Dúvidas e respostas sobre teletrabalho
Dando continuidade à reflexão sobre as questões levantadas na última aula do curso remoto de formação “Educação do Brasil na atualidade”, que tratou sobre os “Novos desafios colocados aos(às) trabalhadores(as) em instituições privadas de ensino relacionados aos direitos trabalhistas e à organização sindical”, os advogados trabalhistas e professores do curso, José Geraldo de Santana Oliveira, consultor jurídico da Contee, e Ricardo Gebrim, prepararam mais um artigo sobre teletrabalho. Confira:
O substantivo composto “teletrabalho”, formado pelo prefixo “tele” — também substantivo, derivado do radical grego “téle”, que significa longe de, a distância — e pelo igualmente substantivo “trabalho”, significa trabalho realizado longe da sede da empresa, remoto (distante do espaço da empresa).
Assim, todo trabalho que se desenvolve fora do espaço da empresa é considerado teletrabalho; o mais comum é o trabalho em domicílio (home office).
A essa modalidade de trabalho acham-se submetidos os profissionais da educação escolar (professores e administrativos), desde o início da pandemia de coronavírus, quando as atividades pedagógicas/acadêmicas presenciais foram sumariamente substituídas pelas remotas, sem aviso, sem acordo e sem diálogo.
Trata-se de tema relativamente novo, pois o conceito de teletrabalho somente foi incorporado à legislação trabalhista em dezembro de 2011, com a Lei N. 12.551, que alterou o Art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dando-lhe a seguinte redação:
“Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.
Por essa razão, há muito mais questionamentos do que respostas sobre teletrabalho, em particular sobre a modalidade trabalho em domicílio (home office), objeto dessas digressões.
A Lei N. 13.467/2017 — lei da reforma (ou deforma) trabalhista —, vigente desde o dia 11 de novembro de 2017, que acrescentou os Arts. 75-A a 75-E à CLT a pretexto de regulamentar a matéria, lançou sobre ela mais trevas do que luz, transformando-se em fértil campo para especulações e disparatadas teses a seu respeito: uma verdadeira torre de Babel.
Com a finalidade de contribuir para esse conturbado o debate, tecem-se, aqui, comentários sobre dos questionamentos mais recorrentes acerca da questão. Ei-los:
1. A adoção de trabalho em domicílio é ato discricionário (livre de condições, de restrições; arbitrário, discricional, ilimitado) do empregador?
Não! Nos termos do disposto no Art. 75-C da CLT, depende de condição expressa no contrato individual de trabalho, portanto, de anuência do empregado.
“Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§ 1o Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
§ 2o Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.”
Desse modo, se o empregador impuser essa condição ao empregado por força do poder de que dispõe de contratar e demitir, sua conduta se caracterizará como abuso de direito, vedado pelos Arts. 186 e 187 do Código Civil (CC):
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
2. A reversão de trabalho domiciliar para presencial também depende de acordo entre empregador e empregado?
Sem o quê nem porquê, o § 2º do Art. 75-C da CLT diz que não; isso pode se dar por vontade unilateral do empregador, desde que seja garantido ao empregado o prazo mínimo de 15 dias para a transição.
3. Se, apesar da garantia legal, que exige mútuo consentimento para a substituição do trabalho presencial pelo domiciliar, o empregado for compelido, para não perder o emprego, a aceitar o termo pré-elaborado pelo empregador determinando essa substituição, esse termo será válido?
O CC determina, em seu Art. 423, que, sobre cláusulas ambíguas ou contraditórias contidas em contrato de adesão, deve-se adotar a interpretação mais favorável ao aderente, no caso concreto o empregado. Determina ainda, no Art. 424, que são nulas as cláusulas que estipulem renúncia antecipada a direitos resultantes do negócio jurídico, no caso, termo aditivo ao contrato de trabalho autorizando a comentada mudança.
“Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
Frise-se que termos aditivos ao contrato de trabalho pré-elaborados pelo empregador, de acordo com suas conveniências, são, para todos os fins, contratos de adesão, aos quais se aplicam o que estipulam os Arts. 423 e 424 do CC.
Assim sendo, na hipótese de o empregado ser compelido a assinar termo aditivo pré-elaborado pelo empregador, somente as cláusulas que não o prejudicarem serão válidas; aquelas ambíguas, contraditórias e/ou que importem renúncia a direito serão consideradas nulas.
Para esta análise, há de se acrescentar as garantias dos Arts. 421 e 422 do CC, que preconizam:
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
4. De quem é a responsabilidade pela aquisição e manutenção das ferramentas e infraestrutura tecnológicas necessárias ao bom desenvolvimento do trabalho em domicílio: do empregador ou do empregado?
Não obstante o Art. 75-D da CLT, de forma proposital e com clara intenção de prejudicar o empregado, lançar dúvidas sobre a questão, ao dispor que essa responsabilidade deva ser prevista em contrato escrito, à luz do Art. 2º também da CLT, não há menor dúvida de que ela é do empregador, a quem cabe os bônus e os ônus do negócio jurídico.
“Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.
Qualquer tentativa de transferi-la ao empregado caracteriza-se como abuso de direito (Art. 187 do CC) e enriquecimento sem causa, vedado pelo Art. 884 do CC.
5. A adoção de trabalho em domicílio importa a perda de algum direito?
Não! Nos termos do Art. 6º da CLT, citado no início deste texto, os direitos e obrigações, do empregador e do empregado não sofrem qualquer alteração com a substituição do trabalho presencial por aquele realizado em domicílio.
6. Qual é a jornada de trabalho do trabalhador que realiza suas atividades em seu domicílio?
A jornada de trabalho a ser cumprida em domicílio é aquela estabelecida no contrato de trabalho, pouco importando se seu cumprimento se dá na sede da empresa ou em domicílio, em que pese o Art. 62, III, da CLT, de forma marota e com fins escusos, estabelecer que o controle de jornada não é aplicável aos empregados em regime de teletrabalho.
Esse dispositivo não cabe nas relações de trabalho entre profissionais de educação escolar, especialmente professores, e estabelecimentos de ensino, pois que não trabalham por peça nem fazem o próprio horário. Ao contrário, seu trabalho se desenvolve com absoluto controle de jornada, previsto e determinado no calendário escolar e no quadro de horários, porquanto atendem à coletividade de alunos, com regras, ritos e parâmetros prévia e obrigatoriamente estabelecidos.
Por essas razões, mostra-se absolutamente imprescindível o registro de todas as atividades docentes e administrativas realizadas em domicílio, para efeito de comprovação de cumprimento da jornada contratada, bem como para eventual cobrança de horas extraordinárias.
Aliás, esse é o conselho da presidente do TST, ministra Maria Cristina Peduzzi, que já deu sobejas provas de desapreço pelos trabalhadores e por seus direitos, em especial quando afirmou que a Medida Provisória 905, que se caducou, honrava os trabalhadores e que, em breve, não haveria mais distinção entre domingo e segunda.
7. O estabelecimento de ensino pode convocar o trabalhador para reunião e gravação de aulas presenciais?
Sim, desde que respeitado o horário de trabalho contratado e, durante o período de pandemia, garantida total segurança à incolumidade física e mental do trabalhador.
8. O estabelecimento de ensino pode marcar reunião, presencial ou remota, e atividades pedagógicas/acadêmicas ou administrativas fora do horário de trabalho contratado?
Não. Sob pena de abuso de direito, todas as atividades pedagógicas/acadêmicas, ou administrativas, devem obedecer, rigorosamente, os horários de trabalho contratados. O descumprimento dessa regra obrigatória, além de desobrigar o trabalhador de atender à convocação extemporânea, implica o pagamento de horas extras, caso seja ela atendida.
Ao debate e à ação!
José Geraldo de Santana Oliveira
OAB-GO 14090
Ricardo Gebrim
OAB-SP 101217