Audiência pública na Câmara debate a fusão entre Kroton e Anhanguera e a financeirização do ensino superior

A coordenadora da Secretaria de Assuntos Institucionais da Contee, Nara Teixeira de Souza, e o consultor jurídico da Confederação, José Geraldo de Santana Oliveira, acompanharam hoje (10) a audiência pública realizada pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para discutir a fusão entre as empresas Kroton Educacional e Anhanguera Educacional, e seu impacto na qualidade do ensino brasileiro.

A audiência foi requerida pelos deputados Chico Alencar, Ivan Valente, Jean Wyllys (todos do PSOL) e Celso Jacob (PMDB) e teve como um dos debatedores o presidente da Fepesp, Celso Napolitano, além do representante da Kroton Rodrigo Capelato, da professora da UnB Cristina Helena Almeida de Carvalho (que pesquisa a questão da financeirização do ensino superior no Brasil) e do diretor do Fórum das Entidades Representativas de Ensino Superior Particular José Roberto Covac.

O Ministério da Educação foi convidado para o debate, mas não compareceu. Em vez disso, enviou carta à Comissão de Educação alegando que o MEC não tem conhecimento oficial sobre a operação financeira, que ainda se encontra sob análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômico (Cade), e que, portanto, não compete à Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) se pronunciar sobre o tema.

O teor da carta foi criticado pelos deputados, que a consideram um desrespeito ao Parlamento e à educação brasileira. “A não ser que o MEC ache que a educação é para ser discutida na bolsa de valores”, ironizou o deputado Ivan Valente. “É um desrespeito à educação e aos educadores desse país.”

Em sua fala, o presidente da Fepesp tomou a justificativa do MEC como exemplo de como é importante uma maior atuação da pasta sobre as aquisições e fusões de empresas educacionais, como é proposto no projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes). “O MEC não tem a menor ingerência educacional sobre a questão das fusões e confessa isso nessa resposta”, apontou o professor Celso Napolitano. “O MEC trata a fusão entre duas empresas de educação – falando aqui sem qualquer preconceito ou discriminação – como se fosse a fusão entre a Sadia e a Perdigão; como se educar os jovens brasileiros fosse vender salsichas.”

Em sua intervenção, o presidente da Fepesp abordou todo o processo de mercantilização e financeirização da educação superior no país – citando, além da própria questão Kroton-Anhanguera, casos específicos, como o da Uniesp e o da recente compra da FMU pela Laureate –, o crescimento da educação a distância, a relação dessas empresas com programas governamentais como o ProUni e o Fies, os impactos trabalhistas como a demissão, sobretudo, de professores doutores.

“Educação no Brasil hoje virou um excelente negócio. A educação superior então é um negócio melhor ainda”, criticou Napolitano. “Por que as empresas e os fundos financeiros estão interessadas em investir na educação no Brasil? Para qualificar o jovem e o trabalhador brasileiro ou para ganhar dinheiro?”

O diretor da Fepesp também citou o documento aprovado pelo Fórum Nacional de Educação, com a assinutura de 25 entidades – entre as quais a Contee, a UNE e a própria Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) – e as questões básicas que o FNE propõe que sejam discutidas: o impacto dessa fusão e de todo o processo de financeirização para a educação brasileira; a construção do padrão de qualidade social da educação; os princípios constitucionais da valorização dos profissionais da educação e da liberdade de ensinar e aprender; a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; e os interesses maiores da educação como política estratégica de desenvolvimento social.

Já em suas considerações finais, Celso também ressaltou que não se trata de ser contra as escolas particulares, principalmente porque tanto a Fepesp quanto a Contee representam trabalhadores da educação privada. Trata-se, antes sim, de combater essa possibilidade de negócio fácil e lucrativo que tem existido na educação superior sem uma regulação do MEC.

Estudo

A fala de Celso Napolitano foi complementada pelo estudo apresentado pela professora Cristina Carvalho sobre todo o processo de financeirização, que demonstrou a concentração financeira e a oligopolização do setor. Além disso, a pesquisadora da UnB destacou como as empresas educacionais mercantis têm se valido do ProUni e do Fies para conferir estabilidade aos seus negócios – já que, com eles, têm recursos certos com inadimplência nula – e passar confiabilidade aos acionistas. Segundo ela, 20% das matrículas presenciais da Anhanguera e 45% da Kroton são custeadas via Fies.

A professora também apontou que com o agravamento da mercantilização, nesse processo de financeirização, a maximização dos lucros foi transformada na maximização do valor acionário.  “Há evidências do impacto no trabalho docente, mostrado pelas duas CPIs do Ensino Superior, realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro”, afirmou. Ela também ressaltou o impacto negativo sobre o processo educacional. Um exemplo recente, conforme Cristina, é o próprio resultado do Enade. Numa análise rápida feita por ela sobre os cursos possíveis de serem detectados na listagem divulgada nesta semana pelo MEC, 53% dos cursos oferecidos por instituições mantidas pela Anhanguera tiveram notas 1 e 2.

Nota pública

Durante a audiência, a coordenadora da Secretaria de Assuntos Institucionais da Contee, Nara Teixeira de Souza, distribuiu uma nota pública da Confederação reafirmando o combate à financeirização e a defesa da aprovação do Insaes.

Leia abaixo a nota pública da Contee:

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – Contee, enquanto entidade representativa de quase 1 milhão de professores e técnicos administrativos que atuam no setor privado, luta pela garantia de oferta e qualidade da educação pública e pela regulamentação da educação privada. Essa batalha tem enfrentado, nos últimos anos, o acirramento da financeirização da educação superior no Brasil, a qual a Contee tem combatido por meio da campanha “Educação não é mercadoria!”, que denuncia a preocupação do empresariado do setor com seus lucros, em detrimento dos estudantes, dos trabalhadores e da própria qualidade do ensino.

O anúncio da fusão entre as empresas Anhanguera Educacional Participações S/A e Kroton Educacional S/A – ainda sob avaliação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) –, feito no primeiro semestre deste ano, representa um atentado à educação superior no Brasil, porque é símbolo máximo da mercantilização do ensino, nesse processo de financeirização e desnacionalização da educação superior no país.

Na verdade, tal operação financeira simboliza o ápice do desmonte do ensino superior brasileiro, com a instauração de um oligopólio no setor, já que a companhia resultante da fusão teria faturamento bruto de R$ 4,3 bilhões, mais de 1 milhão de alunos e valor de mercado próximo a R$ 12 bilhões. O número de estudantes corresponde a 20% das matrículas no Brasil, grande parte das quais mantidas à base de investimentos públicos, através de programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies).

As instituições e cursos mantidos atualmente pelos dois grupos empresariais foram credenciados pelo Ministério da Educação mediante o atendimento de uma série de critérios normativos, entre os quais o cumprimento de um projeto pedagógico determinado – critérios que se colocam em risco com a anunciada fusão. Risco, aliás, que tem se confirmado em cada incorporação de instituições brasileiras de educação superior a grupos financeiros nacionais e internacionais, cujo objetivo é investir em ações que no mercado financeiro se tornem atrativas.

A Contee tem envidado todos os esforços, junto ao Cade, ao Ministério Público Federal, ao Fórum Nacional de Educação, ao MEC e ao Congresso Nacional contra tal absurdo. Além disso, após as CPIs do Ensino Superior nas Assembleias Legislativas do Rio de Janeiro e de São Paulo, é mais do que urgente a instauração de uma CPI no Congresso Nacional para apurar denúncias e irregularidades no setor, bem como é imprescindível a regulamentação da educação privada no Brasil.

Além disso, para combater a financeirização e a oligopolização, a Contee ressalta a importância da aprovação do Projeto de Lei 4.372/12, que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes), o qual representa uma maior capacidade do Estado de atuar na garantia da qualidade da educação, inclusive em instituições que vivem do dinheiro público. Para isso, entre outros pontos, PL determina que as fusões e incorporações se deem mediante aprovação prévia do MEC. Também exige que, para credenciamento e recredenciamento, as instituições estejam em regularidade perante as fazendas federal, estadual e municipal, a seguridade social, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a Justiça do Trabalho.

Combater a financeirização, a desnacionalização e a oligopolização é uma batalha cara à Contee e papel de toda a sociedade e do Poder Público, representado por seus três poderes. Admitir a concretização de operações financeiras como a fusão entre Kroton e Anhanguera é abrir mão dessa função essencial, que é a de garantir a educação como direito, e não como serviço ou mercadoria. A educação não pode continuar a ser negociada na bolsa de valores.

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – Contee

Da redação

Foto da home: Zeca Ribeiro/ Câmara dos Deputados 

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