conquista coletiva, fruto da mobilização, da coragem e da persistência de gerações de mulheres. Ainda assim, as brasileiras continuam sub-representadas nos espaços de poder, especialmente nos cargos legislativos, executivos e partidários, um desafio que também se reflete no mundo do trabalho e da educação.
Nos últimos anos, surgiram avanços importantes para enfrentar essa disparidade, como a Emenda Constitucional nº 117/2022, que determina que os partidos políticos apliquem recursos financeiros e reservem ao menos 30% do tempo de propaganda eleitoral para fortalecer a participação feminina nas candidaturas e campanhas.
Paridade e democracia na educação
A participação feminina no processo eleitoral e nas instâncias de decisão é condição essencial para a efetivação da igualdade de direitos também na base profissional: nas escolas privadas, nos contratos de trabalho, nas carreiras docentes e nas oportunidades de ascensão.
O direito de voto está diretamente relacionado ao direito de voz, e a representação sindical é uma de suas expressões mais importantes. Assim como o movimento feminista histórico exigiu e conquistou o voto, o movimento sindical da educação privada deve garantir o protagonismo das mulheres, professoras, técnicas, auxiliares e gestoras, nas instâncias de representação, negociação coletiva e deliberação política.
Defender a regulação da Educação a Distância (EAD), fortalecer o Sistema Nacional de Educação e assegurar a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE) implica garantir que todas as vozes, especialmente as das mulheres trabalhadoras, estejam presentes nos espaços de decisão.
Celebrar a instituição do voto feminino é reafirmar o compromisso com a democracia e com a participação social ativa. É lembrar que os direitos não surgem espontaneamente: são frutos de luta, organização e memória coletiva.
No campo da educação privada, ainda persistem desigualdades salariais, falta de representatividade nas lideranças escolares e sindicais. Enfrentar essas fragilidades requer políticas de formação, campanhas de conscientização e ações que assegurem equidade.
Neste 3 de novembro, é fundamental reafirmar que a luta pela igualdade de gênero, pela valorização profissional e pela justiça social continua sendo um dos pilares da construção de um ensino privado digno, democrático e transformador.
Apesar dos avanços, a equidade plena ainda é um caminho em construção. Datas como esta não servem apenas para celebrar o passado, mas para renovar o compromisso com o futuro, lembrando que a luta continua, nas urnas, nas escolas e em todos os espaços de poder.
REFERÊNCIA
KARAWEJCZYK, Mônica. O voto feminino no Congresso Constituinte de 1891: primeiros trâmites legais. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais… São Paulo: ANPUH, 2011. Disponível em: <https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposio/pdf/ANAIS2011_MONICA_KARAWEJCZYK.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2025.
TRE-RN. Os 80 anos do voto de saias no Brasil. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, 25 out. 2017. Disponível em: https://www.tre-rn.jus.br/institucional/centro-de-memoria/os-80-anos-do-voto-de-saias-no-brasil-tre-rn. Acesso em: 3 nov. 2025.
TRE-GO. 92 anos da Instituição do Direito ao Voto Feminino no Brasil. Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, 03 nov. 2022. Disponível em: https://www.tre-go.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Novembro/92-anos-da-instituicao-do-direito-ao-voto-feminino-no-brasil. Acesso em: 3 nov. 2025.
Por Antônia Rangel




