8 pontos na defesa da contribuição assistencial por todos/as os/as trabalhadores/as

“Como essa guerra ideológica está longe do fim, ganhando dimensões que podem torná-la incontrolável, urge que os sindicatos, federações, confederações, centrais e todos quantos abraçam o mundo do trabalho saiam da letargia em que se encontram e entrem nessa guerra, com afinco e com disposição, para levá-la às últimas consequências”

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

“Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha como se fosse o Novo.

Ele se arrastava em novas muletas, que ninguém antes havia visto, e exalava novos odores de putrefação, que ninguém antes havia cheirado. 

A pedra passou rolando como a mais nova invenção, e os gritos dos gorilas batendo no peito deveriam ser as novas composições.

Em toda parte viam-se túmulos abertos vazios, enquanto o Novo movia-se em direção à capital.

E em torno estavam aqueles que instilavam horror e gritavam: 

Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! E quem escutava, ouvia apenas os seus gritos, mas quem olhava, via pessoas que não gritavam.

Assim marchou o Velho, travestido de Novo, mas em cortejo triunfal levava consigo o Novo e o exibia como Velho.

O Novo ia preso em ferros e coberto de trapos; estes permitiam ver o vigor de seus membros.

E o cortejo movia-se na noite, mas o que viram como a luz da aurora era a luz de fogos no céu. E o grito: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! seria ainda audível, não tivesse o trovão das armas sobrepujado tudo.”

A primorosa ironia do imortal romancista, poeta e teatrólogo Bertolt Brecht, magnificamente expressa na genial construção metafórica acima transcrita, livremente traduzida como “A parada do novo e do velho”, parece ter vindo ao mundo para bem retratar a guerra ideológica, desencadeada pelo capital e seus agentes, contra a pequena inflexão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à constitucionalidade da cobrança de contribuição assistencial de todos os integrantes da categoria, inclusive dos não filiados (Tema 935).     

Nessa guerra, sem limites e sem fronteiras, ouvem-se os carcomidos gritos dos algozes dos trabalhadores, que despudoradamente se travestem de seus defensores, contra os “cruéis e impiedosos sindicatos”, que, nos putrefatos discursos desses lobos travestidos de cordeiros, querem ferir de morte a liberdade sindical, cobrando dos não filiados a contribuição assistencial. Nada mais cínico e desonesto!

Esses autoproclamados guardiões da liberdade sindical são os mesmos que venderam como modernas e portadoras da luz a terceirização total e absoluta (Lei 13.429/2017) e a de/reforma trabalhista (Lei 13.467/2017).

Se é fato que não se pode afirmar que os sindicatos, no contexto atual, não podem ser tomados como novos, para se descurar o significado destes, na metáfora de Brecht sob destaque, também o é que essas falsas vozes jamais contiveram qualquer fagulha de sinceridade, representando tão somente as trevas nas relações de trabalho, retratadas de forma ampla na metáfora sob referência.

Os sindicatos profissionais (laborais), nas judiciosas palavras do Papa Francisco, representam a voz de quem não tem voz. Já os falsos apregoadores da liberdade sindical nada mais representam do que os sórdidos interesses de quem os quer fragilizados e aniquilados, para abrir largos à drástica redução — de preferência, a supressão — de todos os direitos fundamentais sociais.

Tais vozes — na aparência virtuosas, mas, na essência, maledicentes e letais — assemelham-se à ironia aos desvios da virtude, de fino talhe na pena de Bernard Mandeville, na sua genial “Fábula das abelhas”, de 1723.

[]

E a virtude, que com a politicagem,

 Aprendera bastante malandragem,

 Tornara-se, pela feliz influência,

Amiga do vício; por consequência,

O pior elemento em toda a multidão

Realizava algo para o bem da nação”.

Como essa guerra ideológica está longe do fim, ganhando dimensões que podem torná-la incontrolável, urge que os sindicatos, federações, confederações, centrais e todos quantos abraçam o mundo do trabalho saiam da letargia em que se encontram e entrem nessa guerra, com afinco e com disposição, para levá-la às últimas consequências. Afinal, como sabiamente ensina o Frei Leonardo Boff, em seu instigante livro “A águia e a galinha”, todo ponto de vista é a vista de um ponto.

Até aqui, a perniciosa vista do capital está na dianteira. Se ainda não é definitiva, e efetivamente não o é, tem gerado muita confusão e legitimado ato que se caracterizam como escandalosa prática antissindical, como a que vem do grupo de instituições integrantes do Grupo Marista, mais que induzindo os trabalhadores a se oporem ao desconto da contribuição assistencial, na verdade, ditando-lhe essa conduta.

Eis o que vem da instituição Marista de Alagoas:

Estimados Colaboradores,

Em atendimento a decisão do STF, registrada sobre o processo ARE 1018459-ED, tema 935, todos os funcionários da educação (Administrativo e Pedagógico) passam, a partir de outubro deste ano, a realizar contribuição assistencial prevista no artigo 513 da CLT, independente de filiação sindical em suas respectivas entidades.

A contribuição é anual, e corresponde a 3% do valor salarial, com desconto em folha de pagamento. Contudo, é direito de todo trabalhador manifestar oposição ao desconto,  ou seja, preencher um  documento declarando não estar de acordo com o débito. Os colaboradores administrativos devem se dirigir ao Setor de Recursos Humanos do Colégio para preenchimento da requisição. Já os colaboradores pedagógicos (professores), devem preencher o documento no Sindicato dos Professores. Em ambas as situações, o prazo para preenchimento da requisição é até 25/09 (segunda-feira)”.

Essa é só a ponta do iceberg! O senador bolsonarista “Cleitinho” (PL-MG) coleta assinaturas no Senado Federal para uma proposta de emenda constitucional (PEC), que proíba os sindicatos de cobrar qualquer contribuição dos não associados. Na Câmara Federal, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) apresentou o Projeto de Lei 4310/2023, que visa criar mecanismo eletrônico para o/a trabalhador/a se opor ao desconto sob discussão.

O senador “Cleitinho”, desonestamente, postou na página de seu mandato, sua foto, segurando um cartaz em que se lê: imposto sindical R$ 3,6, bi.

Porém, por conveniência, nem ele nem nenhum dos que se associam à sua cruzada de desacreditação dos sindicatos disseram uma palavra sobre os R$ 27,3 bilhões arrecadados pelo Sistema “S” , em 2022, conforme Folha de São Paulo, edição de 25 de maio de 2023). E esse é, sim, dinheiro público, posto que repassado aos consumidores pelas empresas que o pagam, ao contrário da contribuição assistencial, que é dinheiro do trabalhador/a.

Para fazer frente a essa calhorda e desigual guerra ideológica, há imperiosa necessidade de o mundo do trabalho mostrar a vista de seu ponto, dando a devida ênfase aos seguintes aspectos:

1) o desconto da contribuição assistencial sob realce tem como única finalidade dar suporte financeiro aos sindicatos para bem cumprirem sua função constitucional, que é a defesa dos direitos e interesses dos/as trabalhadores/as (Art. 8º, III, da CF), não se configurando, em nenhuma hipótese, meio de extorquir dinheiro dos minguados salários desses/as, como querem fazer crer os inimigos sindicais;

2) esse desconto é autorizado pelo Art. 513, ‘e’, da CLT desde 1943 e legitimado como constitucional pela recente decisão do STF, tema 935;

3) a contribuição assistencial, como bem anotado por todos os ministros do STF que votaram a favor de sua constitucionalização, nem de longe se assemelha à contribuição sindical, pois que seu desconto depende de autorização de assembleia geral e condiciona-se à negociação coletiva exitosa. Já aquela, maldosamente intitulada de imposto sindical — nomenclatura que desapareceu em 1967, com o Decreto-lei 229, daquele ano —, até a reforma trabalhista, não se vinculava a nenhum evento: era cobrada em março, e pronto.

4) todos se beneficiam, filiados/as e não filiados/as, das convenções e acordos coletivos, o que assegura contrapartida ao pequeno dispêndio financeiro relativo à sua cobrança;

5) em nenhum país do mundo há direito sindical sem contribuição, isto é, sem o dever de o/a trabalhador/a pagar por ele. Essa imoralidade e colossal afronta ao princípio da isonomia só é defendida no Brasil;

6) se é verdade que, nos países que adotaram a pluralidade sindical, com ou sem a ratificação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), somente os filiados pagam contribuição, também o é que apenas eles e mais ninguém se beneficiam das conquistas convencionais. Quem quiser delas usufruir tem de pagar (contribuir) para isso. A título de ilustração, traz-se, aqui, o que diz o contrato coletivo nacional dos/as professores/as portugueses, quanto a essa questão:

Artigo 1.º Âmbito 1- A presente convenção é aplicável, em todo o território nacional, aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino representados pelas associadas da Confederação Nacional da Educação e Formação (CNEF) e os trabalhadores sindicalizados ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes. 2- Esta convenção abrange 600 (seiscentos) empregadores e 25 224 (vinte e cinco mil duzentos e vinte e quatro) trabalhadores, bem como os trabalhadores que a ela adiram. []”;

7) o danoso direito de oposição, assegurado pela decisão do STF na tese que fixou para o tema 935, somente pode ser exercido em assembleia geral, sob pena de esvaziar por completo o alcance dessa relevante decisão, como faz prova a conduta das instituições maristas, acima transcrita;

8) deve-se adotar medida judicial contra todas as empresas que agirem como as instituições maristas, por nefasta prática antissindical, que, a rigor, caracteriza-se como crime contra a livre organização do trabalho, ferindo, a um só tempo, o Art. 8º da CF; o Art. 513, ‘e’, da CLT; o Art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; o Art. 8º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos e Sociais; os Arts. 1º a 6º da Convenção 98, da OIT; e os Arts. 5º a 8º da Convenção 154 da OIT.

A ênfase a esses relevantes inadiáveis temas, obrigatoriamente, precisa ter lugar na discussão com as respectivas categorias, com a sociedade, com o Congresso Nacional, com o TST, com o STF e com o MPT.

Ao debate e à ação, antes que seja tarde demais.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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