2023 coloca previdência, CLT e organização sindical  na ordem do dia

Ano que vem será o da retomada das mais amplas liberdades, da paz, do combate à fome e do resgate dos direitos sociais

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

O ano de 2023 será duplamente ímpar, para o Brasil, por ser indivisível e pelos simbolismos que encerra, que o transformam em especial e marcante. Três são os símbolos que assim o fazem. O primeiro é o centenário da previdência social, criada pela Lei Eloy Chaves  — Decreto Legislativo N. 4.682, de 24 de janeiro de 1923 —, que se constitui na maior, mais ampla e inclusiva política pública de todos os tempos. O segundo é o 80° aniversário da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) — Decreto-lei N. 5.451, de 1º de maio de 1943. E, por fim, 2023 será o primeiro ano do governo de reconstrução da ordem democrática, tendo à frente Lula, e que reúne a maior coalizão política e social de todos os tempos.

Portanto, o ano de 2023 será o da retomada das mais amplas liberdades, que se acham vilipendiadas e desprezadas; da paz, que deu lugar ao ódio e à violência; do combate à fome, que flagela mais de uma centena de milhões de pessoas; e do resgate dos direitos sociais, nunca dantes tão aviltados.

Previdência

A previdência social, de longe a mais ampla e inclusiva política pública, chega ao seu centenário completamente deformada e dilacerada pela Emenda Constitucional 103/2019, que, se não for revogada, será responsável por monstruoso retrocesso social, com dimensões catastróficas, hoje ainda inimagináveis.

O cenário social que se desenha para as próximas décadas, decorrente da EC 103/2019, assemelha-se ao descrito por Monteiro Lobato em seu instigante livro “Cidades mortas”, publicado em 1919, em que “Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos nos presente. Tudo é pretérito”.

A previdência social possui tal grandeza social que mais de 4.100 dos 5570, municípios brasileiros, nas cinco regiões, têm nos benefícios que ela assegura sua principal fonte de riqueza, injetando-lhe mais recursos que o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que se constituem na mola propulsora de seu desenvolvimento; sem eles, a dignidade e o progresso social são inalcançáveis.

A garantia de que nenhum benefício previdenciário seja inferior ao salário mínimo e a de preservação de seu valor real, que só se concretiza com a correção anual pelo INPC/IBGE, representaram e representam a diferença entre a miséria e a dignidade para nada menos que 36,5 milhões de brasileiros/as, número atual de aposentados/as, pensionistas e beneficiários do BPC (Benefício da Prestação Continuada).

Segundo o Portal da Transparência da Previdência Social, mais de 66% de todos os benefícios pagos do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), ou seja, mais de 25 milhões, correspondem a 1 salário mínimo.

CLT

A Consolidação das Leis do Trabalho chega ao seu 80° aniversário, a ser completado ao 1º de maio de 2023, completamente desfigurada, retalhada e mutilada. Ao longo desses 80 anos, foram-lhe promovidas mais de 3 mil alterações, quase sempre para reduzir seu alcance protetivo; não chega a uma centena o número de alterações com a finalidade de ampliar direitos.

Dentre as alterações promovidas na CLT, com o vil propósito de reduzir seu alcance protetivo aos mais elementares direitos trabalhistas, nenhuma se equipara em nocividade às impostas pela Lei N. 13.467/2017, modificando mais de cem artigos, de uma tacada. Nem mesmo a reforma do regime militar, levada a efeito pelo Decreto-lei N. 229/1967, modificando quase duas centenas de artigos, foi tão lesiva quanto àquela do governo Temer e aprofundada por Bolsonaro.

Pode-se dizer que somente a Lei N. 5.107/1966, que substituiu a estabilidade decenal implantada em 1923 pela Lei Eloy Chaves, que criou a previdência social, equiparou-se em malefícios às reformas de Temer e Bolsonaro.

A CLT, a partir da Lei N.13.467/2017, transformou-se na consolidação das leis do capital, em detrimento da proteção do trabalho.

Por isso, sem prejuízo da bandeira da revogação total dessa lei, repleta de venenos letais, que jamais pode ser arriada até que seja concretizada, impõe-se como medida emergencial e essencial, ao governo Lula, a reconstrução do diálogo social sadio e pautado pelo mínimo de equilíbrio, probidade e boa-fé, com a revogação dos dispositivos da CLT que avultam o direito do trabalho e enfraquecem o poder de negociação dos/as trabalhadores/as, com o esvaziamento das funções sindicais e seu estrangulamento financeiro, bem como com o esvaziamento e amordaçamento da Justiça do Trabalho.

Essa árdua e, ao que tudo indica, nada tranquila missão exige que sejam revogados, de plano, os seguintes dispositivos da CLT:

– Art. 8º, § 1º, que retira do direito do trabalho a obrigatoriedade de observância dos princípios que o regem;

– Art. 8º, § 3º, que impede a Justiça do Trabalho de afastar cláusulas de convenções e acordos coletivos que lesam direitos mínimos;

– Art. 59-A, que autoriza jornada de 12 horas ininterrupta, sem direito a intervalo para repouso e alimentação;

– Art. 134, § 1º, que fraciona as férias em três períodos, sendo que dois podem ser de apenas cinco dias cada um;

– Art. 223-G, que afere a dignidade do/a trabalhador/a pelo salário que recebe, um verdadeiro vale quanto pesa;

– Art. 394-A, que autoriza trabalho de gestante em atividade insalubre, já declarado inconstitucional pelo STF;

– Art. 442-B, que cria a esdrúxula figura de autônomo exclusivo, sem nenhum direito social;

– Art. 452-A e seguintes, que criam o contrato intermitente e a fantasmagórica figura de trabalhador/a formalmente contratado/a, mas sem trabalho, salário e direitos;

– Art. 456-A, que permite a empresa usar o corpo do trabalhador como outdoor, para fazer propaganda, por meio de uniforme, sem nenhum retorno financeiro para ele/a;

– Art. 477-A, que desregulamenta o inciso I do Art. 7º da CF, que assegura proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa;

– Art. 507-A, que cria o/a trabalhador/a hipersuficiente, sem direito constitucional, legal e convencional;

– Art. 611-A, § 5º, que transforma os sindicatos em réus em ações judiciais movidas contra convenções ou acordos coletivos;

– Art. 611-B, XXVI, que retira das assembleias sindicais autonomia para fixar contribuições aos/às sócios/as;

– Art. 614, § 3º, que declara nula cláusula de convenção ou acordo coletivo que assegure ultratividade das normas convencionais;

– Art. 620, que faz acordo coletivo maior que convenção coletiva;

–  Art. 702, I, que cria barreira intransponível para a Justiça do Trabalho aprovar súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos;

– Art. 790-B  e 791-A, que punem o/a trabalhador/a que reclama seus direitos lesados perante a Justiça do Trabalho, se seus pedidos não forem totalmente procedentes;

Para além de lutar e se empenhar pela revogação dos dispositivos da Lei N. 13.467/2017, acima transcritos, há imperiosa necessidade de se buscar, com igual empenho, o restabelecimento do § 1º do Art. 477 da CLT, revogado por essa lei, para que as rescisões de contrato de trabalho voltem a ser assistidas (homologadas) pelos sindicatos como condição essencial.

A revogação desse dispositivo deixou o/a trabalhador/a à mercê de sua própria sorte, exatamente no momento em que ele/a se acha mais vulnerável, que é o da rescisão do contrato de trabalho. Isso não veio por acaso. Ao reverso, foi proposital para que não haja conferência quanto à legalidade ou não da rescisão, bem assim quanto à observância dos direitos.

Se antes havia o mínimo de conferência das condições de saúde do/a trabalhador/a, da existência de eventual estabilidade provisória e/ou garantia temporária de emprego, a partir do dia 11 de novembro de 2017, quando entrou em vigor a Lei N. 13.467/2017, não há mais. Agora, corre ao Deus dará. Apesar de ainda não haver sido feito levantamento sobre a quantidade de demissões irregulares que não passam pelo crivo dos sindicatos, salta aos olhos a abundância dessas, mediante as dezenas de milhares de reclamações que chegam às entidades, decorrentes de casos que tais.

Outra tarefa emergencial, de igual monta, é a da reconfiguração da organização sindical brasileira, há algum tempo superada pela realidade social, dilapidada e dilacerada pela Lei N. 13.467/2017 e pela retrógrada jurisprudência do STF e da Justiça do Trabalho.

A revogação imediata dos Arts. da CLT que regulamentam a organização sindical (511, 570, 571, 572, 573, 574, 575, 576 e 577) é tarefa urgente e inadiável, seja por se mostrarem incompatíveis com a CF de 1988, por se acharem em descompasso com a realidade social, em constante mutação, ou, ainda, por se constituírem em entraves para efetiva proteção dos/as trabalhadores/as.

O descompasso entre os dispositivos da CLT que tratam da organização sindical e a realidade social é de tal monta que, da força de trabalho ocupada no trimestre de julho, agosto e setembro de 2022 — conforme Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) contínua, equivalente a 99,3 milhões —, os sindicatos representam apenas 36,2 milhões, pois que, efetivamente, só alcançam os/as que possuem CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) assinada. Em desalento ficam, por tais empecilhos, nada menos que 63 milhões.

Soma-se a isso o estrangulamento financeiro das entidades sindicais, manietadas pelo fim da contribuição sindical compulsória e pela reiterada jurisprudência do STF, que as obrigam a cobrar contribuições apenas de seus associados, não obstante, por força do Art. 8º da CF, todos os integrantes da categoria se beneficiarem.

Urge que seja regulamentada, por lei, o custeio das entidades sindicais, com autonomia da assembleia geral para fixar contribuição para todos seus representados, sem direito à oposição, posto que todos se beneficiam de suas atividades. Essa regulamentação prescinde da contribuição sindical em sentido estrito, hoje morta pela sórdida aura negativa que se criou em torno dela.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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