O STF e o direito sem dever dos trabalhadores não associados/as!

José Geraldo Santana Oliveira*

Em julgamento virtual, de 13 a 24 de novembro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu a decisão do recurso de embargos de declaração, oposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR), com a finalidade de “i) evitar cobranças retroativas, ii) consignar que é inadmissível que ações de terceiros interfiram no livre exercício de oposição e iii) assentar a razoabilidade do valor a ser cobrado pelos sindicatos”.

Quanto ao primeiro quesito dos embargos, o STF definiu que a cobrança da contribuição assistencial somente é constitucional, ou seja, autorizada, a partir do dia 12 de setembro de 2023, quanto foi fixado o Tema 935-“É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”-; sendo vedada sua cobrança antes dessa data.

Quanto ao segundo quesito, o STF assegurou “a impossibilidade de interferência de terceiros no livre exercício do direito de oposição”.

Porém, no seu voto- acolhido pelos demais ministros, com exceção do ministro André Mendonça, que só admite a cobrança da cobrança mediante autorização expressa e individual-, o ministro Gilmar Mendes asseverou, em excertos:

“Nesse contexto, a Procuradoria-Geral da República, em seus embargos de declaração, manifesta preocupação quanto à possibilidade de interferências econômicas externas comprometerem o livre exercício do direito de oposição, o que poderia enfraquecer a utilização da via coletiva como instrumento de aprimoramento das condições de trabalho.

Considero a preocupação plenamente legítima. Nas razões recursais, o Parquet destaca o risco de intervenção indevida por parte do empregador.

Contudo, observo que não apenas o empregador pode restringir a liberdade de oposição. Casos relatados na mídia evidenciam que alguns sindicatos também têm imposto obstáculos à manifestação dos trabalhadores.

Em algumas situações as entidades sindicais exigem a apresentação presencial da oposição, mediante entrega de carta na sede do sindicato, por vezes com prazos bastante reduzidos. Em outras ocasiões, trabalhadores denunciam dificuldades para formalizar a oposição por meio de sites disponibilizados para esse fim, que frequentemente apresentam falhas ou ficam indisponíveis, ocasionando longas filas nas portas das entidades.

Verifica-se, portanto, que a atuação de alguns sindicatos tem, de forma inequívoca, dificultado indevidamente o direito assegurado pelo STF aos trabalhadores não sindicalizados de apresentar oposição ao pagamento da contribuição assistencial.

Diante disso, é fundamental registrar expressamente que é indevida qualquer intervenção de terceiros, sejam empregadores ou sindicatos, com o objetivo de dificultar ou limitar o direito de livre oposição ao pagamento da contribuição assistencial.

É imprescindível, ainda, que os trabalhadores disponham de meios acessíveis e eficazes para formalizar sua oposição, assegurando-lhes o uso dos mesmos canais disponíveis para a sindicalização”.

Quanto ao terceiro quesito, o STF estabeleceu que a referenciada contribuição assistencial deve ser fixada em valores razoáveis, sem dizer como o quantificar. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes     asseverou:

“III) Da razoabilidade dos valores a serem cobrados a título de contribuição assistencial também merece acolhimento a alegação da embargante, no sentido de que deve constar de forma expressa que o valor da contribuição assistencial deve ser fixado em patamar razoável. A fixação de valores razoáveis e compatíveis com a capacidade econômica da categoria resguarda não apenas os trabalhadores mas também a própria entidade sindical. Isso porque a adoção de parâmetros justos e razoáveis tende a reduzir o número de manifestações de oposição, promovendo maior adesão e coesão da base de trabalhadores em torno dos objetivos coletivos da entidade.

Assim, a definição do valor da contribuição assistencial deve ser construída de forma transparente e democrática, fundamentada nas reais necessidades sindicais e deliberada em assembleia, sempre buscando o equilíbrio entre o custeio das atividades e o respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores”.

O dispositivo da decisão sob comentários ficou assim exarada: “IV) Dispositivo  Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, com efeitos integrativos, para determinar que: i) fique vedada a cobrança retroativa da contribuição assistencial em relação ao período em que o Supremo Tribunal Federal mantinha o entendimento pela sua inconstitucionalidade; ii) seja assegurada a impossibilidade de interferência de terceiros no livre exercício do direito de oposição; e iii) o valor da contribuição assistencial observe critérios de razoabilidade e seja compatível com a capacidade econômica da categoria”.

Destarte, o comentado julgamento não oferece nenhuma surpresa aos sindicatos nem representa qualquer retrocesso ao que foi estipulado no Tema 935.

No que diz respeito à proibição de cobrança da contribuição assistencial antes de 12 setembro de 2023, essa já era a orientação da Contee aos sindicatos a ela filiados. Bem assim, no que pertine à razoabilidade do percentual a ser fixado a esse título. A sugestão da Contee foi de que, respeitada a autonomia de cada sindicato, o percentual indicado, que reduz ao máximo questionamentos impertinentes, é o mesmo da contribuição sindical – impropriamente chamada de imposto sindical-, que corresponde a um dia de trabalho, ou 3,33% da remuneração. Mantenho esse entendimento.

Já, no tocante ao direito de oposição, a comentada decisão do STF encerra, a um só tempo, aspectos positivo e negativo; sendo positiva a absoluta proibição a ingerência patronal, por qualquer meio que seja, com o mau propósito de induzir e, com frequência exigir, a oposição sistemática ao desconto dessa contribuição, com a espúria finalidade de provocar o total definhamento sindical.

A teor da decisão do STF, qualquer ingerência, direta ou indireta, caracteriza-se como conduta antissindical e crime contra a livre organização do trabalho.

Não obstante esse aspecto positivo, são altamente negativos a garantia de que o direito de oposição seja individual, amplo e sem prazo específico e a possibilidade de os sindicatos serem, igualmente, condenados por prática antissindical, como se colhe da fundamentação do item ii da decisão.

Mais uma vez, o STF faz ouvidos moucos à garantia constitucional de que todos são iguais perante a lei, em direitos e deveres (Art. 5º, I, da CF); ao multissecular e universal princípio da isonomia, ao tratar associados e não associados de forma desigual, permitindo que estes usufruam das conquistas convencionais, sem a obrigação de para elas contribuir; e, ainda, e o que é mais grave, retira da assembleia geral a soberania para deliberar sobre meios, modo, tempo e lugar para o famigerado direito de oposição.

Com mais essa decisão, o STF reafirma a condição do Brasil como único país do mundo democrático a considerar constitucional a indecente e imoral possibilidade de que os não associados tenham direitos sem deveres; fazendo tábula rasa dos cânones constitucionais e dos ensinamentos do operário e poeta Eugene Pottier, em seu belíssimo e imortal poema “ A Internacional, de 1871”:

Somos iguais todos os seres
Não mais deveres sem direitos
Não mais direitos sem deveres”

Diante dessa cruzada do STF, que esvazia a discussão do TST, no incidente de resolução de demanda repetitiva (IRDR) 1000154-39.2024.5.00.0000- no qual a Contee foi admitida como amicus curiae-, que tem como finalidade o estabelecimento dos meios, modo, tempo e lugar para exercício do malsinado direito de oposição; há necessidade de que se abra amplo debate, com a participação de todas as entidades filiadas à Contee, com vistas à uniformização de procedimento sobre esse tema, com cautela e firmeza.

Ao debate!

*José Geraldo Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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