Respeito à Constituinte: obrigação do Judiciário
Por Trajano Jardim*
A tradição do Judiciário brasileiro nos momentos decisivos da história sempre foi de defesa dos interesses das elites dominantes. Tomando como base o Supremo Tribunal Federal (STF), a cada chamamento do órgão, o seu posicionamento tem sido, com raríssimas exceções, sempre contrário aos direitos das classes populares, em favor dos interesses da “casa grande”.
Foi assim entre 1917 e 1920, quando recrudesceu o movimento operário brasileiro (com a eclosão das grandes greves), que abalaram as estruturas do iniciante capitalismo brasileiro, que buscou em sua defesa o direito de explorar os trabalhadores. Na época, o Congresso Nacional e o STF deram suporte à Lei Adolfo Gordo, que permitia prender, torturar e expulsar os dirigentes sindicais estrangeiros.
Em 1946, com a redemocratização do pós-guerra, os comunistas conseguiram a legalização do Partido Comunista do Brasil. Concorreram às eleições e elegeram 14 deputados federais Constituintes, um senador, Luiz Carlos Prestes e representantes em várias Assembleias estaduais. E o partido obteve 10% dos votos para seu candidato à Presidência da República, o engenheiro Yedo Fiuza.
Porém, no ano seguinte, por imposição do governo de Eurico Gaspar Dutra, já alinhado com os Estados Unidos no processo inicial da “guerra fria” o PCB teve seu registro cancelado e os mandatos foram cassados, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
No julgamento, o advogado Sinval Palmeira afirmou: “não consta que o STF tenha cumprido o seu dever, como esperava. Tudo isto ficará quando já houverem passado os homens, atores dessa peça que, afinal, não foi muito bem ensaiada, chegando alguns dos protagonistas a sentirem distúrbios emotivos. Como advogado, defendemos o direito que julgamos líquido e sagrado. O Supremo Tribunal que faça justiça, pois este é seu mister”.
Nos tempos atuais temos visto os Tribunais Superiores seguirem a mesma proposta de suprimirem direitos dos trabalhadores em benefício dos patrões e das elites dominantes.
O STF, por voto monocrático do ministro Gilmar Mendes, acabou com a ultratividade, que garantia os direitos conquistados nas Convenções Coletivas de Trabalho; votou contra o direito de desaposentação dos aposentados, não permitindo a revisão dos salários daqueles que continuaram trabalhando.
O TST, por seu lado, tem negado os recursos das entidades sindicais do setor de educação particular contra as demissões imotivadas, afrontando a Constituição Federal do Brasil de 1988 em relação aos direitos individuais previstos no Artigo 60, § 4º, inciso IV, em que está garantido que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir esse direito, por estar este incluso entre as consideradas cláusulas pétreas.
Esse preceito foi ignorado pela Operação Lava Jato em relação à condenação do presidente Lula, baseado numa decisão do STF, quando julgou a constitucionalidade referente à Lei da Ficha Limpa, que atropelou a CFB, no seu Art. 5º — “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” — e nos termos seguintes, no inciso LVII, que define: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Todos esses direitos foram jogados na lata do lixo pelo STF.
Nesse sentido, é constrangedora a manifestação da ministra presidente do STF, que cobrou respeito às decisões do Judiciário, afirmando que é inadmissível desacatar a Justiça e que reabrir a discussão da “prisão em segunda instância” seria apequenar o Supremo. Ora, o STF apequenado está, desde o momento que ele estupra a Constituição Cidadã de Ulisses Guimarães.
São dois pesos e duas medidas. Exigir respeito ao Judiciário e, ao mesmo tempo, desrespeitar e apequenar os direitos individuais, conforme o Supremo, o Ministério Público e a Polícia Federal têm feito com o presidente Lula. Esses poderes apequenam a democracia e violam os direitos humanos e os direitos individuais prescritos na Carta Magna.
Os poderes da República devem obrigação e respeito à Constituição. Essa tem que ser respeitada antes de qualquer outro poder, mesmo aqueles que se colocam como deuses do Olimpo. A pecha de agressores da Justiça deve caber àqueles que teimam em satisfazer os interesses dos grupos dominantes, dos senhores da “casa-grande”, em detrimento dos interesses maiores da soberania da Nação e do povo brasileiro. Pensem nisso, pretensos “deuses do Olimpo”.
*Jornalista, professor universitário, mestre em Ciência Política e diretor do Sinproep-DF