Oito questões sobre direitos de imagem, voz e produção intelectual dos professores

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Neste incerto tempo, em que tudo é incógnita, exceto o aprofundamento da exploração dos trabalhadores e o crescimento exponencial do fosso social, que são certos e inexoráveis, multiplicam-se as aflições e os tormentos dos profissionais da educação escolar, especialmente dos professores.

As brevíssimas anotações, a seguir elencadas, visam a suscitar o debate sobre um desses tormentos, que diz respeito ao uso e abuso do direito de imagem, da voz e da produção intelectual dos professores, que correm à larga no ensino básico e no superior.

Desde o início da pandemia, com a substituição de atividades pedagógicas/acadêmicas presenciais por remotas, rotineiramente, os estabelecimentos de ensino, com maior ênfase no ensino superior, exigem de seus professores que lhes assinem termo de graciosa cessão de direitos de imagem, de voz e de produção intelectual.

1 Ante esse aparente e insistente zelo dos estabelecimentos de ensino, tornaram-se frequentes as indagações de professores aos seus respectivos sindicatos sobre o porquê de tal conduta; por que os estabelecimentos de ensino insistem tanto em obter o referido termo de cessão?

A resposta é cristalina e simples: a sua imagem, a voz e a produção intelectual são constitucional e legalmente reconhecidos como bens imateriais, intocáveis, imperdíveis e irrenunciáveis; e, como tais, juridicamente protegidos.

A personalidade e a voz compõem o direito imaterial — adjetivo de dois gêneros e substantivo masculino, significando que ou o que não tem consistência material, não é da natureza da matéria, não tem existência palpável; impalpável — e a produção intelectual caracteriza-se como direito autoral.

A imagem e a voz são protegidas pela CF, Art. 5º:

“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”

e pelo Código Civil (CC), Arts. 20 e 21:

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

O direito autoral é protegido pela CF, Art. 5º, XXVII, e pela Lei N. 9.610/1998:

“Art. 5º

(…)

XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”

Lei N. 9.610/1998:

“Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro:

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III – as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII – os programas de computador;

XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual”.

2 Em que consistem direito moral e direito patrimonial do autor?

2.1 Direito moral é aquele que se vincula à personalidade do autor, em caráter perpétuo, inalienável e irrenunciável. Já o direito material é representado pelo uso econômico da obra do autor, podendo ser objeto de venda, de transferência e cessão a terceiros, com essa finalidade.

A Lei N. 9.610 — Lei dos direitos autorais — estabelece o rol dos direitos morais do autor, que, repita-se, são inalienáveis e irrenunciáveis:

“Art. 24. São direitos morais do autor:

I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III – o de conservar a obra inédita;

IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

(…)

Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis”

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), na mesma esteira de proteção, baixou a Súmula 403, que estipula:

“Súmula 403. Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.

O TST, por meio de sua 2ª Turma, no processo RR-796.38.2010.5.09.0010, julgado em 2017, tendo como relatora a ministra Delaíde Alves Miranda, ao analisar matéria de igual natureza, assim decidiu:

“PROCESSO Nº TST-RR-796-38.2010.5.09.0010

A C Ó R D Ã O 2.ª Turma GMDMA/RAS I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PROFESSOR. USO INDEVIDO DA IMAGEM. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS. UTILIZAÇÃO DE MATERIAL PRODUZIDO PELA RECLAMANTE – OBRAS LITERÁRIAS E AUDIOVISUAIS – APÓS O TÉRMINO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. Demonstrada possível violação dos arts. 27 e 28 da Lei 9.610/98 e 5.º, X da Constituição Federal, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II – RECURSO DE REVISTA 1 – NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL POR NEGATIVA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Tribunal Regional explicitou claramente os fundamentos que motivaram a manutenção da sentença, não havendo de se falar em nulidade por negativa da prestação jurisdicional. Incólumes os arts. 93, IX, da Constituição Federal, 832 da CLT e 458 do CPC/73. Recurso de revista não conhecido. 2 – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PROFESSOR. USO INDEVIDO DA IMAGEM. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS. UTILIZAÇÃO DE MATERIAL PRODUZIDO PELA RECLAMANTE – OBRAS LITERÁRIAS E AUDIOVISUAIS – APÓS O TÉRMINO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. Tem-se por evidenciada, no caso, a situação ensejadora de danos morais e materiais, na medida em que a utilização indevida da imagem da autora (transmissão de aulas televisivas) e a utilização de material intelectual por ela produzido (apostilas), após a extinção do contrato de trabalho, sem a devida autorização expressa, configura conduta da reclamada que viola o direito à imagem e aos direitos autorais, razão pela qual é devida a reparação civil correspondente. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido”.

Em seu judicioso voto, acolhido pelos demais componentes da 2ª Turma, a ministra relatora registra:

“A discussão dos autos cinge-se à configuração do dano moral e material em face da utilização após o término do contrato de trabalho, de material didático produzido pela reclamante (obras literárias e aulas televisivas). O quadro fático, pelo acima transcrito, demonstra que que a reclamada utilizou material didático intelectual produzido pela reclamante (obras literárias – apostilas), como também fez uso indevido da imagem da autora (aulas televisivas), mesmo após a extinção do contrato de trabalho em 2002 até o ano de 2008.

Consta do acórdão recorrido a transcrição da cláusula contratual que demonstra que a autorização da reclamante para atualizações, modificações ou alterações necessárias às obras, somente poderia se dar mediante a sua prévia aprovação e, em caso de recusa ou impedimento da mesma, a autorização ficou limitada apenas enquanto estivesse em vigor o contrato de trabalho. Eis o teor da cláusula contratual transcrita no acórdão regional: “CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA – A CONTRATADA / CEDENTE poderá fazer modificações ou alterações necessárias às obras, mediante a prévia aprovação da CONTRATANTE.| CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA – A CONTRATADA / CEDENTE, sempre que solicitado pela CONTRATANTE, fará alterações ou modificações nas obras. Em caso de recusa injustificada, ou ainda impedimento por parte do mesmo, inclusive por doença ou falecimento, a CONTRATANTE fica autorizada enquanto vigorar o presente contrato, a contratar pessoas especializadas para adaptar as obras às necessidades do mercado. § único – A CONTRATADA / CEDENTE desde já autoriza a CONTRATANTE a proceder modificações que impliquem na atualização de dados oficiais que se fizerem necessários, quando da publicação de novas edições”. (grifos nossos)

A Corte de origem adotou entendimento de que “a cessão dos direitos autorais e também o de transmissão da imagem foram feitos pela autora, sem qualquer limitação no tempo, já que o contrato não faz restrição alguma”. Contudo, o uso comercial da imagem não autorizado expressamente configura, in re ipsa, dano moral indenizável.

A Constituição Federal, em seu art. 5.º, inciso X, preceitua expressamente que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Por sua vez, encontra-se o direito de imagem tutelado especificamente no art. 20 do Código Civil, que preceitua que “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. O art. 20 supracitado prevê expressamente o cabimento de indenização na hipótese em que essa utilização se der em detrimento da honra, boa fama ou da respeitabilidade do ofendido, ou quando se destinar a fins comerciais.

Nessa última hipótese, não se exige nenhuma outra condição; basta à finalidade precípua da norma que a imagem seja utilizada comercialmente sem autorização. Ainda mais quando tal circunstância se verifica sob o poder diretivo do empregador, onde há uma diminuição da capacidade de resistência por parte do empregado. E, ainda, acerca do dano decorrente de uso indevido da imagem do empregado, o entendimento já sedimentado neste Tribunal é que o fato gerador do ato ilícito está ligado à utilização da imagem do empregado, sem a devida autorização expressa, situação verificada nestes autos, em que a reclamada utilizou de sua imagem (aulas televisivas), mesmo após a extinção do contrato de trabalho. Quanto à utilização de material didático intelectual produzido pela reclamante (obras literárias – apostilas), após a extinção contratual, sem a sua anuência expressa, peço vênia para adotar os fundamentos do voto proferido pelo Ministro Vieira de Mello Filho, no processo RR-270900-94.2007.5.09.0004, da 7.ª Turma, publicado no DEJT 13/12/2013, em que figura a mesma reclamada como parte: A discussão que se trava nos presentes autos tem vinculação estreita com a modalidade do ensino a distância com reflexões importantes a respeito da necessidade de avaliações acerca de alguns paradigmas que norteiam nossas compreensões relativas às relações que redundam do sistema, em especial no que se refere ao vínculo que se estabelece com os professores-autores de obras literárias e televisivas. No modal do ensino a distância, há cursos ministrados com metodologia de aulas semi-presenciais, em que o trabalho é realizado através de vídeo-aulas. Os programas referidos são comercializados e veiculados por meio audiovisual, transmitidos através de radiodifusão. Em grande parte das situações os literatos apenas auferem a remuneração relativa à confecção dos materiais didáticos, ressaltando que tais valores remuneraram apenas o trabalho realizado e não os direitos autorais. Além da proteção legislativa em relação aos direitos patrimoniais do uso da obra audiovisual intelectual, há, ainda, a mesma proteção em relação ao uso da imagem propriamente dita. Disto tem-se que a licença do uso da imagem, ainda que agregada a um contrato de trabalho, há que ser firmada com previsão da respectiva remuneração, sob pena de locupletamento ilícito do empregador.

Para Carlos Alberto Bittar os objetos do direito autoral são: As obras intelectuais estéticas, ou seja, criações do espírito exteriorizadas por formas encartáveis nos domínios citados. São escritos, poemas, pinturas, esculturas, gravuras, músicas, desenhos e outras criações que, exemplificativamente se encontram relacionadas nas convenções e em leis internas. Isso significa que, mesmo à ausência de previsão, desde que, pela natureza, seja a obra dotada de esteticidade, assegurada fica a sua compreensão no contexto do direito do autor, como pacificamente se entende. Não importam, para a proteção, a origem, o destino e o uso efetivo da obra, que se qualifica, pois, por sua condição intrínseca. (BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 3. ed., Rio de Janeiro. Editora Forense Universitária. 2000, p. 42) .

Assim, o objeto do direito autoral são as obras intelectuais dotadas de caráter próprio e de autenticidade. Em que pese parte da doutrina sustentar que o direito autoral não pode ser considerado propriedade, ao argumento de que este direito possui um modo de aquisição diferente da propriedade em si, ou de que a proteção da propriedade e do direito autoral não tem nenhuma identidade, tem-se que correto seria considerar-se o direito autoral, também, como uma propriedade. Bittar, conforme acima citado, define os direitos patrimoniais do autor como aqueles referentes à utilização econômica da obra, por todos os processos técnicos possíveis e que consistem em um conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário que, nascidas também com a criação da obra, manifestam-se, em concreto, com a sua comunicação ao público.

A legislação pátria ínsita (Lei n° 9.610/98), e no mesmo sentido discorria a já revogada Lei n° 5.988/73, prescreve em seu art. 28 que “cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”. Portanto, ao menos para o sistema legal brasileiro o direito autoral possui caráter significativamente patrimonial.

De fato, as partes firmaram contrato de cessão de direitos autorais, cujo objeto foi a transferência dos direitos autorais sobre o material didático que a autora produziu, em razão do seu relacionamento profissional. Pela leitura das cláusulas contratuais, infere-se que enquanto se mantivesse o relacionamento profissional existente entre as partes à ré era autorizada à reprodução e distribuição da obra elaborada pela reclamante, mantida, assim, na espécie, a harmonia com o Direito do Trabalho, em que o vínculo empregatício torna presumível a propriedade intelectual da empresa pelo trabalho confeccionado pelo empregado.

Portanto, enquanto o contrato de trabalho se manteve em vigor, a transferência dos direitos autorais da reclamante em favor da ré não possuía restrição, podendo a empresa fazer uso da obra da reclamante em quantas oportunidades quisesse. Todavia, no instante em que esse relacionamento sofre solução de continuidade em razão de resilição do contrato de trabalho, como no caso em apreço, a situação entre as partes contratantes se altera, eis que o relacionamento profissional entre empregado e empregador, na qual se lastreava as disposições acerca da cessão de direitos, não mais perdura. Desse instante em diante não é crível que, a despeito do previsto nas cláusulas do contrato em questão, permanecesse a empresa-demandada reproduzindo as obras da autora indefinidamente e, tampouco sem despender participações à autora para tais reproduções. Da mesma forma, despropositada a indicação de que a cessão dos direitos se dera de forma total e definitiva. Impende ressaltar que todas condições anteriormente dispostas no contrato de cessão de direitos autorais, em razão da alteração do contexto do vínculo entre as partes, passam a deter nova configuração diante da recente situação jurídica surgida pelo desenlace do contrato de trabalho. Ora, a cessão vinculava-se à existência e a continuidade do contrato de trabalho, eis que inerente à necessidade da atualização e revisão do conteúdo de material didático, sendo, portanto, necessária a anuência expressa da autora para continuar a reprodução parcial ou integral do material didático após a extinção do contrato de trabalho.

Assim, a conclusão inscrita na decisão recorrida encerra desatenção para com os termos dos arts. 27 e 28 da Lei 9.610/98 e ao princípio da proporcionalidade. Da mesma forma, tem-se que a elaboração de material didático por parte do professor, mesmo que atividade decorrente do contrato de trabalho, inclui-se dentre os direitos personalíssimos, que estão previstos no art. 5°, inc. XXVII, da Constituição da República, bem como no art. 11, do Código Civil, o que implica na irrenunciabilidade dos direitos morais sobre a obra intelectual criada pelo autor, bem como na inalienabilidade do direito de reivindicar sua paternidade, nos termos da Lei nº 9.610/98, havendo que ser considerada inválida qualquer cláusula contratual que estabeleça em sentido contrário. Emblemática a recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, apreciando a ação ajuizada pelo saudoso Millôr Fernandes, publicado em 12 de setembro de 2013, assim ementada: Ementa – Civil – Direito Autoral – Violação – Ocorrência – Artista que cedeu direitos para a publicação de suas “obras” em edições físicas específicas de revista e por prazo determinado no correspondente sítio eletrônico – Ausência de autorização para a veiculação do material em acervo digital distinto criado posteriormente – Cláusulas dos contratos celebrados entre as partes que eram unívocas ao determinar que a cessão para uso das obras era parcial, temporária e para destinação certa, voltando, logo depois os direitos a integrar o patrimônio do Autor – Indenização devida – Obra individual e não coletiva, por se tratar de criação artístico-literária e assinada pelo autor, artista de renome – Sentença reformada Acolhido o agravo retido do Réu Banco Bradesco S/A, para excluí-lo do processo, e acolhida parcialmente a apelação do Espólio do Autor.” (Processo TJ-SP Apelação nº 0214684-25.2009.8.26.0100, Acórdão registrado sob nº 20130000549178, Rel. Des. Luiz Antonio Costa, DJe nº 1.496 de 12/9/2013).

Na referida decisão, consagrou o Tribunal de Justiça paulista os efeitos das situações posteriores ao fim do contrato original de cessão para uso das obras, pontuando, expressamente, a sazonalidade da utilização das obras pelo período e no contexto do contrato e a posterior reintegração daquelas ao patrimônio do autor. Válida a citação de precedentes dos Tribunais Regionais:

DIREITOS DA AUTORA – Os direitos do autor consistem em um tipo específico de direitos intelectuais, os quais são referidos pelo artigo 5º, XXVII e XXVIII da carta constitucional de 1988, regendo-se também pela antiga Lei nº 5988/73 e, hoje, pela nova lei de direitos autorais (Lei nº 9610/98). Relacionam-se à autoria ou utilização de obra decorrente da produção mental da pessoa. Restando comprovado nos autos que a empregadora utilizava-se de apostila elaborada pelo empregado, sem que lhe fosse repassada qualquer vantagem a título de retribuição pelo trabalho intelectual desenvolvido, o deferimento de indenização por direitos autorais é medida imperativa (Processo TRT-3ªR. 01807-2002-104-03-00-7 RO, Rel. Juiz Maurício José Godinho Delgado, DJMG de 11/7/2003)

DIREITOS PERSONALÍSSIMOS. ART. 5º, INC. XXVII, DA C.F. e ART. 11, do NOVO C.C.B. A elaboração de apostilas por parte do professor, mesmo que atividade decorrente do contrato de trabalho, inclui-se dentre os direitos personalíssimos, que estão previstos no art. 5º, inc. XXVII, da Constituição Federal, bem como no artigo 11, do Novo Código Civil Brasileiro, o que implica na irrenunciabilidade dos direitos morais sobre a obra intelectual criada pelo autor, bem como na inalienabilidade do direito de reivindicar sua paternidade, nos termos da Lei 5.988/73 (Lei Nova 9610/98), havendo que ser considerada inválida qualquer cláusula contratual que estabeleça em sentido contrário (TRT-PR-23263-2001-011-09-00-0-ACO-12462/04, Rel. Juíza Ana Carolina Zaina, DJPR de 25/6/2004).

Segundo o professor Willis Santiago Guerra Filho, em seu artigo intitulado “O princípio da proporcionalidade em direito constitucional e em direito privado no Brasil”, publicado no site Mundo Jurídico, inserção em 10-5-03, o princípio da proporcionalidade tem “(…) o intuito de preservar a dignidade humana, evitando a instrumentalização de um sujeito por outro, valendo-se da inexperiência ou premência do primeiro para realizar com ele um negócio que ele próprio jamais aceitaria para si”. A regra inserta no art. 157 do atual Código Civil também fornece elementos para a solução da controvérsia, dado que constitui concreção do princípio da proporcionalidade em nível infraconstitucional. (grifos nossos).

No mesmo sentido, citam-se os julgados desta Corte: RECURSO DE REVISTA – INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – DIREITOS AUTORAIS – AULAS TELEVISIVAS – CESSÃO DE DIREITOS DE USO DE IMAGEM – DIVULGAÇÃO DE OBRA INTELECTUAL – UTILIZAÇÃO DE MATERIAL APÓS ROMPIMENTO CONTRATUAL. A utilização de material didático pela empresa sem a correspondente autorização pela empregada, reproduzindo-o e distribuindo-o após a extinção do contrato de trabalho, gera para a autora o direito à indenização. Na espécie se ressalta que o contrato de cessão de direitos autorais vinculava-se ao relacionamento profissional – empregada e empregadora -, permitindo a transferência total dos direitos da divulgação das apostilas e vídeo-aulas da reclamante em favor da ré. De sorte que com a extinção do contrato de trabalho exsurgiu novo enquadramento jurídico donde a continuidade da reprodução parcial ou integral do material didático enseja a necessidade de prévia e expressa autorização por parte da autora da obra intelectual (art. 29, inciso I, da Lei nº 9.610/98). Recurso de revista conhecido e provido. (TST- RR – 270900-94.2007.5.09.0004, 7.ª Turma, Rel. Min. Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 13/12/2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. USO DA IMAGEM DO RECLAMANTE PARA FINS COMERCIAIS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO 1. O e. TRT consignou que -A mera divulgação da fotografia reproduzida, a folhas 22 – em ‘outdoors’ instalados nas dependências da empresa, no período de 2 a 5.11.2003, para o fim de recepcionar participantes de congresso promovido por organismo internacional (…) não configura ‘prejuízo ao conceito, valoração e juízo genéricos’ que o recorrente tem ou poderia ter na comunidade-. Entendeu o julgador que ‘O próprio autor reconheceu, na petição inicial, que as pessoas que o abordaram, quando encontrava exercendo seu labor, solicitaram sua permissão para fotografá-lo, não sendo crível a dita falta de informe objetivo acerca da solicitação. Ainda que não tenha sido providenciada autorização escrita e formal para a divulgação da foto, certo é que a anuência tácita ressalta dos fatos narrados pelo recorrente e da própria imagem altaneira obtida pelo fotógrafo, incapaz de atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade do retratado no contexto no qual foi inserida’. 2. A aparente violação do art. 5º, X, da Lei Maior enseja o provimento do agravo de instrumento, nos termos do artigo 3º da Resolução Administrativa nº 928/2003. Agravo de instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. USO INDEVIDO DA IMAGEM. 1. O e. TRT consignou que -A mera divulgação da fotografia reproduzida, a folhas 22 – em ‘outdoors’ instalados nas dependências da empresa, no período de 2 a 5.11.2003, para o fim de recepcionar participantes de congresso promovido por organismo internacional (…) não configura ‘prejuízo ao conceito, valoração e juízo genéricos’ que o recorrente tem ou poderia ter na comunidade. Registrou ainda que ‘O autor foi fotografado em seu ambiente de trabalho, não se extraindo do texto (…) ou dos logotipos (…) qualquer desprestígio ao demandante’. 2. A questão discutida nos autos diz com o teor do artigo 5º, X, da Lei Maior, que dispõe sobre a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e respectivo direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, bem como o artigo 20 do CCB, segundo o qual ‘Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais’. A teor de tal dispositivo, a divulgação não consentida da imagem do trabalhador enseja a indenização correspondente quando utilizada para fins de denegrir sua imagem ou se destinar para fins comerciais. 3. No caso, não se discorda do TRT que entendeu que a divulgação da foto do reclamante não lhe denegriu a imagem, mas discorda-se do entendimento no sentido de que a sua divulgação não teria sido usada para fins comerciais. Isso porque, segundo quadro fático descrito no acórdão, a imagem do reclamante foi utilizada sim para fins comerciais, sem sua autorização, consistente na divulgação de um seminário, o que gera direito a indenização correspondente, caracterizando-se a última hipótese de dano prevista no art. 20 do CCB ‘…ou se se destinarem a fins comerciais’. 4. Conclui-se, portanto, que transborda ao poder diretivo do empregador a utilização da imagem do empregado, sem a sua autorização, sobretudo quando constatada a finalidade comercial, ainda que, aparentemente, não se verifique a conotação negativa dessa divulgação. 4. Verificada, na espécie, a violação do artigo 5º, X, da Carta Magna. Recurso de revista conhecido e provido. (TST- RR – 140200-08.2007.5.01.0342, 1.ª Turma, Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 29.11.2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM (DIVULGAÇÃO DO NOME DA AUTORA NO SÍTIO DE INTERNET DA FACULDADE, EM ÉPOCA QUE NÃO PERTENCIA MAIS AO QUADRO DE DOCENTE DA FACULDADE E SEM SUA AUTORIZAÇÃO). A reclamante demonstrou no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do artigo 896, -a-, da CLT, na medida em que o aresto da 15ª Região (fl. 73) demonstra entendimento diverso do Tribunal a quo, considerando a mesma situação fática, qual seja, divulgação indevida do nome do professor no sítio de internet da faculdade. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM (DIVULGAÇÃO DO NOME DA AUTORA NO SÍTIO DE INTERNET DA FACULDADE, EM ÉPOCA QUE NÃO PERTENCIA MAIS AO QUADRO DE DOCENTE DA FACULDADE E SEM SUA AUTORIZAÇÃO). A teor da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, órgão que detinha a competência para julgar a matéria anteriormente, aquele que usa a imagem de terceiro sem autorização, com intuito de auferir lucros ou obter qualquer vantagem, está sujeito à reparação, bastando ao autor provar tão somente o nexo causal entre a conduta do causador do dano e a violação do direito à sua imagem, sendo desnecessária a demonstração de prejuízo. No caso, a reclamada expôs o nome e a titulação da reclamante no seu sítio de internet, mesmo após cessada a relação de emprego entre as partes, com favorecimento da imagem da instituição perante o público interessado no curso, cujas disciplinas indicavam a autora como docente, havendo evidente ofensa ao direito de imagem, estando caracterizado o dano com o consequente dever de reparação. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 102340-79.2008.5.04.0333, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, Data de Julgamento: 15/06/2011, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/06/2011).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DENÚNCIA DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 20 DO CÓDIGO CIVIL. O Agravo de instrumento merece ser provido para melhor exame da denúncia de violação do artigo 20 do Código Civil. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM (DIVULGAÇÃO DO NOME DE PROFESSORA SEM SUA ANUÊNCIA NO SÍTIO DE INTERNET DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO, EM PERÍODO EM QUE A AUTORA NÃO PERTENCIA MAIS AO QUADRO DE DOCENTES). Para que haja direito à indenização pelo uso da imagem, mostra-se desnecessária a demonstração da ocorrência de danos bastando a falta de autorização. Com efeito, aquele que usa a imagem de terceiro, sem sua autorização, está sujeito à reparação, bastando à vítima provar tão somente o nexo causal entre a conduta indevida e a violação do direito à sua imagem, sendo desnecessária a demonstração de prejuízo. É sabido que as instituições de ensino superior necessitam de profissionais renomados, com considerável titulação para garantir sua credibilidade e respeitabilidade no mercado e para manterem o credenciamento junto ao Ministério da Educação. Por esse fundamento, se o nome da empregada foi mantido sem a sua anuência, foi sem dúvida no interesse exclusivo do empregador para fazer propaganda utilizando imagem alheia. Logo, a professora faz jus à indenização pelo uso da imagem, devendo a instituição arcar com o consequente dever de reparação. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 20 do Código Civil e provido. (RR – 892-42.2010.5.15.0089, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 10/04/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/04/2013).

Assim, tem-se por evidenciada, no caso, a situação ensejadora de danos morais e materiais, na medida em que a utilização indevida da imagem da autora (transmissão de aulas televisivas) e a utilização de material intelectual (apostilas) produzido pela reclamante, após a extinção do contrato de trabalho, sem a devida autorização expressa, configura conduta da reclamada que viola o direito à imagem e aos direitos autorais, razão pela qual é devida a reparação civil correspondente, nos termos dos arts. 5.º, X, da Constituição Federal. Na hipótese, em que foi mantido o indeferimento da indenização por danos morais e materiais decorrentes do uso indevido da imagem e pela violação aos direitos autorais, vislumbro possível ofensa aos arts. 27 e 28 da Lei 9.610/98 e 5.º, X, da Constituição Federal. Assim, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Conforme previsão dos arts. 897, § 7.º, da CLT, 3.º, § 2.º, da Resolução Administrativa 928/2003 do TST e 229, § 1.º, do RITST, proceder-se-á de imediato à análise do recurso de revista na primeira sessão ordinária subsequente.

(…)

1.2 – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. USO INDEVIDO DA IMAGEM. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL – OBRAS LITERÁRIAS E AUDIOVISUAIS – APÓS O TÉRMINO DA RELAÇÃO DE EMPREGO Consoante os fundamentos lançados quando do exame do agravo de instrumento e aqui reiterados, CONHEÇO do recurso de revista por violação dos arts. 27 e 28 da Lei 9.610/98 e 5.º, X, da Constituição Federal. 2 – MÉRITO 2.1 – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. USO INDEVIDO DA IMAGEM. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL – OBRAS LITERÁRIAS E AUDIOVISUAIS – APÓS O TÉRMINO DA RELAÇÃO DE EMPREGO Como consequência lógica do conhecimento do recurso de revista por violação dos arts. 27 e 28 da Lei 9.610/98 e 5.º, X, da Constituição Federal, DOU-LHE PROVIMENTO para reconhecer os danos morais e materiais e fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e a indenização por danos materiais no valor correspondente a 10% (dez por cento), do valor obtido com o uso continuado da apostila de autoria da reclamante e das vídeo-aulas por ela gravadas (reprodução e distribuição), conforme pedido na Inicial, a partir da dispensa da reclamante (31/12/2002) até o ano de 2008, conforme se apurar em liquidação de sentença. Ante o registro contido no acórdão recorrido de que as obras da autora deixaram de ser utilizadas em 2008, não há de se falar em determinação de suspensão da divulgação, exibição ou de qualquer forma utilizada das obras literárias e audiovisuais de propriedade da reclamante. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, I) por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, por possível violação dos arts. 27 e 28 da Lei 9.610/98 e 5.º, X, da Constituição Federal, para determinar o processamento do recurso de revista respectivo, a fim de que seja submetido a julgamento na primeira sessão ordinária subsequente; II) por unanimidade, conhecer do recurso de revista quanto ao tema “Indenização por Danos Morais e Materiais. Uso Indevido da Imagem. Violação dos Direitos Autorais”, por violação dos arts. 27 e 28 da Lei 9.610/98 e 5.º, X, da Constituição Federal, e, no mérito, dar-lhe provimento para reconhecer os danos morais e materiais e fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e a indenização por danos materiais no valor correspondente a 10% (dez por cento), do valor obtido com o uso continuado da apostila de autoria da reclamante e das vídeo-aulas por ela gravadas (reprodução e distribuição), conforme pedido na Inicial, a partir da dispensa da reclamante (31/12/2002) até o ano de 2008, de acordo com a fundamentação e conforme se apurar em liquidação de sentença. Custas inalteradas. Brasília, 28 de junho de 2017. Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) DELAÍDE MIRANDA ARANTES Ministra Relatora”.

2.2 Os direitos patrimoniais são igualmente regulamentados pela Lei N. 9.610/1998, sendo que sua transferência ou cessão somente se materializa mediante contrato escrito, que se presume sempre onerosa — adjetivo que significa que impõe, envolve ou está sujeito a ônus, encargo, obrigação; que ocasiona despesas, gastos; dispendioso:

“Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.

(…)

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como…:

(…)

Art. 33. Ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor.

(…)

Art. 34. As cartas missivas, cuja publicação está condicionada à permissão do autor, poderão ser juntadas como documento de prova em processos administrativos e judiciais.

(…)

Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.

Parágrafo único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que alude o caput deste artigo”.

3 Os direitos morais e patrimoniais dos professores podem ser transferidos aos estabelecimentos de ensino?

Nos termos do Art. 49 da Lei N. 9.610/1998 — Lei dos Direitos Autorais —, podem, sim:

“Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:

I – a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;

II – somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;

III – na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;

IV – a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário;

V – a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;

VI – não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato”.

4 Quais são os modos de transferência desses direitos?

O Art. 49 da Lei dos Direitos Autorais, acima transcrito, no seu caput, lista três diferentes modos de transferência — o licenciamento, a concessão e a cessão —, sempre mediante contrato escrito, deixando em aberto a possibilidade de existência de outros, com a ressalva de que, em nenhuma hipótese, os direitos morais sejam objeto de transferência em definitivo, de renúncia e alienação.

Segundo os dicionários de Língua Portuguesa, os substantivos licenciamento, concessão e cessão possuem, dentre outros, os seguintes significados:

I. licenciamento: ato de licenciar algo ou alguma coisa; prover licença; autorização para;

II. concessão: consentimento, permissão, transigência; ato ou efeito de ceder algo de sua opinião ou direito a outrem;

III. cessão: ação ou efeito de ceder, de oferecer algo a alguém; cedência; transferência de bens ou de direito; ação de renunciar ou de desistir; ato de emprestar, de ceder por um tempo, ou em definitivo.

5 A transferência de direitos pode se dar por meio tácito (não formalmente expresso)?

Não! O Art. 50 da Lei dos Direitos Autorais, de forma mandatória, diz que ela se fará sempre por escrito e em caráter oneroso (com ônus, encargos e obrigações para as duas partes):

“Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa”.

6 Se os estabelecimentos de ensino, sem exceção, utilizam-se da imagem, da voz e da produção intelectual de seus professores com fins econômicos e financeiros, reveste-se de legalidade a imposição de que a autorização para tanto se dê sem ônus?

Não e por múltiplas razões, a começar pela determinação do Art. 50 da Lei Autoral, transcrito na questão anterior, que a presume onerosa.

Nos termos do que determinam os Arts. 421 e 422 do CC, respectivamente, a liberdade de contratar tem como objetivo e limite a função social do contrato, e as partes contratantes, na celebração e na execução do contrato, são obrigadas a guardar os princípios da probidade e da boa-fé, o que, a toda evidência, não empresta validade jurídica alguma à exigência de que a transferência de direitos de direitos de professores se opere sem ônus.

“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Ademais, o Art. 884, também do CC, proíbe o enriquecimento sem causa:

“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.

7 Em conformidade com o Art. 320 da CLT, a remuneração de professores contratados por hora, o que é predominante em todos os estabelecimentos de ensino, quer básico, quer superior, é calculada tomando-se por base a carga horária semanal:

“Art. 320 – A remuneração dos professores será fixada pelo número de aulas semanais, na conformidade dos horários”.

Considerando-se que essa regra tem por fundamento o trabalho presencial, a sua aplicação em tempo de trabalho remoto, com prevalência de aulas gravadas, que são repetidas para diversas turmas e semestres, abrangendo centenas de alunos, às vezes milhares, é justa, legal e observadora da função social do contrato?

A resposta, em uma palavra, só pode ser um sonoro e redondo não. A redação do Art. 320 da CLT é de 1943, quando nem mesmo visões futuristas seriam capazes de antever o que acontece no contexto de agora.

Aliás, essa modalidade de contratação há muito encontra-se superada, passando a representar fundamento para colossal e crescente injustiça aos professores, que são vítimas cotidianas de brutais reduções de sua carga horária e, em consequência, de seus salários, por ato unilateral dos estabelecimentos de ensino, que se escudam na Orientação Jurisprudencial (OJ) 244 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), à qual se tem dado a interpretação que convém àqueles.

Injustiça que se transforma em descomunal quando se adota o superado critério para se remunerar aulas gravadas. Isso porque a aula presencial, uma vez ministrada, tem por exauridos o seu objetivo e o seu alcance, o que não acontece com as que são gravadas, via de regra repetidas em tempos distintos, turmas distintas, com incontáveis números de alunos.

Com isso, pode ocorrer, e não raro tem ocorrido, de o estabelecimento de ensino remunerar o professor por uma única aula e reproduzi-la por semestres a fio, para centenas de turmas e milhares de alunos.

Faz-se necessário registrar que, ao passo que o professor, nesse caso, recebeu por apenas uma aula, o estabelecimento de ensino, ao reverso, recebeu-a de todas as turmas e de todos os alunos, o que, indiscutivelmente, a um só tempo, faz tábula rasa da função social do contrato, dos princípios da probidade e da boa-fé e da proibição de enriquecimento sem causa.

Diz o Art. 3º da CLT que o contrato de trabalho é bilateral (duas partes, empregador e empregado), oneroso (obrigações para empregador e empregado) e comutativo (com prestações recíprocas e equivalentes).

No caso concreto, há de se perguntar como aferir a reciprocidade e a equivalência das obrigações? Isso, pelas razões já elencadas, mostra-se absolutamente impossível.

O CC, em seus Arts. 317, 478 e 479, dispõe:

“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

(…)

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

No caso concreto, a desproporção do contrato, com excessiva onerosidade do professor e extrema vantagem do estabelecimento de ensino, já se patenteia no ato da celebração do contrato; o que o torna nulo de pleno direito.

8 Ante essas incontestáveis razões, como devem ser remuneradas as aulas gravadas e reproduzidas, que envolvem imagem, voz e produção intelectual, bem assim os atendimentos remotos?

O cálculo da remuneração dessas atividades não pode ter como parâmetro o valor de uma aula, por turma, que recebe a aula gravada e/ou o atendimento remoto, sob pena de beneficiar sobremaneira o estabelecimento de ensino.

Isso porque as turmas remotas não guardam a mesma proporção das presenciais quanto ao número de alunos por unidade. Enquanto essas variam de 40 a cem alunos cada, aquelas chegam a centenas, já se falando atualmente em aulas nacionais, que podem reunir milhares de alunos em uma mesma turma.

Assim, se o cálculo da remuneração tiver como parâmetro a turma para a qual a aula é reproduzida, ou que recebe o atendimento remoto ao vivo, haverá extrema vantagem para o estabelecimento de ensino e excessiva onerosidade para o professor, parafraseando o Art. 478 do CC.

Considerando que o estabelecimento de ensino recebe por aluno e não por turma, a remuneração de cada aula reproduzida e a do atendimento remoto, igualmente, deve ter como parâmetro o total de alunos que delas se beneficiam, não podendo, em nenhuma hipótese, ser inferior ao valor do salário aula contratado.

Desse modo, se a turma presencial conta com 80 alunos, que é a média nacional, embora já em desacordo com o que estabelece o Art. 25, Parágrafo único, da Lei N. 9.394/1996 (LDB) — que estabelece como objetivo permanente das autoridades educacionais o alcance da relação adequada entre o número de alunos por sala e o professor —, e o salário é de R$ 80, o valor da remuneração, por aluno/aula, é de R$ 1. Segue-se daí que a remuneração para aulas gravadas e o atendimento remoto deva ser calculada com base nessa proporção.

Assim, se a turma conta com cem alunos, tomando-se esse valor hipotético, o valor da aula será de R$ 100, e assim sucessivamente.

Frise-se que, para se observar, com o mínimo de rigor, a função social do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé, o equilíbrio do contrato, mantendo-se a proporcionalidade e a equivalência, esse é o único parâmetro razoável. Qualquer outro, com menor alcance, importará desequilíbrio contratual, com extra vantagem para o estabelecimento de ensino e, por conseguinte, enriquecimento sem causa.

Ao debate e à ação!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee
OAB-GO 14090

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