“Fórum Social é expressão do trabalho e da solidariedade contra o parasitismo da especulação”, afirma João Felício

Secretário de Relações Internacionais da CUT destaca protagonismo do Estado para fomentar desenvolvimento sustentável

Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, o secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Antonio Felício, destaca o papel do Fórum Social Mundial como “expressão do trabalho e da solidariedade contra o parasitismo da especulação” e reforça importância da unidade do movimento sindical e social para “defender o Estado como indutor do desenvolvimento, para a geração de emprego e distribuição de renda”. Presente em Porto Alegre para participar do Fórum Social Temático, o professor João Felício acredita que a crise dos países capitalistas centrais abre uma excelente oportunidade para o Brasil crescer de forma independente, com base na pujança do seu mercado interno, fortalecendo o poder de compra dos salários, ampliando direitos e conquistas. “Privatização, terceirização e precarização são receitas de um passado neoliberal que nada tem a nos oferecer”, acrescentou.

Qual o papel do Fórum Social Mundial na atual conjuntura?

O Fórum Social é o único espaço existente que congrega milhares de movimentos sociais do planeta, que se reúnem para discutir a construção de um mundo melhor, questionando a absurda acumulação de riqueza, a diminuição do Estado, as guerras e os crescentes gastos com a indústria armamentista feitos pelas grandes potências para agredir a soberania dos países e povos. Esses movimentos representam a afirmação da esperança da Humanidade, ao afirmarem a necessidade da consolidação da democracia com forte participação popular, de um novo mundo, de justiça e paz. A CUT tem orgulho de fazer parte da história do Fórum Social, sendo a única central sindical brasileira que integra o seu Comitê Mundial.

A grande mídia tenta transformar a crise dos países capitalistas centrais em “crise internacional”, procurando camuflar sua origem e nublar sua resolução. Qual a sua opinião?

Vivemos um momento de crise do capitalismo, com a contradição mais aguda e evidente concentrada no setor financeiro, que agora tenta fazer com que o conjunto da sociedade pague pelos seus desserviços. Aí entra o papel dos grandes conglomerados de comunicação, que tentam justificar o injustificável, manipulando informações a fim de cooptar ou neutralizar movimentos que se contrapõem a tais desmandos. O neoliberalismo chegou a uma fase completamente rentista em que sobrevive do sofrimento imposto pela especulação e pelo parasitismo, da eliminação de postos de trabalho e da falta de controle do sistema financeiro por parte dos governos. Esta lógica está cobrando seu preço. São centenas de milhões de desempregados e famintos. O fato é que os governos europeus e o americano usaram seus estados para socorrer bancos falidos e agora, para pagar a conta, seus estados estão tendo que cortar investimentos públicos e arrochar salários, reduzir direitos e benefícios previdenciários, algo completamente irracional e inadmissível. Temos de fortalecer o nosso mercado interno para não importar essa crise que não é nossa, mas que os países capitalistas centrais querem jogar sobre as nossas costas.

Submissos à ditadura do capital financeiro, estes governos viram seus cúmplices. É uma postura completamente submissa, que necessita semear a apatia e a alienação. O que fazer?

Nossa atuação afirma uma posição contrária a esta visão de mundo, destaca a importância da participação política, da consciência social, do protagonismo cada vez maior da sociedade organizada. Saudamos as lutas de resistência na Grécia, na Espanha, assim como em toda a Europa e dentro dos próprios Estados Unidos, onde cada vez mais se condena a desproporcional acumulação de riqueza, o parasitismo do sistema financeiro, expresso na remuneração de executivos que representam uma verdadeira humilhação para os milhões de pobres de seus próprios países. Mesmo com a Europa indo à bancarrota, temos alguns executivos ganhando milhões de euros mensais, dinheiro que é tirado do povo, que é sangrado dos Estados, para enriquecer alguns.

Em nosso país temos o confronto entre estas duas visões de mundo bem presente…

No Brasil, há um discurso por parte da imprensa aliada dos tucanos contra o papel do Estado, que é sempre um ponto de questionamento às ações dos governos Lula e Dilma. Querem a privatização da Petrobrás, do Banco do Brasil e de todo e qualquer patrimônio que represente autonomia e soberania do povo brasileiro para caminhar de forma independente. Quando fazem campanha contra a carga tributária, não questionam a parcela do Orçamento esterilizada no pagamento dos títulos aos banqueiros e especuladores, mas os recursos que garantem os serviços públicos para o conjunto da sociedade e, em especial, para a população mais carente. No Paraguai, por exemplo, o sojeiro paga um dos menores impostos do mundo, apenas 1%, e como resultado o país não consegue atender dignamente a sua população. País sem carga tributária não tem como servir a seu povo. É evidente que isso seria um enorme retrocesso em favor dos interesses privados, de meia dúzia que teria condições de pagar pelos serviços privatizados. Nós lutamos pelo protagonismo do Estado, por um Estado indutor do desenvolvimento, que fomente a geração de empregos, que valorize os serviços e os salários dos servidores, para que tenhamos educação pública e saúde de qualidade, para que tenhamos justiça social.

A CUT e as demais centrais têm realizado vários protestos contra os juros altos. O que dizer da montanha de recursos do Orçamento federal que continua sendo drenada à agiotagem?

Temos expressado uma posição firme contra os juros altos, sublinhando a necessidade de que os recursos esterilizados com a especulação sejam utilizados na ampliação considerável dos investimentos. Queremos mais recursos para o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal ampliarem os financiamentos para a construção de casas próprias, enfrentando o déficit de mais de nove milhões de moradias; queremos que o BNDES fortaleça a capacidade de geração de emprego e renda, fomentando as indústrias nacionais. Além disso, o Brasil precisa controlar urgentemente a entrada de importados, como os têxteis, que multiplicam as falências e agravam o problema do desemprego. Não estou propondo o fechamento do país, mas uma efetiva proteção da indústria nacional, do salário e do emprego dos brasileiros.

Fortalecer o mercado interno é o caminho.

O investimento no mercado interno é a melhor receita contra as ameaças de crise. Tanto a China, como a Índia e a Argentina cresceram bastante em 2011, todos na marca dos 8% ou acima dela, por fomentarem o seu desenvolvimento, o aumento do poder de compra. Enquanto isso, vimos o papel indecente das ex-grandes potências europeias e do próprio EUA querendo suprir a sua decadência com base na agressão a povos soberanos, como foi a invasão a Líbia, e agora as ameaças de boicote econômico contra o Irã. Querem compensar as suas perdas internas com o assalto às riquezas naturais dos demais países e povos. Nós somos radicalmente contra estas práticas criminosas, somos pela auto-determinação dos povos. Achei repugnante as palavras de David Cameron, que acusou recentemente a Argentina de colonialista. Logo quem, a velha Inglaterra, imperialista e colonialista durante séculos, acusar a Argentina por querer de volta as Ilhas Malvinas, que são argentinas. É muita cara de pau. Perderam completamente a compostura.

Contra a desunião, união. Contra a desintegração…

A integração é o caminho. Vamos fazer uma rápida análise histórica. Por que se constituiu a União Europeia? Porque havia a necessidade de um projeto de desenvolvimento regional integrado. Isso ficou claro no pós-guerra: a necessidade de um mínimo de unidade para enfrentar o desproporcional poder americano e seguir em frente. Para nós, cada vez mais a unidade da América Latina é fundamental. Afinal, de nada adianta Brasil e Argentina negociarem em separado com a União Europeia, com os EUA ou a Ásia. Precisamos da força da unidade, da conformação do nosso bloco. Também não queremos um Brasil rico com um Paraguai pobre, uma Argentina rica com uma Bolívia pobre. As experiências de desenvolvimento apontam para a necessidade da distribuição de renda, importante compromisso dos atuais governos democráticos e populares do Continente.

Integração para valer.

O processo de integração não pode ser meramente comercial, ele precisa ser social, fortalecido com a participação popular. Estamos vivendo a melhor fase da história da América Latina, onde nunca tivemos tantos governos comprometidos com seu povo. A direita está mal das pernas no Continente, seja no Chile onde Piñera está afundando rapidamente, ou na Colômbia, onde o governo sobrevive enfrentando grande insatisfação popular contra a militarização e os desmandos. A Colômbia continua sendo o país do mundo que mais assassina sindicalistas.

O governo brasileiro determinou recentemente que para um consórcio disputar a privatização dos aeroportos precisaria ser integrado por empresa estrangeira. Logo depois veio o BNDES anunciando que iria financiar até 80% do negócio. Qual a sua avaliação?

Discordamos frontalmente do processo de privatização dos aeroportos brasileiros, bem como da injusta injeção de recursos públicos, via BNDES, para patrocinar a desnacionalização. Não havia e não há nenhuma necessidade de privatização. Se defendemos o patrimônio público e o fortalecimento do papel do Estado, nada mais justo do que colocar os recursos que serão direcionados ao capital privado nacional e internacional para alavancar a Infraero. Os sindicatos cutistas têm se mobilizado contra a privatização e alertado o governo para esse grave erro.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, defendeu em visita aos Estados Unidos menos direitos trabalhistas e a desoneração da folha de salários. Qual o sentido desta indecência?

Este tipo de proposta é totalmente absurda e jamais será aceita pela CUT e pelo movimento sindical brasileiro. Somos contra qualquer tipo de flexibilização de direitos e esperamos que este governo não vá por este descaminho, erroneamente apontado pelo ministro. Nosso caminho é outro: o do aumento do poder de compra dos salários, da dinamização do mercado interno, de uma Reforma Tributária que desonere o setor produtivo e onere os especuladores. Nossa linha é clara: ampliar direitos e humanizar as relações de trabalho, combatendo a terceirização e a precarização, garantindo salários dignos e empregos decentes. A participação dos cutistas no Fórum Social Temático reafirmará esta compreensão e este compromisso.

Fonte: CUT

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