TST: Misto de Caronte e Hades dos direitos trabalhistas
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Na mitologia grega, Hades era o reino dos mortos; cabia ao barqueiro Caronte — filho de Erebus, deus da escuridão, e Nix, deusa de noite — fazer a travessia dos mortos, que carregassem, em sua boca, uma moeda do reino dos vivos para ele, pelos rios Estige e Aqueronte.
A Justiça do Trabalho, notadamente o Tribunal Superior do Trabalho (TST), pelo que se deduz de muitas decisões tomadas após o início de vigência da Lei N. 13467/2017, dia 11 de novembro de 2017, prontifica-se a ser, simultaneamente, o barqueiro Caronte e o Hades dos direitos fundamentais sociais contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), impiedosamente vilipendiados por aquela lei ou, ilustrativamente, mortos.
Para comprovar essa assertiva, trazem-se aqui quatro decisões do TST, sendo a primeira do Pleno do TST, de 18 de dezembro de 2017, no Processo RO N. 10782.38.2015.5.03.0000, com acórdão publicado no dia 16 de abril corrente, modificando a jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos (SDC), firmada a partir do RODC — recurso ordinário em dissídio coletivo — N. 309/2009, que exigia negociação prévia com os respectivos sindicatos, nos processos de demissões coletivas; a segunda, do presidente, tomada na Reclamação Correicional N. 1000136-28.2018.5.00.0000, contra decisão da desembargadora Ivete Ribeiro, do TRT da 2ª Região (SP), para suspender os efeitos da decisão liminar que negara, em ação de mandado de segurança, a suspensão do desconto da contribuição sindical de todos os trabalhadores da empresa Aliança Navegação e Logística Ltda, até que seja julgado o agravo regimental, pelo próprio TRT; a terceira, do corregedor, tomada na Reclamação Correicional N. 1000178-77.2018.5.00.0000, contra decisão do desembargador Luís Henrique Rafael, do TRT da 15ª Região — com sede em Campinas (SP), com iguais conteúdo e decisão, envolvendo os trabalhadores da PUC Campinas; e, a quarta, da 5ª Turma, tomada no Processo RR 8-22.2013.5.20.0007, com acórdão publicado no dia 13 de abril corrente, tratando, na parte aqui citada, do uso de imagem do trabalhador.
Na primeira decisão, o Pleno do TST, por maioria, aprovou o voto divergente da ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora designada, que altera o entendimento da SDC, quanto às demissões em massa.
A ementa do acórdão, publicado no dia 16 de abril corrente, acha-se exarada:
“RECURSO ORDINÁRIO — DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA – INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA — DISPENSA EM MASSA
O Dissídio Coletivo não é a via adequada para tratar da dispensa coletiva de trabalhadores, já que não há pedido de interpretação de normas autônomas ou heterônomas específicas da categoria. Hipótese de Dissídio Individual para tutelar interesse concreto do trabalhador. Inteligência do art. 220, II, do RITST e da Orientação Jurisprudencial nº 7 da C. SDC.
Recurso Ordinário conhecido e desprovido”.
Pela dimensão que esta decisão tomará, nos futuros julgamentos da SDC, quanto às demissões coletivas, trazem-se aqui excertos do voto vencedor, que valida o Art. 477-A da CLT — com a redação dada pela Lei N. 13467/2017 —, que trata as demissões na contramão do que preconiza o Art. 7º, inciso I, da CF, “proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar”, bem como da anterior jurisprudência do TST.
“Antes da Lei nº 13.467/2017, não havia qualquer regra jurídica específica sobre a necessidade de negociação coletiva prévia à dispensa coletiva, o que indica que a matéria não é própria de Dissídio Coletivo.
Esta conclusão é reforçada pelo advento da referida lei, que afirmou a desnecessidade de autorização prévia de sindicato ou de instrumento coletivo autônomo para a efetivação da dispensa coletiva. Transcrevo o art. 477-A da CLT:
Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
O argumento deve ser considerado, já que o entendimento adotado por esta Corte Superior será aplicado em casos futuros”.
Votaram vencidos os ministros: Kátia Magalhães Arruda, Relatora, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Maria Helena Mallmann, Lelio Bentes Corrêa, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Walmir Oliveira da Costa e Maurício Godinho Delgado.
Na segunda decisão, o presidente assentou, como razão de decidir:
“Conquanto a decisão em pedido liminar se situe no poder geral de cautela do juiz, o indeferimento do pedido neste caso importou em tumulto processual com a manutenção de decisão de natureza satisfativa do mérito antes mesmo da audiência de instrução e, portanto, anterior ao trânsito em julgado da decisão de mérito na ação coletiva. Hipótese de incidência do art. 13 do RICGJT.
Com efeito, a decisão antecipatória de tutela, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Sindicato dos Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários do Estado de São Paulo, foi proferida a partir de um juízo superficial, e não exauriente, tendo sido determinado genericamente o recolhimento da contribuição sindical de todos os empregados das Requerentes.
Essa circunstância, como descrita, caracteriza a situação extrema e excepcional a atrair a atuação acautelatória da Corregedoria-Geral, a fim de impedir lesão de difícil reparação, com vistas a assegurar eventual resultado útil do processo, até que ocorra o exame da matéria pelo órgão jurisdicional competente.
Note-se que o imediato cumprimento da determinação de recolhimento da contribuição sindical de todos os empregados em decisão antecipatória de tutela consubstancia lesão de difícil reparação, na medida em que impõe o dispêndio de quantia vultosa, sem que tenha sido fixada qualquer garantia caso, ao final do processo, após a cognição exauriente, venha a ser julgado improcedente o pedido.
Ressalte-se que há cominação de multa diária, no caso de descumprimento da obrigação, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com fixação do prazo de 15 dias para o cumprimento da decisão.
Por fim, frise-se que o permissivo contido no parágrafo único do artigo 13 do RICGJT possui natureza eminentemente acautelatória, e sua aplicação não acarreta manifestação conclusiva sobre a pretensão formulada no mandado de segurança ou na ação civil pública em que deferida a antecipação de tutela, mas simples juízo de prevenção similar ao contido nas tutelas provisórias de urgência.
Ante o exposto, com fundamento no parágrafo único do art. 13 e 20,II do RICGJT, DEFIRO parcialmente a liminar requerida, até o julgamento do Agravo Regimental interposto no Mandado de Segurança n.o 1000590-51.2018.5.02.0000, para suspender a decisão que antecipou os efeitos da tutela nos autos da Ação Civil Pública nº 1000097-12.2018.5.02.0441 e, por consequência, suspender a decisão que determinou o recolhimento da contribuição sindical de todos os empregados das Requerentes […].
BRASÍLIA, 26 de Março de 2018
JOAO BATISTA BRITO PEREIRA
Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho
no exercício da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho”.
Na terceira decisão, o corregedor, como fundamentos decisórios, assevera:
“Com efeito, a decisão monocrática que indeferiu o pedido liminar, objeto da presente Reclamação Correicional, está assim fundamentada (grifos no original): Trata-se de Mandado de Segurança interposto por GOMES E HOFFMANN, BELLUCCI, PIVA ADVOGADOS contra ato da EXMA. JUÍZA DO TRABALHO LUCIANA NASR, da 4ª Vara do Trabalho de Campinas, nos autos do Processo nº 0010325-03.2018.5.15.0053.
‘O impetrante relata e comprova que é réu em ação civil pública, em trâmite na 4ª Vara do Trabalho de Campinas, onde a autoridade dita coatora antecipou os efeitos da tutela do pedido de que efetuasse o desconto de contribuição sindical de seus empregados sobre o salário de março, efetuando o repasse posteriormente ao Sindicato autor daquela ação. Deu à causa o valor de R$ 1.000,00.
Verificada a regularidade formal e de representação do impetrante, além da observância do prazo decadencial, conhece-se do mandamus. À análise. De fato, o Juízo de origem, deparando-se com o pedido de antecipação da tutela, assim decidiu: ‘(…) Da análise dos argumentos trazidos pelo sindicato autor verifica-se que está presente a probabilidade do direito. Isto porque, inegavelmente a contribuição sindical, anteriormente denominada de ‘imposto sindical’ e instituída pela Constituição Federal de 1937, possui natureza jurídica de tributo devendo observar as disposições do art. 146, III da Constituição Federal de 1988, conforme previsto no art. 149 da Carta Maior: ‘Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto ID. 3c6e842 — Pág. 3 como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.’ Considerando que a contribuição sindical é tributo, ela possui caráter compulsório nos termos do art. 3º do CTN. Nesse diapasão, a modificação realizada pela Lei nº 13.467/2017 deveria ter sido promovida por lei complementar nos exatos termos do art. 146, III da Constituição Federal de 1988. Desta forma, é patente a inconstitucionalidade da alteração já que promovida por lei ordinária. O perigo da demora também encontra-se presente já que a entidade sindical se mantêm com os recursos provenientes dos repasses realizados pelas empresas além do fato de que o desconto deverá ser promovido no salário do mês de março. Desse modo, presentes os requisitos estampados no art. 300 do CPC/2015, defere-se a antecipação dos efeitos da tutela na forma requerida. (…)’ Considerando-se que não há recurso específico a amparar o alegado direito, o Mandado de Segurança é, portanto, ação adequada para atacar a decisão exarada pela autoridade dita coatora. Pois bem. Dispõe o art. 1º da Lei 12.016/2009 que conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo nas hipóteses do ato inquinado haver sido cometido ilegalmente ou com abuso de poder, verbis : Art. 1° Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. Não se verifica qualquer abuso de poder ou ilegalidade, tampouco violação a direito pela autoridade dita coatora, sendo certo que, justificada na probabilidade do direito invocado e no perigo da demora, antecipou os efeitos da tutela requerida com fundamento no art. 300 do CPC/2015. Não é demais referir a plausibilidade do direito do autor do Processo nº 0010325- 03.2018.5.15.0053, uma vez que a jurisprudência há muito consolidada reconhece a natureza tributária da contribuição sindical pleiteada. Verifica-se: ‘CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. NATUREZA JURÍDICA DE TRIBUTO. COMPULSORIEDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (RE496456, publicado em 21/08/2009, Relatora Ministra Carmem Lúcia). “TRIBUTÁRIO. RECURSOS ORDINÁRIOS EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL CONFEDERATIVA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL COMPULSÓRIA. DIFERENÇAS. INCIDÊNCIA DESSA ÚLTIMA PARA TODOS OS TRABALHADORES DE DETERMINADA CATEGORIA INDEPENDENTEMENTE DE FILIAÇÃO SINDICAL E DA CONDIÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA OU ESTATUTÁRIO.1. A Carta Constitucional de 1988 trouxe, em seu art. 8º, IV, a previsão para a criação de duas contribuições sindicais distintas, a contribuição para o custeio do sistema confederativo (contribuição confederativa) e a contribuição prevista em lei (contribuição compulsória). 2. A contribuição confederativa é fixada mediante assembleia geral da associação profissional ou sindical e, na conformidade da jurisprudência do STF, tem caráter compulsório apenas para os filiados da entidade, não sendo tributo. Para essa contribuição aplica-se a Súmula n. 666/STF: “A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”. 3. Já a contribuição compulsória é fixada mediante lei por exigência constitucional e, por possuir natureza tributária parafiscal Sua previsão legal está nos artigos respaldada no art. 149, da CF/88, é compulsória. 578 e ss. da CLT, que estabelece: a sua denominação (“imposto sindical”), a sua sujeição passiva (“é devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal representada por entidade associativa”), a sua sujeição ativa (“em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, em favor da federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional”) e demais critérios da hipótese de incidência.4. O caso concreto versa sobre a contribuição compulsória (“imposto sindical” ou “contribuição prevista em lei”) e não sobre a contribuição confederativa. Sendo assim, há que ser reconhecida a sujeição passiva de todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal representada por entidade associativa, ainda que servidores públicos e ainda que não filiados a entidade sindical. 5. Recursos ordinários providos para conceder o mandado de segurança a fim de determinar que a autoridade impetrada proceda ao desconto anual da contribuição sindical compulsória.” (RMS 38416 SP 2012/0126246-5, Segunda Turma, DJe 04/09/2013, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques) Como registro de entendimento jurisprudencial de destaque, tem-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 126 – DF, em que se pretendia discutir da compulsoriedade da contribuição sindical em face da liberdade sindical insculpida na Constituição da República Federativa do Brasil, constando da ementa do acórdão, cujo Relator foi o Ministro Celso de Mello, a natureza tributária da contribuição, conforme se tem a seguir transcrito: “AUSÊNCIA, NO CASO, DE QUALQUER INCERTEZA OU DE INSEGURANÇA NO PLANO JURÍDICO,NOTADAMENTE PORQUE JÁ RECONHECIDA, PELO STF, MEDIANTE INÚMEROS JULGAMENTOS JÁ PROFERIDOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, A PLENA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL, QUE SE QUALIFICA COMO MODALIDADE DE TRIBUTO EXPRESSAMENTE PREVISTA NO PRÓPRIO TEXTO DA LEI FUNDAMENTAL.’ ADFP nº 126 – DF, DJe 22.02.2013, Relator Ministro Celso de Mello. Não bastasse, certo que a atribuição de facultatividade à verba de natureza tributária, inserida pela Lei 13.467/2017, contraria princípios básicos do Direito, além de afrontar claramente a organização de sistema sindical vigente no Brasil há mais de setenta anos e que tem servido de lastro para a consolidação dos direitos sociais no país. Anoto, por fim, que, não obstante a facultatividade arrecadatória incluída no art. 582 da CLT pelo novel diploma, todo o sistema de arrecadação foi mantido – destacandose os artigos 583 e 589 da CLT – , sem que tenha sido previsto pelo legislador ordinário, inclusive porque não poderia, qual a fonte de custeio que substituiria a parte da arrecadação destinada à União Federal, ofendendo-se, de outra banda, à própria Lei de Responsabilidade Fiscal. Dessa maneira, não há como se desconsiderar a relevância dos fundamentos que justificaram a decisão atacada e, com isso, a sua plausibilidade. Também não há como se desconsiderar o risco que a demora na solução do processo originário pode ensejar ao sistema de custeio do Sindicato autor da ação originária. Nessa conformidade, indefere-se a liminar pleiteada’.
Consoante disposto no artigo 13, cabeça, do RICGJT, ‘a Correição Parcial é cabível para corrigir erros, abusos e atos contrários à boa ordem processual e que importem em atentado a fórmulas legais de processo, quando para o caso não haja recurso ou outro meio processual específico.
O parágrafo único do referido dispositivo dispõe que “em situação extrema ou excepcional, poderá o Corregedor-Geral adotar as medidas necessárias a impedir lesão de difícil reparação, assegurando, dessa forma, eventual resultado útil do processo, até que ocorra o exame da matéria pelo órgão jurisdicional competente’.
No presente caso, impugna-se decisão por meio da qual se indeferiu a medida liminar requerida nos autos de Mandado de Segurança impetrado contra decisão antecipatória dos efeitos da tutela mediante a qual se determinou a retenção e o recolhimento da contribuição sindical dos empregados substituídos pela entidade sindical efetuando-se o desconto sobre o salário de março deste ano, independentemente de autorização dos trabalhadores.
Constata-se, assim, que a decisão liminar proferida pelo juízo de origem determinou, antecipadamente, a satisfação do próprio mérito da Ação Civil Pública, antes mesmo da audiência de instrução e julgamento, sob o fundamento de que o dispositivo legal que ampara a Requerente no que tange à necessidade de autorização prévia e expressa dos seus empregados para o recolhimento da contribuição sindical, seria contrário à Constituição da República.
Revela-se patente o risco de a Requerente vir a sofrer dano de difícil reparação, considerando o fato de a decisão antecipatória de tutela não haver estabelecido qualquer garantia para a hipótese de, ao final do processo, após cognição exauriente, vir a ser julgada improcedente a pretensão deduzida na Ação Civil Pública.
Nessa hipótese, resultaria manifesto o prejuízo à Requerente, que poderia vir a ser responsabilizada pelo desconto indevido da contribuição sindical de seus empregados. Nesse contexto, extrai-se que a referida decisão — frise-se, de natureza eminentemente satisfativa, de difícil reversibilidade, calcada unicamente na suposta inconstitucionalidade do dispositivo legal, e proferida após juízo superficial, não exauriente — impôs genericamente à ora Requerente a obrigação de proceder ao recolhimento da contribuição sindical de todos os seus empregados.
Conquanto a decisão em pedido cautelar se situe na competência jurisdicional do Relator do Mandado de Segurança nos Tribunais Regionais, o indeferimento da liminar, no presente caso, acabou por gerar situação de difícil reversibilidade, na medida em que manteve decisão de natureza satisfativa do mérito, impondo a imediata retenção e recolhimento da contribuição sindical, sem garantia para a hipótese de sua reversão.
Tal circunstância, como descrita, caracteriza ato contrário à boa ordem processual, a atrair a atuação acautelatória da Corregedoria-Geral, a fim de impedir lesão de difícil reparação, com vistas a assegurar eventual resultado útil do processo, até que ocorra o exame da matéria pelo órgão jurisdicional competente. Por fim, frise-se que o permissivo contido no artigo 13 do RICGJT reveste-se de natureza eminentemente acautelatória, e sua aplicação não enseja manifestação conclusiva sobre a pretensão formulada no mandado de segurança ou na Ação Civil Pública em que deferida a antecipação de tutela, mas simples juízo de prevenção, similar àquele típico das tutelas provisórias de urgência.
Ante o exposto, com fundamento nos artigos 13 e 20, II do RICGJT, DEFIRO parcialmente a liminar requerida, para suspender a decisão mediante a qual se antecipou os efeitos da tutela nos autos da Ação Civil Pública n.º 0010325-03.2018.5.15.0053 e se determinou o recolhimento da contribuição sindical de todos os empregados da Requerente, até o julgamento do Agravo Regimental interposto no Mandado de Segurança n.º 0005918- 16.2018.5.15.0000. Dê-se ciência do inteiro teor da liminar ora deferida, por ofício e com urgência, na forma do art. 21, parágrafo único, do RICGJT, à Requerente, ao Exmo. Desembargador Luís Henrique Rafael, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, ao juízo da 4ª Vara do Trabalho de Campinas/RJ e ao terceiro interessado (
Brasília, 10 de abril de 2018.
Ministro LELIO BENTES CORRÊA Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho”
A segunda e a terceira decisões acima, não obstante a sua natureza cautelar e a sua limitação temporal ao julgamento do agravo regimental, respectivamente, pelos TRTs da 2ª e 15ª regiões, inegavelmente, causam preocupações por sinalizarem, no mínimo, que a matéria nelas abordadas — que é o desconto da contribuição sindical, de todos os integrantes das centenas de categorias profissionais existentes —, encontra-se longe de qualquer consenso, no âmbito do TST, ainda que informalmente, posto que o mérito não foi objeto de deliberação de nenhuma de suas instâncias.
A quarta decisão, em primeiro lugar, representa a redução dos valores sociais do trabalho — quarto fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, inciso IV, da CF) — aos interesses econômicos do capital, em total desprezo à dignidade da pessoa humana — terceiro fundamento da República (Art. 1º, inciso III, da CF), que ela falsamente afirma defender —, posto que o corpo e a imagem do trabalhador são transformados em veículo de propaganda comercial ao talante da empresa em que se ativa e, o que é mais grave, à revelia da vontade e da autorização dele e sem qualquer contrapartida financeira.
Em outras palavras, sob a ótica meramente econômica, a 5ª Turma do TST diz às empresas que, além da força de trabalho, objeto único do contrato de emprego, ficam autorizadas a se servirem, ao seu bel prazer, do corpo da imagem dos empregados que contratarem, para neles veicularem, sem qualquer constrangimento e/ou custo, as propagandas que lhes aprouverem.
Com isso, a 5ª Turma do TST faz total inversão da ordem econômica, que, segundo o Art. 170, caput, da CF, funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. A prevalecer essa decisão, a ordem econômica somente se fundará na livre iniciativa, que terá a pessoa humana, na sua inteireza, como singela ferramenta para a consecução dos fins econômicos das empresas, e nada mais.
A apologia que a ementa do acórdão faz da Lei N. 13467/2017 é assustadora, deixando acanhados os porta-vozes do capital, revelando absoluto desapreço pelos direitos fundamentais sociais, sobre os quais se assentam constitucionalmente a ordem econômica e a social. É o que se colhe do seguinte excerto da mencionada ementa:
“[…] É que, a utilização desses uniformes, representa, na realidade, nítida vantagem para o empregado, na medida em que incrementa suas vendas e, em contrapartida, obtém vantagem salarial. Desse modo, vedar a utilização de uniforme, com divulgação de marcas, implicaria tolher o próprio exercício da atividade empresarial. Sobressai, portanto, a convicção de que a exploração de mão de obra, com a veiculação publicitária de logomarcas por meio de camisetas, não viola a imagem do emprego e, por consequência, a dignidade da pessoa humana”.
A leitura da ementa, com certeza, falará, por si só, muito mais do que centenas de comentários que se façam sobre a repugnante decisão.
Veja-se:
“PROCESSO Nº TST-RR-8-22.2013.5.20.0007 . A C Ó R D Ã O (5ª Turma) GMBM/PMNO
[…]
Recurso de revista conhecido e provido. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. UTILIZAÇÃO DE CAMISAS COM LOGAMARCAS DE FORNECEDEORES. USO INDEVIDO DA IMAGEM. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Nos termos do artigo 1º da Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento essencial e basilar no Estado Democrático de Direito. Os direitos adstritos à dignidade da pessoa humana, dada a sua importância como direitos fundamentais, constam da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao consagrar no seu art. 1º que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Ao mesmo tempo em que a Carta Magna se preocupa com desenvolvimento do bem comum e dos atos em sociedade, em prol da garantia da dignidade da pessoa humana, também privilegia como princípio fundamental, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. É certo que o empregador possui o poder diretivo sobre os empregados em função dos riscos do empreendimento, mas esse poder deve ser exercido com moderação, respeito e limite aos direitos personalíssimos do empregado, e este deve cumprir as obrigações para as quais foi contratado, obedecendo também a pessoa do seu empregador. Na hipótese, o cerne do debate consiste em definir se a utilização de uniformes que contêm logomarcas de produtos comercializados pela empresa configura uso não autorizado da imagem do empregado a ensejar a reparação por danos morais. Em face da ausência de regulação específica sobre o tema, esta Colenda Corte, à luz do artigo 20 do Código Civil, reconheceu o direito à indenização por dano moral pela utilização de uniformes por parte do empregado, com logomarcas de fornecedores, sem autorização ou reparação compensatória. Nessa diretriz, invocava-se, inclusive, a aplicação analógica da Súmula 403 do STJ, segundo a qual ‘independe de prova de prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais’. Pois bem, considerando a necessidade de se adequar o Direito do Trabalho à nova realidade social e suas recentes configurações empresariais, a Lei nº 13.467/17, em seu artigo 456-A, através de uma interpretação autêntica da matéria, expressamente reconheceu a licitude na utilização de logomarcas, verbis: ‘Cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada’. Releva, por oportuno, notar que, nas relações modernas, novas ações se fazem necessárias para o desempenho da atividade lucrativa, dentre elas, a existência de contratos de parceria, nos quais empresas se unem, a fim de diversificar suas marcas, valendo-se de utilização de logomarcas intrinsicamente ligadas ao próprio ramo da atividade empresarial. Nessa perspectiva, não há como se caracterizar a existência de dano moral pela utilização de vestimentas, pelos empregados, com logomarcas de empresas fornecedoras. É que, a utilização desses uniformes, representa, na realidade, nítida vantagem para o empregado, na medida em que incrementa suas vendas e, em contrapartida, obtém vantagem salarial. Desse modo, vedar a utilização de uniforme, com divulgação de marcas, implicaria tolher o próprio exercício da atividade empresarial. Sobressai, portanto, a convicção de que a exploração de mão de obra, com a veiculação publicitária de logomarcas por meio de camisetas, não viola a imagem do emprego e, por consequência, a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, esta egrégia 5ª Turma, no julgamento do Processo nº RR-362-89.2016.5.13.0022, na sessão do dia 14/03/2018, firmou o entendimento de que a utilização de camisas contendo propaganda de marcas de fornecedores, por si só, não acarreta nenhum dano à imagem do empregado, a ensejar reparação a título de danos morais. Assim, considerando que o Tribunal Regional manteve a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de RS 6.000,00 (seis mil reais) apenas pela circunstância de o empregado utilizar, sem o seu consentimento, camisas com propagandas de outras empresas, não há como reconhecer abuso do poder diretivo do empregador e a consequente reparação indenizatória. Recurso de revista conhecido e provido.”
Se estas decisões representarem a antessala da jurisprudência da Justiça do Trabalho, o que não se espera, nem como pesadelo, o caminho institucional estará irremediavelmente perdido, passando a restar aos trabalhadores somente os caminhos das trincheiras e das lutas não convencionais.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee