Weintraub deixa o governo: seis polêmicas que marcaram a gestão no Ministério da Educação

Um dos ministros mais beligerantes do governo de Jair Bolsonaro, Abraham Weintraub deixou o Ministério da Educação (MEC) nesta quinta-feira (18/06), cerca de um ano e dois meses após tomar posse em uma das pastas mais importantes da Esplanada de Ministérios.

No domingo, Weintraub participou de uma manifestação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, em Brasília, e foi gravado dizendo: “Eu já falei a minha opinião, o que eu faria com vagabundo”. Os termos são os mesmos que usou na reunião ministerial do dia 22 de abril para se referir aos membros do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”, disse ele no encontro em abril, também gravado em vídeo.

Assim como grande parte dos manifestantes reunidos no domingo, Weintraub estava sem máscara, contrariando as leis do Distrito Federal. Ele foi multado em R$ 2 mil por isso.

Weintraub anunciou que deixaria a pasta no Twitter, onde publicou um vídeo gravado ao lado de Bolsonaro. Nele, Weintraub diz que não é o momento de discutir os motivos de sua saída e que segue apoiando o presidente. Ele afirma também que passará a trabalhar no Banco Mundial.

Parte da chamada “ala ideológica” do governo, Weintraub sempre foi alvo de críticas de grupos e técnicos ligados à educação, mas seu desgaste se intensificou nos últimos meses, por conta de críticas consideradas racistas feitas à China e pelas palavras contra os ministros do STF na reunião ministerial.

Ao mesmo tempo em que a maioria de seus projetos no MEC pouco avançaram, Weintraub manteve-se particularmente incendiário no Twitter, onde costuma postar críticas à esquerda. É na rede social, por sinal, que se desenrolaram algumas das suas principais polêmicas em seu período no Ministério da Educação.

Relembre a seguir as que mais marcaram sua gestão:

Vagabundos do STF

Na reunião de 22 de abril do gabinete ministerial de Bolsonaro, tornada pública em meio às investigações sobre se o presidente teria tentado interferir no trabalho da Polícia Federal, Weintraub aparece defendendo a prisão de ministros do STF.

“Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”, declarou.

No texto da decisão que retirava o sigilo da gravação da reunião, o ministro do STF Celso de Mello afirmou que a fala era uma “aparente prática criminosa”: “Além de seu destacado grau de incivilidade e inaceitável grosseria, tal afirmação configuraria possível delito contra a honra”.

Pelo Twitter, Weintraub afirmou que “o desabafo não foi um discurso pensado. Eu estava em uma reunião FECHADA e todos tiveram que entrar sem celular. Sou realmente um cara sincero e educado, como podem constatar”.

O ministro do STF Alexandre de Moraes pediu que Weintraub prestasse depoimento à Polícia Federal a respeito da declaração, no âmbito do inquérito do STF que investiga acusações de fake news e ofensas aos ministros da Corte.

Segundo Moraes, a declaração “não só atinge a honorabilidade e constituiu ameaça ilegal à segurança dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como também reveste-se de claro intuito de lesar a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado de Direito”.

Em seu depoimento à PF, Weintraub manteve-se em silêncio.

Um habeas corpus foi apresentado pelo ministro da Justiça, André Mendonça, em favor de Weintraub e outros investigados no inquérito de fake news, mas o STF formou maioria para rejeitar o habeas corpus e manter o ministro no inquérito.

Críticas à China

Em abril, já em meio à crise do coronavírus, o então ministro postou no Twitter um comentário que fazia alusão ao estereótipo de um suposto sotaque de asiáticos falando português e dizendo que a China estaria por trás de um “plano infalível” para dominar o mundo pós-pandemia. “Geopolíticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?”, escreveu Weintraub, em post que depois foi apagado.

A postagem provocou reações de corpos diplomáticos chineses e um inquérito na Justiça por acusações de racismo.

A Embaixada chinesa no Brasil afirmou se tratar de declarações “absurdas” e de “cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil”.

A pedido da Procuradoria-Geral da República, o ministro Celso de Mello, do STF, abriu inquérito para apurar possível ato racista.

Weintraub prestou depoimento à Polícia Federal no início de junho e, embora tenha negado ter cometido racismo, afirmou que não é “mera ilação a participação da China na pandemia do coronavírus” e falou que há “fortes evidências de que o vírus foi criado em laboratório” – teoria que não é corroborada pelas provas científicas disponíveis até o momento.

Comparações com o nazismo

No final de maio, quando 29 empresários, políticos e blogueiros próximos ao governo Bolsonaro foram alvo de busca e apreensão pela PF no âmbito do inquérito que investiga fake news, Weintraub comparou o episódio à Noite dos Cristais nazista.

O episódio histórico, ocorrido em 1938, se refere à noite em que judeus na Alemanha e territórios anexados foram perseguidos, tiveram seus comércios depredados e muitos foram mandados a campos de concentração. Dezenas de sinagogas foram queimadas.

A frase de Weintraub despertou críticas da comunidade judaica. A Confederação Israelita do Brasil afirmou que “não há comparação possível entre a Noite dos Cristais, perpetradas pelos nazistas em 1938, e as ações decorrentes de decisão judicial no inquérito do STF”.

Enem

Alardeado por Weintraub como o “melhor Enem de todos os tempos”, o Exame Nacional do Ensino Médio de 2019 recebeu uma avalanche de contestações de estudantes depois que o ministro e Alexandre Lopes, presidente do Inep (instituto do MEC que aplica a prova), afirmaram em 18 de janeiro que “um número pequeno de pessoas teve o gabarito trocado” na correção.

Mais tarde, o MEC afirmou ter encontrado erros nas notas de 5.974 estudantes, agregando que os resultados foram corrigidos. No entanto, milhares de estudantes questionaram suas próprias notas, e muitos entraram com ações individuais ou coletivas na Justiça.

Uma ação da Defensoria Pública chegou a suspender, em caráter liminar, a divulgação dos resultados do Sisu (Sistema Único de Seleção Unificada, onde os alunos cadastram suas notas para tentar vagas em universidades públicas.

Também questionava o fato de o MEC não ter dado, à época, resposta aos milhares de estudantes que pediram recontagem da nota – ao mesmo tempo em que Weintraub ofereceu, via redes sociais, análise individual de caso solicitado por internauta.

Novas polêmicas surgiram, em meio à pandemia, em torno do Enem 2020, marcado para novembro. Inicialmente, Weintraub foi contra alterar a data da prova – pedido feito sob o argumento de que muitos estudantes carentes teriam desvantagens em se preparar para o exame na ausência das aulas presenciais.

Mas o ministro acabou aceitando o adiamento depois de o Senado aprovar um projeto de lei alterando as datas de exames pré-universitários.

Enfrentamentos com universidades federais

O início da gestão de Weintraub à frente do MEC foi marcado principalmente pelo embate com as universidades federais. Em abril de 2019, o ministro afirmou que cortaria verbas de três universidades por promoverem “balbúrdia”.

Mais tarde, o contingenciamento de verbas atingiu todas as instituições federais e de bolsas para estudantes de pós-graduação, no momento em que o governo tentava conter gastos.

O ministro também chegou a ser chamado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para explicar uma outra declaração: a de que universidades federais teriam “plantações extensivas de maconha”.

Um polêmico projeto do MEC para ampliar as fontes de financiamento das universidades federais, chamado Future-se, foi lançado em agosto de 2019 e enviado ao Congresso como projeto de lei em maio deste ano.

‘Paralisia’ da pasta

Para além das declarações polêmicas de Weintraub, entidades de defesa da educação e parlamentares criticam o que chamam de paralisia e pouca expressividade na gestão do ministro na educação.

A Política Nacional de Alfabetização – uma das áreas apontadas como cruciais pelo próprio governo – é alvo de críticas por não trazer plano de ação ou metas. O que há de mais concreto é o Tempo de Aprender, programa de adesão voluntária que prevê ações de incentivo à alfabetização às redes estaduais e municipais participantes.

As escolas cívico-militares, outra bandeira do MEC que é vista com ceticismo por especialistas do setor, previa apenas 54 unidades em todo o país em balanço feito no início deste ano.

Tampouco foi apresentada pelo governo, até agora, proposta própria para o Fundeb, fundo bilionário que financia a educação básica pública e que, por lei, expira no final deste ano.

Em janeiro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que “o ministro da Educação atrapalha o Brasil, atrapalha o futuro das nossas crianças, está comprometendo o futuro de muitas gerações. A cada ano que se perde com a ineficiência, com discurso ideológico, com a péssima qualidade na administração, acaba prejudicando os anos seguintes da nossa sociedade”.

Ao mesmo tempo, Weintraub ganhou forte popularidade entre os apoiadores de Jair Bolsonaro. Foi recebido por simpatizantes quando prestou depoimento à PF e, em fevereiro, foi chamado de “o melhor ministro da Educação de todos os tempos” por Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.

BBC

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