15 de maio de 1948: A guerra que não terminou

15 de maio de 1948: A guerra que não terminou

Nesta quarta-feira, 15 de maio de 2013, completam-se 65 anos da nakba (palavra que significa “tragédia” ou “catástrofe”, em árabe), data que marca o exílio forçado de 750 mil palestinos de suas terras em 1948. Em comunicado divulgado hoje, a Autoridade Nacional Palestina acusou Israel de não reconhecer seus crimes contra o povo palestino. Atualmente, 66% dos palestinos são refugiados.

Nesta quarta, manifestantes palestinos chegaram a entrar em confronto com forças israelenses durante protesto em memória aos 65 anos da nakba. Milhares de pessoas se reuniram na principal praça na cidade de Ramallah segurando cartazes com os nomes das vilas despovoadas em 1948 e carregando chaves que simbolizam as casas perdidas.

Para marcar a memória dessa data e manifestar solidariedade ao povo palestino, a Contee, que é uma das entidades brasileiras que empunha a bandeira da causa palestina, reproduz abaixo o artigo do cientista social Vinicius Valentin Raduan Miguel sobre o simbolismo desse dia e a guerra que ele desencadeia até hoje.

15 de maio de 1948: A guerra que não terminou

Vinicius Valentin Raduan Miguel*

Todos os anos, nesta data, é relembrado o que os árabes/palestinos chamam de Al’Nakba (A Catástrofe) ou o que os judeus-israelenses comemoram como a Guerra de Independência, quando o Estado de Israel foi criado.

Uma problemática acompanhou a criação do Estado de Israel: Israel é um projeto que prega a exclusividade étnica e linguística de um grupo (judeu/hebraico) em detrimento de todos os outros. A questão posta nos anos iniciais da colonização era “como lidar com a população árabe que lá vivia?”. A solução encontrada foi uma deliberada e metódica eliminação física e cultural dos povos tradicionais, uma prática que encontra seu conceito jurídico na definição de “limpeza étnica”. Desta forma, no ano de 1948, 531 vilas, 11 áreas urbanas e 30 cidades foram totalmente destruídas. No total, aproximadamente 800.000 pessoas (mais do que metade da população na época) foram expulsas (1) formando a atual massa de quatro milhões de refugiados que habitam os países vizinhos.

Relembrar este dia é fundamental, pois marca uma data que tragicamente não terminou. A Guerra de 1948 não terminou por duas razões: (a) Israel se recusa a reconhecer o crime que cometeu e, desta maneira, aceitar as responsabilidades advindas de sua prática, como aceitar o retorno dos refugiados e/ou indenizar os sobreviventes expulsos de suas terras e; (b) o fator ideológico que motivou a guerra persiste. Em outras palavras, o projeto de Israel enquanto Estado sem árabes continua e a prática de limpeza étnica é um fantasma constante.

A analogia com o apartheid (2) é evidente: um Estado de brancos sem negros é inaceitável, mas um Estado de judeus sem árabes é permissível. Esta é a origem de todos os conflitos na região – muito além da concepção reducionista de embate apocalíptico-religioso em que uma aliança “Européia/Ocidental/Cristã” da “bondade” enfrenta os “malvados” “Orientais/Muçulmanos/Anti-Cristãos”3. Mas contestar esta prática racista é violência e a violência do fraco, mesmo que injustificada e em resposta a uma prévia violência, é terrorismo. Em contrapartida, a violência do poderoso se justifica e apresenta-se como legítima defesa!

Falar em enfrentamento entre Israel e Palestina esconde ainda outros problemas, não menos sutis. Mascara-se propositalmente que Israel é um Estado e a Palestina não existe enquanto tal. A Palestina persiste em um limbo jurídico definido como “territórios ocupados”, uma condição em que a potência ocupante é responsável de fato pela administração. É sob estes fatos ignorados e falsificados pela mídia que é preciso entender os últimos acontecimentos na região, como a guerra em 2006 contra o Líbano e o recente massacre em Gaza, iniciado em dezembro de 2008.

palestinos
Palestinos expulsos carregando seus pertences durante a Nakba, en 1948.
Foto: Fred Csasznik

A violência israelense, como todas as agressões colonialistas são desproporcionais. Na Guerra de 2006 contra o Líbano, por exemplo, são 44 civis israelenses mortos contra 1191 civis libaneses; na Guerra de 2008-2009 contra Gaza foram (3) civis israelenses contra 926 civis palestinos. Mas não só de nefastas estatísticas que se faz a desproporcionalidade. A cobertura histórica também é desproporcional e são poucas as menções feitas à tragédia árabe-palestina de 1948, contribuindo para seu “apagamento”.

Neste sentido, a maior eliminação provocada por este verdadeiro crime de limpeza étnica foi a supressão do acontecimento da História, de maneira que ninguém sequer menciona este outro holocausto (4). Contra isso, celebrar o Dia da Catástrofe é lembrar. É um projeto educativo denunciando a limpeza étnica da Palestina como um projeto inacabado de Israel. Lembrar os métodos e práticas israelenses que se arrastam do passado até os dias de hoje devem servir para impedir que o plano de eliminação da Palestina se concretize. Repetindo o mantra que já nos acostumamos a ouvir: Nunca mais!

(1) PAPPE, Ilan. The ethnic cleansing of Palestine. Oneworld Publications, Oxford: 2007.

(2) Para mais informações, o website possui uma valiosa coletânea de artigos sobre o assunto.

(3) Não esquecer que existem outros grupos religiosos entre os palestinos, como cristãos.

(4) Existem projetos de leis no parlamento israelense que buscam inclusive proibir manifestações lembrando o dia!

*Vinicius Valentin Raduan Miguel é cientista social pela Universidade Federal de Rondônia e mestrando em Ciência Política pela Universidade de Glasgow, Escócia.

Artigo reproduzido do blog Sanaud – Voltaremos

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