25 anos de Constituição Federal – vitória política e social
Por Luís Moreira*
Vinte e cinco anos após aquela quarta-feira de outubro de 1988, a Constituição Federal ganha os holofotes de toda a mídia e também ganha análises de seu texto. Uns acreditam que a Carta Magna abarca todos os temas, enquanto outros ponderam sobre seus artigos e, principalmente, sobre o cumprimento do que ali está estabelecido, grupo do qual o Saaemg faz eco. Liberdade de expressão, direito à greve e a criação do SUS são exemplos daquilo que foi estipulado e ainda capengam nos dias atuais.
Cuidado com o discurso
Neste período em que se comemoram os 25 anos da Constituição que pôs fim definitivo à Ditadura Militar, será muito comum observar a mídia com o discurso do patronato de que as conquistas trabalhistas obtidas com a Carta Magna atravancaram o país. Discurso este muito similar ao que o velho cacique da política brasileira José Sarney, então presidente da República em 1988, utilizou para tentar inviabilizar a Constituição. Em 27 de agosto daquele ano, Sarney fez pronunciamento, em cadeia nacional de televisão, no qual atacava as propostas que garantiriam conquistas sociais e trabalhistas, ao que ele chamou de uma “série de entraves”. Segundo o então presidente, o Brasil corria “risco de tornar-se ingovernável nas empresas, nas relações de trabalho, nas famílias e na sociedade”. Sarney estava equivocado – o que não é novidade de lá para cá.
Contexto
O Brasil vinha de longo período obscuro comandado pelos militares, o que refletiu no texto da Constituição. O contexto político da época pode ser observado em parte do preâmbulo da Carta: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos…”. Tratava-se ali da esperança por dias melhores para a nação e para seu povo.
Passados 25 anos, o cenário proposto pela Constituição é outro, embora, como bem ressaltou o ex-presidente Lula,em solenidade da OAB, em 5 de outubro de 1988 tenha sido “encerrada uma longa noite de atritos neste país”, o que representou “o encontro do Brasil com a democracia”.
Tal declaração faz eco ao pronunciamento do presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, quando criticou a postura de José Sarney, que acreditava que a nova Constituição causaria uma “série de entraves”. Ulysses, que sempre terá um lugar honroso na política nacional, respondeu ao presidente Sarney assim: “Esta Constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo”.
Lutas 25 anos depois
Apesar dos avanços possibilitados pelo texto da Carta Magna, como os direitos trabalhistas e sociais instituídos (abono de férias, redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais, 13º salário para aposentados e seguro-desemprego), o que se vê 25 anos depois é a estocada de patrões na tentativa de retirada de direitos trabalhistas, o lobby pela terceirização (política empresarial totalmente maléfica à classe trabalhadora) e as investidas, infelizmente cada vez mais comuns, contra os dirigentes sindicais.
O oitavo artigo da Constituição Federal aborda a questão da estabilidade sindical. O artigo proíbe “a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato”. A única exceção para que isso não se cumpra é no caso de “falta grave nos termos da lei”. Em outras palavras, a não ser que o funcionário dirigente sindical cometa falta grave, a questionável justa causa, este não poderá ser “desligado” da empresa, para usar um eufemismo barato muito praticado pelos empregadores.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também tem estipulada uma determinação que contempla o dirigente sindical, esmiuçada na Convenção 135, sob o título “Proteção de Representantes de Trabalhadores”, do ano de 1971, que diz que “os representantes dos trabalhadores na empresa devem ser beneficiados com uma proteção eficiente contra quaisquer medidas que poderiam vir a prejudicá-los, inclusive o licenciamento, e que seriam motivadas por sua qualidade ou suas atividades como representantes dos trabalhadores, sua filiação sindical, ou participação em atividades sindicais, conquanto ajam de acordo com as leis, convenções coletivas ou outros arranjos convencionais vigorando”.
No entanto, diferentemente do que diz a convenção da OIT, o dirigente sindical não quer “benefício”, ele apenas não quer ser perseguido por se tratar de um representante dos trabalhadores, fato que é sistematicamente cometido por patrões em claras ações antissindicais, embora a Constituição determine o contrário.
Aliás, o artigo oitavo da Constituição, aqui já citado, também determina que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas”, sendo, portanto, o dirigente sindical responsável pela conduta que o sindicato toma, sempre baseado naquilo que foi estipulado em assembleia.
Constituição Cidadã, estabilidade sindical, direitos trabalhistas
A Constituição Federal de 1988 também ficou conhecida como “Constituição Cidadã”, graças a sua importância social e política. No entanto, direitos ali estabelecidos ainda não contemplam a quem de direito. Cristalina em seu texto, a estabilidade sindical é um desses direitos.
O Saaemg sabe dessa realidade que atinge dirigentes sindicais e lamenta que estes sejam perseguidos por patrões por desenvolverem ou compartilharem ideias sindicais que se destacam pela luta por melhorias das condições de trabalho, empenho por reajustes salariais e pisos salariais dignos, além da relutância contra a investida do capital sobre os direitos trabalhistas. São inúmeras as ações antissindicais praticadas país afora, embora a Constituição proíba essas manobras, o que as configura como ações inconstitucionais.
No sétimo artigo da Constituição são assegurados vários direitos básicos ao trabalhador e trabalhadora. Não obstante serem eles de importância relevante, muitos cidadãos se veem afrontados em grande parte deles, sendo obrigados a recorrer à via judicial para receber, por exemplo, a guia de seguro-desemprego. Ainda que a Constituição não seja respeitada em toda a sua amplitude, é possível, através de ações jurídicas, fazer valer os direitos ali elencados. O problema é quando as interpretações são capciosas ou aplicadas com finalidades outras que não a de fazer a justiça. Aí sim, a Constituição se afasta do termo “cidadã”, e ao ser mal aplicada/interpretada, passa a ser algoz do cidadão, algoz do trabalhador.
Práticas como essas são combatidas cotidianamente pelos sindicatos e pelos dirigentes sindicais, a fim de assegurar o que está previsto na Carta Magna. A luta não é fácil, mas o “cheiro de mofo”, como bem definiu Ulysses Guimarães ao rebater as críticas sofridas pelo texto da Constituição antes de sua aprovação, não pode perdurar. Afinal de contas, o “cheiro de amanhã” é muito mais prazeroso à democracia e aos trabalhadores brasileiros.
*Luís Moreira, jornalista do Saaemg, com colaboração de Rogerlan de Morais, diretora do Saaemg