Poder econômico pode influenciar a eleição
Parcela significativa do empresariado, do sistema financeiro e da direita brasileira – esta não se assumia como tal até pouco tempo atrás – nunca aceitou ou se conformou com o desenho do Estado incluído na Constituição de 1988, tido por eles como intervencionista, do ponto de vista econômico, e perdulário, do ponto de vista fiscal.
Antônio Augusto de Queiroz*
Um grupo de empresários – inicialmente formado por Eduardo Mofarej, Nizan Guanaes, Abílio Diniz, Luciano Huck e Armínio Fraga – está organizando um “fundo cívico” para influenciar a eleição de parlamentares de 2018, com o propósito de doutrinar e apoiar a eleição de candidatos identificados com o ideário neoliberal, a exemplo do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad).
O Ibad foi criado em 1959 sob o pretexto de combater o “comunismo” e o populismo do governo Juscelino Kubitschek, porém seu apogeu se deu na eleição congressual de 1962 e no combate às reformas de base de João Goulart. Era uma organização de extrema-direita, com ligações com a Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA, que se estruturou para influenciar os debates econômico, político e social no país, por meio de ações publicitárias e políticas, bem como para financiar candidatos identificados com o ideário da organização.
Para dar suporte financeiro à campanha, o Ibad criou braços operacionais, como a Ação Democrática Popular (Adep), voltada para financiar as eleições dos candidatos escolhidos no pleito de 1962, e passou a atuar em conjunto com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), cuja finalidade era produzir e difundir conteúdos anticomunistas e contrários às reformas de base. Foi o embrião do golpe militar de 1964.
A nova organização tem exatamente a mesma finalidade, ou seja, recrutar, treinar e angariar recursos para financiar candidatos comprometidos:
1) com o Estado mínimo (leia-se sem presença na economia, seja na regulação seja na exploração da atividade econômica, nem na prestação de serviços e no fornecimento de bens e programas sociais);
2) com a responsabilidade fiscal (leia-se gerar superávit e garantir recursos para honrar compromissos com as dívidas interna e externa);
3) com a defesa da ética (leia-se ampliação da desqualificação da política, do Estado e dos agentes públicos); e
4) com a sustentabilidade (conceito que tanto serve para defender o meio ambiente quanto para inviabilizar políticas públicas em favor dos mais pobres).
Operacionalmente também seguirá o mesmo padrão do Ibad, promovendo cursos, treinamentos e doutrinação de candidatos que se disponham a assumir a defesa da agenda neoliberal e do Consenso de Washington, que tinha sido interrompida durante os governos do PT e retornou com força total no governo Temer, além de financiá-los e promover campanhas publicitárias em defesa desse ideário. As parcerias, tal como no período do Ibad, serão com as entidades e movimentos liberais e de direita, como o Instituto Millenium e o Movimento Brasil Livre (MBL) além de outras organizações nacionais e internacionais que patrocinam campanhas publicitárias e candidatos em defesa do estado mínimo, da redução do gasto público e da prevalência do mercado sobre a política.
A ideia do grupo é eleger de 70 a 100 deputados para dar continuidade à agenda colocada em prática pelo governo Temer, de entrega do patrimônio público nacional, de desmonte do Estado de proteção social e de privatização dos serviços prestados pelo Estado. Os poderes e os recursos do Estado, em lugar de serem utilizados no combate à desigualdade (regionais e de renda) e em favor da inclusão social, serão canalizados para garantir contratos e propriedade, proteger a moeda e contratar serviços no setor privado, dentro da lógica do Estado mínimo.
Parcela significativa do empresariado, do sistema financeiro e da direita brasileira – esta não se assumia como tal até pouco tempo atrás – nunca aceitou ou se conformou com o desenho do Estado incluído na Constituição de 1988, tido por eles como intervencionista, do ponto de vista econômico, e perdulário, do ponto de vista fiscal. Foram e continuam contra, particularmente, a constitucionalização de direitos (de trabalhadores e servidores), a permanência de empresas estatais em setores-chave, como infraestrutura e sistema financeiro, e o conceito de Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social), que universalizou o atendimento e ganhou orçamento próprio.
Tanto isso é verdade que na própria Constituinte essas forças fomentaram o “Centrão” para impedir aquele desenho de Estado. Desde 1988 esses setores tentam modificar a Constituição, como ocorreu na revisão constitucional (1992-1993), nos governos Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), no governo Temer, e, como o atual governo não dispõe de tempo para concluir o desmonte, vão investir na eleição de parlamentares para desconstitucionalizar as bases de um Estado forte e presente, econômica e socialmente.
Os partidos comprometidos com o interesse nacional e com um Estado de proteção social, assim como os movimentos sociais, precisam se unir para fazer o contraponto à essas forças – exatamente as mesmas que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff –, sob pena de anular as conquistas da Constituição de 1988.
Na época do Ibad houve uma CPI no Congresso e o instituto foi dissolvido pela Justiça em 1963.
E esse movimento, que, contrariando a proibição de financiamento empresarial de campanha, pode desequilibrar as disputas eleitorais com a influência do poder econômico, será objeto de algum questionamento? Com a palavra as autoridades dos três poderes e do Ministério Público! Onde estão as ONG de transparência e defesa da ética e do equilíbrio nas disputas eleitorais? Se não houver reação, a política será 100% capturada pelo mercado.
(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap. Texto publicado originariamente no portal da revista eletrônica Teoria & Debate