“É essencial que homens e outros grupos privilegiados participem ativamente do debate e da luta por igualdade”

O último Contee Conta transmitido na segunda-feira 30/9, teve como tema central “As Mulheres no Projeto de Brasil”. A apresentação foi conduzida pela jornalista Romênia Mariani, que trouxe à discussão duas convidadas de destaque: Sandra Procópio da Silva e Lucinéia Miranda de Freitas. O debate também contou com a participação de Alan Francisco de Carvalho, coordenador- geral da Contee em exercício.

A abertura destacou a importância da participação política das mulheres, especialmente nas eleições municipais, refletindo sobre o papel essencial das mulheres nas decisões políticas que contribui para a progressão de um país melhor e mais justo.

Sandra Procópio, que atua como educadora popular e é estudiosa de temas relacionados a assentamentos, mulheres camponesas, educação do campo e povos indígenas, ressaltou a urgência de se discutir a inclusão das mulheres no projeto de Brasil. Sandra enfatizou que a participação das mulheres camponesas, especialmente as que vivem em assentamentos, “é fundamental para a construção de políticas públicas voltadas para a realidade do campo”, afirmou.

Ela também mencionou a importância de uma educação inclusiva, que considere as especificidades culturais e sociais dos povos indígenas, com foco particular nos Guarani Kaiowá, que enfrentam desafios únicos. Para Sandra, as mulheres desempenham um papel vital na defesa dos territórios e na preservação da cultura e dos saberes tradicionais.

Lucinéia Miranda de Freitas, membro da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também compartilhou sua visão sobre a importância da participação feminina nas decisões políticas. Como militante e educadora popular, Lucinéia abordou a necessidade de políticas de saúde pública que atendam de maneira eficaz as mulheres do campo, refletindo sobre seu trabalho como bióloga e engenheira florestal.

Ela destacou o papel transformador das mulheres na luta por direitos, especialmente no contexto rural, onde as mulheres são muitas vezes invisibilizadas. Com uma trajetória sólida na defesa da saúde pública, Lucinéia defendeu que as mulheres camponesas, ao serem agentes de transformação, precisam de mais espaço nas arenas de decisão para garantir que as suas demandas sejam ouvidas e atendidas.

O coordenador-geral em exercício, Alan Carvalho, também trouxe uma questão do enfrentamento da mulher em espaços de poder, sobre salários que não são minimamente iguais, pois homens recebem mais. Porém, para as mulheres enfrentarem esta luta em um pleito para prefeitura ou vereadores, também depende de como a mulher se vê nesta sociedade. “Têm mulheres que não percebem essas contradições no mundo, e, portanto, as vezes não fazem os questionamentos. O mesmo e não raro, surfam em alguma coisa que já está posta e, com isso, não trazem um embate sobre essas questões”, pontuou o coordenador-geral em exercício, no intuito de ilustrar que esse reconhecimento é o cerne da mobilização revolucionária.

A educadora Sandra evidenciando a necessidade de repensar os papéis de gênero e a desigualdade de poder entre homens e mulheres disse: “apesar de a sociedade ser composta igualmente por homens e mulheres, isso não se reflete nos espaços de poder. A política brasileira, em sua maioria, é conduzida por homens brancos, geralmente mais velhos, o que não representa a diversidade e as aspirações da população, especialmente das mulheres”.

Sandra criticou o atual modelo de democracia, que ela considera injusto, por não dar a mesma voz às mulheres e outras parcelas da sociedade, como jovens, negros, indígenas e camponeses. Para ela, o sistema político é controlado pela economia e não permite uma participação direta, na qual as mulheres possam expressar suas reais aspirações. Ela reforçou que, para um projeto popular de Brasil, é imprescindível que as mulheres tenham maior participação e representatividade.

Membro do MST e educadora Lucinéia, por sua vez, expandiu o debate ao questionar a eficácia das leis de participação feminina na política. Ela citou o exemplo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que exige que os partidos políticos cumpram uma cota mínima de 30% de mulheres candidatas. “Está longe de refletir a verdadeira participação das mulheres na sociedade, e muitos partidos veem essa exigência como um favor às mulheres, ou algo a ser cumprido apenas para evitar sanções jurídicas”, explicou.

Lucinéia destacou que a verdadeira inclusão das mulheres na política vai além das cotas e da representação legislativa. Ela defende uma visão mais ampla da política, que considere as mulheres como protagonistas no gerenciamento da vida social e na organização das condições para a produção e reprodução da vida. “O grau de participação das mulheres nos espaços de poder é um indicativo direto do nível de desenvolvimento democrático de uma sociedade. No Brasil, que tem uma baixa representatividade feminina nos poderes Executivo e Legislativo, Lucinéia argumenta que isso reflete uma democracia ainda incompleta, que não atende aos interesses de 50% da população, as mulheres”, concluiu a educadora.

Sandra Procópio salientou a importância dos movimentos culturais que emergem como resistência ao patriarcado, pontuando exemplos como o Slam das Minas, que utiliza o hip-hop como forma de expressão e luta contra o racismo e o patriarcado, especialmente entre as mulheres negras. Para Sandra, a cultura de gueto e a arte são formas essenciais de alimentar a vida e promover a conscientização política.

Ela também falou sobre o desafio de adaptar o movimento feminista às novas demandas sociais e políticas em um contexto de polarização e crise. Para Sandra, o verdadeiro poder de transformação está no trabalho de base. Segundo Procópio, as mudanças não virão de entidades superiores, mas da classe trabalhadora, das mulheres, dos homens e da juventude, através da organização e conscientização nas comunidades.

Sandra sinalizou que, embora o caminho seja cheio de dificuldades, as mulheres têm protagonizado movimentos poderosos, como as grandes mobilizações a favor da legalização do aborto. Essas ações mostram o quanto as mulheres estão organizadas e são capazes de influenciar decisões políticas importantes, demonstrando sua força nas ruas e nos debates públicos.

Ela também destacou que as mulheres protagonizaram o movimento “Ele Não”, que foi um marco de resistência contra o conservadorismo e o autoritarismo. Para Sandra, a luta é contínua e, apesar dos desafios, há esperança de que as mulheres continuarão a resistir e a lutar por um Brasil mais justo e igualitário.

Lucinéia concordou com Sandra e reforçou que não se deve temer a polarização. Para ela, muitos temas polêmicos, como o aborto, precisam ser enfrentados, mesmo que gerem divisões, porque afetam diretamente a vida das mulheres. Ela citou a gravidade do cenário no Brasil, onde há um estupro a cada oito minutos e pouquíssimos hospitais que oferecem atendimento seguro para abortos nos casos permitidos por lei. Lucinéia argumentou que é necessário continuar a debater esses temas, pois são questões cruciais para a vida e os direitos das mulheres.

Além disso, ela defendeu que é preciso enfrentar a pauta da direita conservadora, sem ceder em temas fundamentais para a classe trabalhadora. “Além do aborto, outras pautas importantes envolvem direitos trabalhistas, previdenciários, jornadas de trabalho e o acesso à creche e educação de qualidade”. Essas questões, de acordo Lucinéia, são essenciais para a organização da vida social e para garantir uma sociedade mais justa.

Em relação às eleições, Lucinéia destacou que “não basta ser mulher”, assim como “não basta ser negro” para garantir uma transformação real na política. É necessário que esses grupos estejam comprometidos com um projeto de classe trabalhadora que promova mudanças estruturais e enfrente as injustiças sociais de forma ampla.

A membro do MST concluiu sua opinião afirmando que a luta contra o patriarcado, o racismo e o sexismo não é uma luta exclusivamente feminina ou da população negra. É essencial que homens e outros grupos privilegiados participem ativamente do debate e da luta por igualdade, reconhecendo seus privilégios e se envolvendo na transformação. Só com a participação de todos é que será possível enfrentar de maneira eficaz essas estruturas de opressão.

Por Vitória Carvalho, estagiária sob supervisão de Romênia Mariani

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo