Educação no Brasil corre graves riscos
Por Nanci Alves
O direito a uma educação de qualidade e acessível a todos tem se tornado, cada vez mais, apenas um texto na Constituição Federal de 1988. Desde 2016, quando o governo golpista de Michel Temer assumiu o poder, o setor educacional vem sofrendo grandes ataques e perdas orçamentárias que deixam claro o projeto privatista em curso. E atual ministro da pasta, o economista Abraham Weintraub, trabalha diuturnamente para cumprir esse objetivo. Ele que, inclusive, tem sido responsável por despertar indignação em diferentes setores da sociedade, por suas falas e propostas antidemocráticas.
“Este é o retrato da educação, um ministro que ataca as instituições democráticas, as entidades estudantis, sindicais etc. Weintraub não tem a menor possibilidade de aventar um projeto educacional para o país. Ele não apresentou, até hoje, nada que fosse viável, que surpreendesse positivamente tanto a academia, os pais, como toda a comunidade escolar”, afirma a presidenta do Sinpro Minas, Valéria Morato, ao destacar que não apenas as universidades estão sendo atacadas, mas também os trabalhadores do setor. “Há uma ofensiva deste governo para que estados e municípios não valorizem os profissionais da educação e servidores públicos como um todo”, afirma.
Valéria Morato ressalta que a pandemia do novo coronavírus mostra que a solução para combatê-la passa por grandes investimentos em pesquisa, mas vivemos o oposto disso, com cortes no orçamento da saúde e educação. “Estamos, inclusive, aqui em Minas Gerais, na UFMG, fazendo uma campanha de doação para a compra de um boneco simulador de intubação, para que os alunos da área da saúde possam trabalhar e aprender. Assim o governo trata as instituições educacionais, tão responsáveis pelo desenvolvimento do país em todos os setores”.
As consequências deste descaso com a educação em nosso país, resultado de um projeto político neoliberal, deve ser uma preocupação de todos. É o que afirma o coordenador-geral licenciado da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Gilson Luiz Reis. “No Brasil, a educação caminha para ser profundamente antidemocrática. Um dos projetos deste governo é a ‘escola em casa’, propostas dos fundamentalistas que querem a família como educadora dos seus filhos, para poder inviabilizar qualquer formação mais plena, mais humana e mais científica da nossa sociedade. É a ideia da educação fundamentalista, do criacionismo, da ‘terra não é redonda’. Uma tentativa de introduzir a ‘escola sem partido’ no interior das residências; isso vai até o ensino superior, em que se busca também um elemento central desta fase da educação ultraliberal, que é a padronização da educação”.
A Contee acaba de entrar com uma representação contra o ministro da educação na Procuradoria-Geral da República por crime de responsabilidade. A instituição lembra a todos que, em seus quase 90 anos de existência, o MEC sempre teve a função de estabelecer uma visão sistêmica da educação, desde o ensino infantil até o profissional e tecnológico, sendo responsável pela elaboração e execução das políticas públicas em prol do desenvolvimento da educação pública, gratuita, democrática, de qualidade e socialmente referenciada.
“Tudo isso, porém, não só tem sido ignorado, mas sistematicamente atacado pela gestão de Abraham Weintraub. Ele encarna o que apontamos: de um lado, é um antidemocrático defensor da pauta ultrarreacionária de perseguição ideológica a professores, estudantes, técnico-administrativos e ao próprio conhecimento científico. De outro, é entusiasta e acelerador da privatização da educação pública e dos processos de mercantilização e financeirização do ensino. A posição dele contra a suspensão das aulas presenciais e contra o adiamento do Enem mostra seu descompromisso com a educação como direito social, conforme está assegurado pela Constituição”, afirma a professora Madalena Guasco Peixoto, coordenadora da Secretaria-geral da Contee e diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP.
A professora ressalta que o governo Temer, com a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o teto de gastos públicos, já inviabilizou completamente o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), inclusive a meta de investimentos de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro na educação. “Os cortes promovidos pelo atual governo aprofundam esse processo iniciado com o golpe de 2016 e a EC 95. Isso vale também para a saúde, com um processo de desmonte do SUS. E neste momento de crise sanitária provocada pela epidemia do Covid-19 é que se evidenciam os efeitos nefastos dessa política de desmonte da educação e da saúde públicas e de ataques aos direitos sociais”, diz Madalena Guasco.
O coordenador-geral licenciado da Contee ressalta que, quanto mais aumenta a desigualdade, pior fica a educação. “O objetivo é ter duas escolas no Brasil. Um para filhos de quem tem dinheiro, onde os alunos terão acesso a todas as matérias, conteúdos e conhecimentos, e uma educação para a sociedade como um todo, para os pobres, com a padronização dos conteúdos e a redução do acesso ao conhecimento, da capacidade de reflexão. Então a EAD tem essa dinâmica, de precarização, de uniformização, de prejuízo da qualidade de educação, dentro de uma perspectiva de controle social, político e biológico da sociedade. Portanto, devemos ser contrários à EAD”, avalia Gilson Reis, ao reforçar que a tecnologia deve ser usada na educação como complemento e recurso pedagógico.
“A educação mediada por esses instrumentos deve ser complementar à educação presencial, porque esta é fundamental. O conhecimento é construído não só a partir dos livros, mas também a partir da troca de conhecimentos, experiências, processos entre todos dentro da escola. Também é preciso levar em conta a relação da escola com a comunidade no entorno, com a cidade, com o estado, com o país, compreender os processos que estão em curso, o processo histórico, tecnológico, econômico, social. Então tudo isso é processo de formação e precisa ser feito por meio do contato humano, nas relações, no ‘respirar do fazer educação’”, avalia Gilson Reis.
Crise na educação se agrava com a epidemia
Diante do isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, estamos vivendo a experiência do trabalho remoto, inclusive em muitas escolas, especialmente as particulares. Porém, foi um trabalho organizado às pressas, descontextualizado da realidade social, sem que professores, alunos e até as famílias estivessem preparados, técnica e emocionalmente, para esta nova realidade. “O resultado disso é uma insatisfação generalizada com a forma e até com o conteúdo, seja por professores da rede pública e do setor privado ou pelas famílias e alunos de todos os níveis escolares. Há um adoecimento de todos e um trabalho exaustivo do professor, porque além de elaborar a aula, o conteúdo, ele tem que acompanhar as aulas e fazer relatórios de tudo que foi feito e estar disponível para tirar as dúvidas de alunos e familiares. O trabalho remoto é uma necessidade emergencial deste momento e não poderá continuar, a não ser a como complementação da educação presencial”, destaca Gilson Reis.
Segundo ele, além de todos os problemas da padronização, da precarização e da EaD, ainda há o problema econômico. “O objetivo deles é diminuir o dinheiro destinado à educação para poder pagar as dívidas do mercado financeiro e fazer as projeções daquilo que é indispensável pra quem sustenta esse projeto ultraliberal aqui no Brasil. Por isso devemos rejeitar a padronização e discutir outra visão de educação. Precisamos pensar um projeto de educação para o Brasil que seja estratégico e um processo democrático para a escola. Então nós temos que repudiar ‘escola sem partido’, ‘escola cívico-militar’, ‘ideologia de gênero’, ou seja, esse conjunto de questões conservadoras que hoje estão no interior da escola”.
A professora Madalena Guasco também aponta como saída para o país a articulação de todos. “Esse projeto educacional que está em curso — um projeto antidemocrático, de padronização do ensino, de privatização da gestão pública na educação e de imposição da modalidade EaD na educação básica, assim como de ataque à ciência e à pesquisa — precisa ser derrotado. Isso só será barrado quando conseguirmos também derrotar o projeto político em curso e apresentar um projeto alternativo, o que implica a formação de uma frente política de grandes articulações. Nossa luta sai do campo da educação e entra no campo político para derrotar esse governo fascista”.