Catalunha celebra eleições para aplacar ou aprofundar a crise independentista

Os dois blocos antagônicos, independentista e constitucionalista, chegam às eleições parlamentares desta quinta-feira empatados

TALITA BEDINELLI

Cerca de 5,5 milhões de catalães estão aptos para votar nas eleições regionais extraordinárias mais atípicas da Espanha desde a volta do país à democracia em 1978. A ideia é eleger o novo Governo da Catalunha, uma das 17 comunidades autônomas espanholas, já que o anterior foi destituído pelo Governo central após a realização de um referendo independentista ilegal. Mas o que é evidente para muitos observadores políticos é que o que está em jogo neste pleito é a decisão dos catalães de dar força ao movimento separatista ou de colocá-lo para trás, ao menos por enquanto.

O panorama é inédito. Todo o Governo catalão destituído é investigado pelo Tribunal Supremo espanhol. Vários ex-conselheiros e o ex-presidente da comunidade autônoma, Carles Puigdemont, se refugiam em Bruxelas e há outros na prisão. É o resultado do referendo separatista de 1 de outubro, considerado ilegal pelo Tribunal Constitucional espanhol, que obteve 90% dos votos pela independência, ainda que com uma forte abstenção de quem não queria legitimar o processo, pouca segurança eleitoral, e violenta repressão policial por parte do Governo da Espanha.

A solução da crise, ao menos na teoria, pode estar na eleição dos 135 deputados do Parlamento catalão. Conseguir mais de 50% dos votos é fazer uma exibição de força. O lado político que obtiver a maioria necessária das cadeiras poderá escolher o próximo presidente da Catalunha. E esta é a meta que tanto o bloco independentista quanto o chamado constitucionalista (contrário ao separatismo) têm para esta quinta-feira.

Nestes últimos meses, os independentistas não conseguiram chegar a um acordo para formar uma lista de deputados única, mas garantem que compartilham muitos pontos de programa em comum, especialmente a “recuperação das instituições após a aplicação do artigo 155 da Constituição”, que permitiu que o Governo central espanhol destituísse o Governo catalão. O bloco chega à eleição dividido em três partidos — Junts per Catalunya (JxCat), ERC e CUP— e corre o risco de perder, segundo as pesquisas, a maioria absoluta que conquistou nas últimas eleições, de 27 de setembro de 2015, perdendo terreno para um bloco constitucionalista em alta. Isto dificultaria a posse de um presidente fiel à tese separatista, garantindo a vitória moral de Rajoy (PP).

Os independentistas resistem a dar por morto o processo de independência, mas a constatação de que ela é inviável por via unilateral e dificilmente será reconhecida por outros países fez com que mudassem de estratégia durante a campanha. Fixaram como prioridade o fim da aplicação do artigo 155. E depois se verá.

Já os três partidos constitucionalistas, que apoiaram a aplicação do artigo 155 (Ciudadanos, Partit dels Socialistes e PP) prometeram colocar um ponto final no processo independentista e afirmam que, apesar de suas diferenças políticas, farão um Governo de coalizão caso somem a quantidade de cadeiras suficientes para formar a maioria e eleger um presidente.

A principal incógnita desta jornada eleitoral será saber quais das forças conseguirá as 68 cadeiras majoritárias. Um modelo eleitoral feito pelo EL PAÍS, que agrega dezenas de pesquisas realizadas antes do pleito, projeta um empate entre Ciudadanos (não-separatista) e ERC (separatista). segundo a previsão, o bloco independentistas (com os três partidos) têm probabilidade de somar uma maioria de cadeiras em 54% das simulações. Em 46% delas, o bloco constitucionalista é que consegue eleger 68 deputados. Às vésperas da votação, tudo ainda parece bastante incerto.

Deputados presos

Além do tumultuado processo, que já se estende por meses, a eleição é marcada pela existência de candidatos que estão presos ou fugiram do país. A lista de deputados do ERC, por exemplo, é encabeçada pelo ex-vice-presidente da comunidade autônoma, Oriol Junqueras, que se encontra preso preventivamente em Madri, de onde ele já exerceu seu direito de voto por correspondência. Seu lugar de destaque na lista significa que ele será, certamente, um dos deputados eleitos pela legenda. O mesmo acontece com o ex-presidente catalão refugiado em Bruxelas. Puigdemont é o primeiro deputado da lista do Junts per Catalunya.

O regulamento do Parlamento catalão não exige que os requisitos para o “acesso ao pleno exercício da condição de deputado” sejam feitos de forma presencial, de modo que poderiam ser realizados pelo representante geral da candidatura, no caso dos presos e dos fugitivos. Mas para ser eleito presidente é preciso ser deputado e realizar um discurso na Câmara, por isso o cenário se apresenta ainda mais complicado para Junqueras e Puigdemont. Se Puigdemont voltar à Espanha também corre o risco de ser encarcerado.

Mas apesar das muitas pesquisas divulgadas, ninguém sabe o que acontecerá no dia seguinte às eleições catalãs. As urnas dificilmente resolverão um problema que está enraizado há décadas. A polarização no país é extrema e a convivência entre as duas partes do conflito está gravemente prejudicada.

El País

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