O paradoxo chileno e o alerta para as eleições de 2026 no Brasil
O Chile caminha rumo a um segundo turno presidencial marcado por tensão e polarização, um paradoxo que acende um sinal vermelho na América Latina, com atenção especial ao Brasil às vésperas de 2026.
No primeiro turno, realizado neste domingo (16), extremos que pareciam inconciliáveis ganharam força. Mais de 11 milhões de chilenos foram às urnas, levando a disputa ao segundo turno entre dois projetos antagônicos: de um lado, Jeannette Jara, candidata do governo de centro-esquerda e integrante do Partido Comunista; de outro, José Antonio Kast, representante da extrema direita e defensor de uma agenda ultraconservadora, focada em segurança pública e anti-imigração.
Embora Jara tenha terminado à frente, com cerca de 26,9% contra 23,9% de Kast, o mapa eleitoral mostra que a soma dos votos da direita e da extrema direita supera com folga o campo progressista. Kast chega ao segundo turno fortalecido, impulsionado por um clima social marcado por insegurança, crime organizado e crise econômica e social, terreno fértil para discursos que prometem ordem à custa de direitos.
Quem vencer a eleição substituirá Gabriel Boric em março de 2026. O presidente não pode concorrer novamente, pois a legislação chilena permite apenas reeleição não imediata.
Da esperança ao voto do medo
A mudança no humor político chileno é evidente. Em 2021, a esquerda ascendeu embalada por mobilizações sociais e pela expectativa de uma nova Constituição. Quatro anos depois, a segurança pública tornou-se a maior preocupação dos eleitores, superando desigualdade, educação e serviços públicos.
O aumento da criminalidade, a presença de organizações estrangeiras e o crescimento da imigração, especialmente de venezuelanos, serviram de base para propostas de endurecimento penal. Os homicídios aumentaram 140% na última década, passando de uma taxa de 2,5 para 6 por 100 mil habitantes em 2024, segundo o governo. No ano passado, o Ministério Público relatou 868 sequestros, um aumento de 76% em relação a 2021.
A direita reorganizou-se e transformou o medo em plataforma eleitoral. Por isso, liderar o primeiro turno não garante vantagem. As pesquisas já indicavam que o sentimento social favorecia a direita na segunda etapa.
Insegurança e voto obrigatório: terreno fértil para o conservadorismo
O retorno do voto obrigatório também alterou o cenário. Milhões de eleitores que estavam afastados das urnas voltaram a votar, ampliando o peso de segmentos mais suscetíveis ao discurso da ordem. Diante da falta de respostas eficazes do Estado, soluções simplistas, como muros, deportações e militarização, ganharam apelo.
Por que o Chile interessa ao Brasil em 2026?
O processo chileno dialoga diretamente com tendências que avançam no Brasil:
- pressões pela militarização das escolas
- tentativas de ampliar a privatização da educação
- uso da violência para justificar políticas de controle social
O Brasil acaba de registrar uma megaoperação policial no Rio de Janeiro, com blindados e helicópteros em áreas densamente povoadas. O episódio ilustra como a pauta da segurança tem sido mobilizada politicamente, com impactos diretos sobre comunidades e escolas.
Em toda a região, crises sociais misturadas ao medo ampliam o espaço de projetos ultraconservadores que buscam retrocessos no campo educacional.
Um alerta para o campo progressista e para a educação
O Chile mostra como democracias podem mudar de rota rapidamente quando a insegurança se torna o principal vetor da política. Para entidades do movimento educacional, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), o alerta é claro:
- é necessário defender políticas públicas que enfrentem a violência sem sacrificar direitos
- é fundamental fortalecer a educação crítica diante do avanço de narrativas autoritárias alimentadas pelo medo
A lição chilena é direta. Sociedades que pedem mais direitos podem, em poucos anos, migrar para o punitivismo quando crises são instrumentalizadas politicamente.
O desafio brasileiro
No Brasil, o governo Lula vem, a duras penas, conseguindo implementar políticas sociais, educacionais e de proteção democrática que contrariam o avanço conservador regional. Os avanços existem, mas só se concretizam com grande esforço, como no caso da proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais, que dependeu de intensa negociação com um Congresso majoritariamente reacionário.
Essa correlação de forças abre flancos, intensifica disputas e mantém vivo o risco de retrocessos semelhantes aos observados no Chile. Por isso, as eleições de 2026 não podem ser analisadas apenas pela ótica presidencial: a composição do Congresso será decisiva para impedir que o país repita o paradoxo chileno.
O Chile revela hoje o que o Brasil pode enfrentar amanhã.
O paradoxo de lá é a advertência de cá.
Da Redação Contee





