Mobilização na Câmara dos Deputados para solução do “Caso Sônia Maria de Jesus”
Após uma audiência na Comissão de Legislação Participativa, nesta última terça-feira (27/8), a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) lançou uma mobilização na Câmara dos Deputados para buscar uma solução para o “Caso Sônia Maria de Jesus”. Sônia, uma mulher negra, surda e com visão monocular, foi resgatada da casa do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Santa Catarina, sob acusação de trabalho análogo à escravidão por 40 anos. O caso gerou repercussão internacional e desencadeou a campanha global #sonialivre.
O resgate de Sônia ocorreu em junho do ano passado, conduzido por auditores fiscais do trabalho. No entanto, dois meses depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) discordou da denúncia e autorizou a volta de Sônia à casa dos patrões. A decisão causou indignação, levando o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde a deputada Sâmia Bomfim pretende debater o tema com ministros e parlamentares das comissões de Legislação Participativa, Direitos Humanos, Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e da Bancada Negra da Câmara. Existe também a possibilidade de denunciar o Brasil à ONU por violação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Sâmia Bomfim destacou a importância de envolver mais parlamentares e comissões para aumentar a pressão sobre o STF. “Diante de um não retorno, há a possibilidade de denúncia à ONU e à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, para reforçar as acusações já apresentadas”, afirmou a deputada.
Izabel Maior, ex-secretária nacional dos direitos da pessoa com deficiência, defendeu a participação da Câmara na pressão sobre o STF, destacando que o “Caso Sônia” representa uma violação extrema dos direitos humanos e uma reprodução das relações escravistas. Ela também mencionou que o ministro André Mendonça, da Segunda Turma do STF, solicitou mais informações sobre o caso e manteve Sônia na casa da família do desembargador catarinense. “Precisamos saber a opinião da corte, não apenas de um ministro”, disse Izabel.
A campanha #sonialivre contestou os argumentos do desembargador de que Sônia era tratada como membro da família. A coordenadora da campanha, Mylene Seidl, juíza do trabalho aposentada, destacou que Sônia não teve acesso a direitos básicos como educação, saúde, cidadania, documentos ou aprendizado de Libras, o que contradiz a alegação de tratamento familiar. Além disso, há suspeitas de outros crimes, como trabalho infantil, tráfico de pessoas e violação da Lei Maria da Penha.
O Ministério dos Direitos Humanos acompanha o caso de perto, lembrando que 2023 registrou o maior número de denúncias de trabalho escravo no Brasil, com 3.400 casos. Naira Gaspar, representante do Ministério, enfatizou a necessidade de garantir que Sônia tenha acesso a Libras para se comunicar. “A intersecção entre deficiência, raça, gênero e classe torna essas pessoas mais vulneráveis a todos os tipos de violência”, afirmou.
Carla Ayres (PT-SC), deputada, anunciou um projeto de lei para evitar o “desresgate” de vítimas, garantindo que elas não retornem ao ambiente de exploração após serem resgatadas. “Precisamos de uma resposta do Estado para evitar um retrocesso histórico no combate ao trabalho análogo à escravidão”, argumentou.
Os participantes da audiência também expressaram apoio aos auditores que denunciaram o caso e foram afastados de suas funções. Um dossiê sobre o “Caso Sônia” foi entregue à relatora da ONU sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Ashwini K.P.,
O “Caso Sônia” expõe as falhas na proteção dos direitos humanos e na erradicação do trabalho análogo à escravidão no Brasil, destacando a necessidade urgente de reformas legais e institucionais para garantir justiça e dignidade às vítimas.
Por Vitoria Carvalho, estagiária sob supervisão de Romênia Mariani