Setembro amarelo: qual relação pode ser feita entre capitalismo e uma ‘epidemia de depressão’?

Pesquisador Elton Corbanezi faz uma linha do tempo revelando como avanço do sistema econômico afetou saúde da população

Em 2022, quando o Brasil e o mundo ainda enfrentavam a crise sanitária provocada pela covid-19, universidades e pesquisadores começaram a publicar estudos mostrando o que seria o início de uma “segunda pandemia”, desta vez relacionada à saúde mental.

Um estudo publicado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) mostrou um aumento significativo de ansiedade e depressão entre 2020, antes do início da disseminação do vírus no Brasil, e 2022. Casos de depressão saltaram de 4,2% para 19%. Já a ansiedade foi de 4,7% para 30%. Foram mais de 2,6 mil pessoas entrevistadas para elaboração dos dados.

A mesma pesquisa afirma que “refuta a associação entre o distanciamento social e sintomas de depressão e ansiedade. Os dados revelam que não houve diferença, para esse diagnóstico, entre as pessoas que permaneceram no ambiente domiciliar a maior parte do dia, com saída para atividades essenciais (como comprar alimentos), e as que estavam fora de suas casas, majoritariamente”.

Em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (24), o sociólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Elton Corbanezi, autor do livro Saúde mental, depressão e capitalismo, concorda que a “pandemia acelerou o aumento dos transtornos psiquiátricos, ou, falando de maneira mais ampla, do sofrimento psíquico”.

No entanto, o pesquisador pondera: “O fato é que há uma série de estudos, inclusive da OMS [Organização Mundial da Saúde], mostrando um aumento significativo dos transtornos mentais e do sofrimento psíquico, que já era uma curva. Ela [a pandemia] intensificou bastante esse processo social.”

Para Corbanezi o ponto fundamental para lidar com o problema, portanto, é entender como a lógica neoliberal intensifica a crise de saúde mental.

O especialista faz uma linha do tempo trazendo o que dizia o psicanalista Sigmund Freud, na virada do século 19 ao 20, sobre os efeitos da era industrial sobre o indivíduo.

“Antigamente, tínhamos o que no campo da sociologia chamamos de um capitalismo fordista, um capitalismo disciplinar, muito bem mostrado no filme Tempos Modernos do Chaplin [Charles, ator britânico], em que o corpo é chamado à obediência, o horário, o espaço, tudo absolutamente controlado. Isso é o capitalismo industrial”, afirma Corbanezi.

O pesquisador explica que ao longo do século houve, porém, uma série de mudanças sobre a forma do capitalismo influenciar a sociedade, “mas não houve uma ruptura em termos de que o capitalismo permanece”.

“Não é mais o modelo da obediência institucional disciplinar. É muito mais um modelo da liberdade individual, da autonomia, e isso pesa sobre o indivíduo hoje”, diz.

“Hoje, pensando no capitalismo de plataforma, não basta dar o suficiente, tem que ser sempre excelente, sempre tem que ser mais. As avaliações têm que ser sempre excedentes. Num capitalismo, que valoriza essa performance, essa excelência, é sintomático que a categoria de depressão acompanhe”, avalia.

Para exemplificar, o pesquisador cita o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM), documento para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los. O Manual é usado por clínicos e pesquisadores de todo o mundo, bem como por companhias de seguro, indústria farmacêutica e parlamentos políticos.

Lançado oficialmente na década de 1950, o documento já recebeu cinco edições. Corbanezi explica que cada nova versão foi reduzindo o período indicado de afastamento para pessoas que sofrem de luto por conta da perda de uma parente, por exemplo.

“O que podemos perceber é que a duração, frequência e intensidade são cada vez mais significativamente reduzidas. Por exemplo, no DSM-4, o luto normal, quando a pessoa perde um ente querido, poderia ter uma duração de até dois meses. Do DSM-4 para o DSM-5, isso foi objeto de muita discussão pública inclusive, essa duração do luto foi reduzida de dois meses para duas semanas.”

Para o professor, isso é um efeito evidente da mudança que a transformação do capitalismo vem aplicando em diversos aspectos da sociedade.

“É nesse sentido que eu procuro fazer uma relação com o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, sobretudo após os anos 1970 e 80, quando [ocorreu] a ascensão do neoliberalismo como algo global e os processos de neoliberalização”, afirma o pesquisador.

“De maneira geral, temos a produção de um esgotamento total, um esgotamento dos recursos naturais e um esgotamento de recursos psicológicos subjetivos. Tudo mobilizado para que um determinado modelo de sociedade, socioeconômico e cultural, funcione.”

Edição: Nathallia Fonseca

Do Brasil de Fato

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