Flávio Dino explica o sucesso da educação pública maranhense: “Investimento público”
Na contramão do governo Bolsonaro (PSL), que defende a redução dos investimentos públicos em educação, o Maranhão tem quebrado recordes em salários de professores, inaugurações de novos prédios e desempenho dos estudantes.
Governador desde 2015, Flávio Dino (PCdoB) recebeu a reportagem do Brasil de Fato no Palácio dos Leões, sede do Poder Executivo estadual e prédio histórico da capital São Luís (MA), para debater saídas para a crise que o país atravessa.
Em quatro anos, o Maranhão saltou de zero para 51 escolas de ensino integral funcionando regularmente na rede pública. Os professores com licenciatura e jornada de 40 horas recebem o maior salário de uma rede estadual do país – R$ 5.750,84 – e as notas na avaliação do ensino médio subiram 21%.
Além de falar sobre educação, Dino analisou outros temas relevantes da conjuntura, como a reforma da Previdência proposta pelo governo federal e os vazamentos da operação Lava Jato.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Enquanto o país enfrenta um corte de gastos na Educação, promovido pelo governo federal, o Maranhão é reconhecido por ter políticas progressistas nessa área. Qual o quadro da Educação hoje no estado, em comparação com esse cenário de retrocessos no governo federal?
Flávio Dino: De fato, é um contraste muito nítido entre o caminho que nós acreditamos e aquele que infelizmente tem sido praticado nesses anos mais recentes no Brasil. Nós consideramos que o principal problema da nossa nação é a profunda desigualdade social e temos a clareza de que só é possível superá-la mediante investimentos consistentes, sérios e continuados na temática da educação, da ciência e da tecnologia. É a política que consegue cuidar do hoje e prospectar o amanhã mais justo.
Baseados nisso, nós temos travado várias batalhas simultaneamente. É claro que nós partimos de indicadores educacionais historicamente baixos no nosso estado. Nós tivemos um êxito significativo no que se refere ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – índice que mensura a qualidade das escolas públicas estaduais –, com um crescimento quase de 30% em um período relativamente curto nesse primeiro mandato.
Nós vamos continuar essa trajetória de crescimento e temos trabalhado para isso mediante políticas de correção de deficiências infraestruturais nas escolas – reformas, reconstruções, construções de prédios. A essa altura, já passamos de 850 inaugurações na área educacional, de escolas que foram construídas ou transformadas mediante investimentos públicos, alavancados por um fundo, que é o fundo Escola Digna.
Ao mesmo tempo, apostamos na valorização dos docentes. Nós estamos completando um período bastante longo e inédito em que não há greve de professores, exatamente porque nós temos permanentemente dialogado, negociado e consolidado conquistas, hoje expressas no reconhecimento geral de que nós praticamos o salário mais alto para os professores, de 40 horas e de 20 horas no país – mais de duas vezes e meia o valor do piso nacional. Isso é porque acreditamos que os docentes são fundamentais para que possamos qualificar e aprimorar a educação como nós desejamos.
A bandeira do projeto Escola Sem Partido é profundamente ideológica
Temos um conjunto de programas de bolsas de pós-graduação, dobramos o número de bolsas, ampliamos o número de vagas nas universidades estaduais em mais de 40%, temos apoio aos municípios com o programa Pacto Estadual pela Aprendizagem. É um cardápio bastante amplo que, somado, espelha essa prioridade verdadeira, não apenas retórica, que nós conferimos à temática da educação. É a forma prática que nós temos de contrastar com essa visão puramente fiscalista, às vezes hostil à educação, que em alguns setores da política brasileira está instaurada.
Essa hostilidade se traduz em questões como subfinanciamento na área educacional, mas também em bandeiras ideológicas absolutamente equivocadas, como essa suposta Escola Sem Partido. É como se fosse uma bandeira supostamente neutra, quando na verdade é profundamente ideológica porque tenta aniquilar a reflexão, o pensamento crítico, a filosofia, uma atitude de construção de modelos de sociedade diferente que não tem necessariamente vinculação à um projeto partidário, mas que é um modo pelo qual os educadores procuram colaborar para que as novas gerações possam ter uma percepção, compreensão e formação adequada aos desafios tecnológicos, ambientais e sociais que o Brasil atravessa.
Aqueles que propõem a chamada Escola Sem Partido visam, na verdade, que nós tenhamos uma escola ineficiente, uma escola ineficaz, uma escola que não prepara os estudantes para a vida.
Como você e seu governo lidam com o projeto Escola Sem Partido?
Pela minha experiência como professor na Universidade Federal do Maranhão desde 1994, há 25 anos, eu digo que o professor não pode impor o seu ponto de vista ou censurar os estudantes. Mas, evidentemente, como um ser humano, ele tem suas convicções e é impossível não externá-las.
Se eu vou falar, por exemplo, do federalismo do Brasil ou dos direitos sociais ou individuais, é claro que eu não posso fazê-lo sem levar em conta um conjunto de patrimônios de reflexão que compõem a minha própria formação.
Eu participo do debate nessa perspectiva e, ao mesmo tempo, como governador do estado, editei um decreto de garantia e segurança jurídica aos professores. É um decreto que explicita aquilo que está na Constituição, que é exatamente a liberdade do ato de ensinar, de aprender. Enfim, a liberdade de cátedra, que é a garantia que os professores da rede estadual do Maranhão têm de que eles, de forma alguma, serão em momento algum, enquanto eu estiver no governo, punidos em razão de praticarem o ato finalístico próprio da função de professor, que é ministrar os conteúdos. É um decreto que visava garantir, e garante, que não haverá censura nas escolas do Maranhão.
Outro tema relevante na conjuntura é a reforma da Previdência. O senhor vem se posicionando em relação ao tema tanto nas redes sociais, quanto em entrevistas, publicamente, então gostaria que explicasse quais os pontos centrais na sua interpretação sobre essa proposta.
Acho que deveria ter sido colocada em primeiro lugar uma reforma tributária que fosse mais justa e que tratasse da questão do financiamento do Estado e da crise fiscal de modo mais global. Porque a reforma da Previdência se volta sobre as rendas do trabalho, e não as rendas do capital.
A reforma tributária permitiria uma visão de conjunto e uma solução mais sistêmica e mais organizada da crise fiscal do Estado brasileiro em todos os níveis. Temáticas como a progressividade do sistema tributário – ou seja, quem pode mais paga mais –, impostos sobre lucros e dividendos – as rendas do capital, que são absurdamente isentas no Brasil – deveriam ser tratadas neste momento, em vez de discutirmos a imposição de sacrifícios àqueles que menos têm.
A reforma da Previdência infelizmente, desde o seu nascedouro, tem essa marca da injustiça e do aprofundamento das desigualdades. Nós procuramos desde o primeiro momento mostrar isso, logo que a proposta foi apresentada. No dia em que foi apresentada, eu já me posicionei no sentido de que havia um conjunto de disposições antissociais, concentradoras de renda e voltadas à privação de renda daqueles que já têm tão pouco. Eu me refiro, por exemplo, aos trabalhadores rurais, ao benefício de prevenção continuada, a chamada capitalização, que iria empurrar o conjunto dos trabalhadores brasileiros para os bancos, para o capital financeiro.
Apresentamos uma oposição a esses conteúdos em um documento mais amplo, que foi a carta dos governadores do Nordeste, que foi aprovada exatamente nesta sala. Foi o documento em que os nove governadores do Nordeste se posicionaram contra esses retrocessos. É importante sublinhar isso, que as nossas teses, expostas nessa carta e aprovadas aqui no Maranhão foram vencedoras [na Câmara].
Não obstante reconhecermos isso, nós consideramos que, no Senado, é necessário refazer o debate, porque alguns temas particularmente me causam um especial incômodo. Especialmente, a forma como a aposentadoria é calculada. Porque houve um duplo sacrifício aos trabalhadores – não é questão apenas da idade mínima. A idade mínima é um debate, pela questão demográfica, no mundo inteiro, mas não foi apenas a questão da idade mínima que eles alteraram: houve uma dupla perda na forma como as aposentadoria serão calculadas.
Em primeiro lugar, em vez de calcular sob a média de 80% das maiores contribuições, passou a ser sob a média de todas as contribuições. Antes, o trabalhador tinha descartado do cálculo da sua aposentadoria as menores contribuições por uma questão de justiça, porque ao longo da vida se presumia que 80% seria algo mais justo do que a média de todas. Além disso, foi aprovado um redutor de 60% sob essa média, que já é baixa. O percentual é de 60% para quem tiver contribuição mínima, e só chega a 100% da média quem trabalhar por 40 anos. Então, de fato isso vai empurrar o valor das aposentadorias para baixo.
Vinculada a essa questão, temos regras absurdas sobre as pensões por morte. Acho um escândalo o que foi aprovado, porque o redutor aí é de 50%. Ou seja, se um trabalhador na ativa infelizmente falecer por uma circunstância própria da vida, imaginemos, a sua viúva terá uma pensão equivalente a 50% do que ele teria se ele tivesse aposentado. É 50% sob 60% da média, que já é baixa. É um valor muito baixo, podendo ser inferior ao salário mínimo. Isso, na minha avaliação, é inconstitucional, porque nenhuma renda do trabalho nos termos do artigo sétimo da Constituição pode ser menor do que um salário mínimo.
Espero que seja possível, na continuidade do voto parlamentar, que essas e outras questões sejam apresentadas para que nós tenhamos uma ponderação entre uma visão hegemônica, infelizmente, de que é preciso e urgente fazer a reforma da Previdência, mas ao mesmo tempo que isso não seja feito sem um senso básico de justiça social.
É bíblica essa temática das pensões por morte, está no livro de Isaías. Portanto, há alguns milênios há uma regra civilizacional segundo a qual as viúvas e viúvos merecem uma proteção da sociedade. A forma contemporânea pela qual essa proteção se manifesta não é propriamente a benemerência, a caridade, mas sim, a seguridade social.
O senhor tem formação em Direito, foi juiz, professor. Hoje, a forma como a Justiça opera está se desvelando para a sociedade, ainda mais depois dos vazamentos em relação à operação Lava Jato, aos procuradores – e em especial no caso do ex-presidente Lula (PT). Como o senhor vê esse cenário e como avalia o comportamento de setores do Ministério Público e do Poder judiciário? Que consequências deveriam ter os vazamentos da Lava Jato?
É uma conquista civilizacional, democrática, liberal, portanto mais do que secular, que um processo judicial seja conduzido por um juiz imparcial. Essa é uma construção que está nos principais livros de filosofia política, e que vem de Aristóteles, na filosofia grega. Então, é claro que se um processo judicial é conduzido por alguém que não tem imparcialidade, significa na prática que nós tivemos a anormalidade de um “processo judicial sem juiz”. Foi isso que aconteceu em relação ao ex-presidente Lula.
Não havia juiz ali. Havia só a acusação, porque o juiz jogava junto com o acusador.
Eu fui juiz federal por 12 anos, e qualquer pessoa sabe que tem que procurar ouvir ambas as partes e ponderar sobre aquilo que é dito pelas duas partes. Isso é uma garantia constitucional, está no artigo 5º, inciso 55 da Constituição da República.
O que nós tivemos ali: o juiz era quem aconselhava a acusação, orientava a acusação, coordenava a acusação, dirigia a acusação, ao mesmo tempo em que menosprezava a defesa. Em um dos diálogos, chega a chamá-la de “showzinho”. Então ele não estava, com sinceridade, levando em conta o que ambas as partes estavam dizendo no curso do processo.
A consequência que deve daí ser extraída está no Código de Processo Penal há algumas décadas, que diz que, se um juiz aconselha uma das partes, ele deve ser considerado suspeito. Mais adiante, em outro artigo, está dito que Se uma sentença é proferida por um juiz em suspeição por sua parcialidade, essa sentença é nula.
Alguns argumentam que outras instâncias confirmaram [a condenação]. Não importa, porque a atividade de produção de provas no sistema jurídico brasileiro é feita apenas na primeira instância. Então, é como se fosse um vício que aderisse ao processo, e não importa onde o processo vai, ele vai com aquela nulidade insanável, insuperável, porque as provas foram produzidas de modo contaminado, porque foram produzidas e avaliadas originariamente por um juiz parcial.
Além disso, se argumenta que os vazamentos seriam ilegais. Em primeiro lugar, é preciso sempre lembrar: a prova publicada por um jornalista é protegida constitucionalmente pelo chamado sigilo de fonte.
Não basta eu dizer que uma prova é ilícita. Quem se sente prejudicado por uma publicação de uma reportagem deve provar que aquela prova é ilícita. Não basta alegar que é um hacker. Esse hacker não pode ser ficcional, não pode ser um fantasma.
Por que é necessária esta prova? Porque, em verdade, a obtenção desses conteúdos pode derivar de vários fatores. Havia várias pessoas ali, que tinham acesso. Outro detalhe: eram telefones e computadores funcionais, públicos. Nós temos jurisprudência no Brasil que até computadores de empregados em empresas são considerados como integrantes do patrimônio da empresa. E, portanto, os e-mails dos empregados transmitidos por um computador da empresa podem ser acessados pela empresa para produção de provas, inclusive. Há um precedente do TRF [Tribunal Regional Federal] da 4ª região que diz isso.
É o maior escândalo judicial da história deste país
Por ser um telefone e computador funcionais, portanto, públicos, isso pode ter passado pela mão de dezenas de pessoas. Então, são especulações. Não basta dizer que a prova é ilícita; isso teria que ser, de fato, comprovado. E, finalmente, mesmo que os vazamentos fossem considerados provas ilícitas, vamos imaginar que isso fosse verdade.
Ainda assim, juridicamente e legalmente falando, elas não podem ser jogadas no lixo, uma vez que há um entendimento de que as provas, mesmo que ilícitas, podem ser usadas quando se trata de defender e proteger a liberdade de alguém, que é o caso concreto. Ou seja, nessa última hipótese, demonstrado que houve um hacker e a ilicitude da prova, ainda assim o conteúdo dos diálogos pode e deve ser levado em conta quando da precessão de direitos de liberdade de pessoas que estivessem ou que estejam, como é o caso, injustamente presas.
Então, eu não tenho nenhuma dúvida quanto à relevância desse fato. E não adianta tentar impor pontos de vista. Há uma comunidade jurídica nacional e internacional assistindo escandalizada a isso que aconteceu. Sem dúvida, se nós pegarmos as últimas décadas, é o maior escândalo judicial da história deste país. É preciso dizer isso com todas as letras. Eu acho um desrespeito aos juízes e membros do Ministério Público deste país dizer que aquele tipo de coisa é normal, porque não é. Cotidianamente aquilo não acontece, porque é ilegal. Então essa defesa que eu tenho feito leva em conta, claro, esse conjunto de convicções jurídicas e o compromisso que todo cidadão deve ter, independentemente da sua preferência partidária. Não se trata aqui de gostar ou não do presidente Lula: se trata de respeitar ou não a Constituição.
Eu me insiro e me inscrevo nas fileiras daqueles que acreditam que a Constituição e as leis devem ser cumpridas por todos. De fato, a situação reclama uma atitude firme dos órgãos de controle quanto a esses abusos e, ao mesmo tempo, uma atitude cidadã mais ampla — independentemente de convicções ideológicas — de proteção das garantias que não são do ex-presidente Lula ou de qualquer outra pessoa, mas da sociedade. Foi isso que foi ferido nesse processo, infelizmente, viciado.
É preciso respeitar as pessoas, a história de vida e trajetória delas, e é possível, sim, dizer tudo isso que eu estou dizendo, com convicção, e, ao mesmo tempo, continuar a ser como eu sou: um militante de defesa da probidade e da moralidade administrativa.
Nós, que viemos de outras regiões do país, olhamos os governos estaduais do Nordeste como uma espécie de cordão de oposição ao governo federal. Quais são essas articulações que vocês vêm promovendo aqui no Nordeste? O Fórum de Governadores do Nordeste pode criar alguma esfera de proteção mínima ou de, pelo menos, crítica em relação a algumas políticas em nível nacional?
Na verdade, são múltiplas faces que se organizam e articulam visando exatamente à proteção de conquistas que o Brasil viveu essencialmente desde a Constituição de 1988. Há vários governadores, não só do Nordeste, que têm também se alinhado com essa concepção de defesa da institucionalidade democrática.
É muito importante que haja articulações que transcendam os limites da esquerda política. A própria experiência do Fórum de Governadores do Nordeste é positiva nesse sentido. São vários partidos políticos a governadores, de quatro ou cinco partidos diferentes, mas que atuam em sentido convergente com esse ponto de interseção que é a proteção daqueles que menos têm e a proteção da democracia.
Nós temos, portanto, uma face de interlocução nacional, de política mais ampla e, ao mesmo tempo, a atividade de governança, do exercício concreto da função de governar nossos estados. Intercambiamos também visões, experiências e práticas. O Consórcio se presta a isso, os vários consórcios que hoje existem.
No caso do Consórcio Nordeste, nós procuramos também fazer exatamente esse reforço mútuo em que nós nos apoiamos reciprocamente, inclusive do ponto de vista administrativo.
Teremos agora, nesses dias, mais algumas reuniões nessa direção, porque o federalismo cooperativo e a cooperação horizontal entre os estados são um caminho também de ajudar a otimizar recursos públicos, de gastar menos e melhor, de nós vermos coisas que deram certo aqui e podem dar certo em outro estado, e vice-versa. Então, procuramos sempre intervir conjuntamente, seja na dimensão política, seja na dimensão administrativa.
Em algumas entrevistas, o senhor demonstra predisposição a projetar seu nome, se houver convergência, como futuro candidato a presidente. Que perspectivas o senhor enxerga para o futuro do país? Como o senhor se vê dentro da perspectiva da unidade da esquerda ou das forças progressistas?
Esperança e desespero são conceitos-chaves de compreensão da realidade neste momento. É preciso, portanto, alimentar a plantinha da esperança, todos os dias, para evitar exatamente a sua antítese, que é a perda de perspectiva de que mudar a conjuntura é possível.
Eu sou militante da esperança e da mudança. É uma conjuntura hostil, árida e desafiadora em todos os aspectos, não só no sentido estrito da arena institucional, do Estado, do governo A ou B.
Nós temos também desafios sociais, de convencimento, de debates sociais. Porque, em muitos momentos, nós vimos emergir valores de extrema direita e fascistas que, às vezes, até nos surpreendem, porque são marcados pela agressividade. Agora, até eventos literários e culturais são objeto desse tipo de agressividade, de tentar impedir as manifestações legítimas de pensamento e opinião.
Realmente é uma conjuntura muito grave, não há dúvida. Mas, com tudo isso, eu acho que nós temos um patrimônio que nos autoriza a alimentar a esperança, que é esse patrimônio de conquistas, de vitórias, de articulações mais amplas de organizações da sociedade civil. E, no plano da política também, nós tivemos agora mesmo na reforma da Previdência uma prova de que, apesar de uma correlação de forças terrivelmente desfavorável, é possível ter vitórias, evitar retrocessos, obter conquistas. Então, mesmo no pior momento, você consegue exercer uma resistência que não seja apenas simbólica, uma resistência eficaz e efetiva que produz resultados.
Então, por tudo isso, eu procuro sempre alimentar essa ideia da esperança em um Brasil soberano, justo e que não naturaliza as desigualdades sociais e regionais. Mas, pelo contrário, que se indigna com as desigualdades sociais e regionais e mantém, portanto, a emotividade e o coração sintonizado com as pessoas mais pobres, com aqueles mais desvalidos, e autenticamente sente a dor do outro como sua também – o que é, ao meu ver, um paradigma fundamental para se ter uma atitude transformadora.
Quando eu viajo pelo Brasil, eu vejo essas realidades sociais tão duras que existem em meu estado e em todos os estados brasileiros. Há pouco tempo, por exemplo, em São Paulo, caminhando pela Avenida Paulista e vendo legiões de desempregados e o que isso produz: aumento da população de rua, famílias inteiras sendo destruídas pela terrível mácula econômica do desemprego.
Eu acho que esse é o principal desafio: manter a esperança e o coração sintonizado com os explorados, oprimidos e desvalidos. Porque esses são a razão de ser da nossa atuação política, a nossa defesa sincera, contundente, apaixonada de que eles possam ter acesso a direitos. Com tudo isso, mantendo esses paradigmas, eu acho que nós estamos vivendo um hiato histórico, ou seja, um intervalo de tempo que vai passar. Como eu disse, com efeitos, infelizmente, deletérios e perenes, mas é um período. Eu vejo assim. É como uma tempestade.
Por isso, nós temos que atualizar o nosso programa e olhar para frente. É claro que é impossível construir uma plataforma progressista e democrática para o Brasil sem se apoiar em tradições importantes tão enraizadas na sociedade: o trabalhismo com inspiração varguista – mas também o trabalhismo de João Goulart, de Leonel Brizola – e, de outro lado, o lulismo.
Eu acho que são as duas correntes populares que demandam sempre um olhar respeitoso de quem atua politicamente. São plataformas inafastáveis para que a gente possa atualizar o nosso programa sobre essas experiências históricas, nos apoiando nelas, corrigindo erros, mas prospectando, sobretudo, um discurso que tenha aptidão de mobilizar a sociedade falando para frente: o Brasil que a gente quer.
Não é esse Brasil que esmaga e maltrata os que menos têm. É o Brasil que se compadece com a dor deles e é o Brasil que, portanto, mobiliza recursos públicos, o orçamento público e energia social para que essas pessoas possam ter sua cidadania e seus direitos respeitados.
Atualização programática, diálogo e união. Esse hiato ou essa tempestade só passa se nós conseguirmos melhorar o ambiente, como temos melhorado, creio eu, entre os vários partidos do campo popular e, sobretudo, aquelas pessoas que não têm partido político, mas que, em algum momento, caminharam conosco e não deixaram de caminhar. Nós temos que ter uma atitude respeitosa em relação a todas as pessoas que pensam diferente e, aí sim, é como eu me situo hoje e vou continuar a me situar. Procurando ajudar nesse processo de união, aglutinação e convergência, naquilo que me cabe, em meu estado, no Maranhão, no Nordeste, e como militante da causa social, popular e democrática, que é o que eu fui e sou a vida inteira.
Portanto, não me imagino necessariamente com figurino de candidato, com o papel de candidato. Eu posso ser candidato, posso não ser e isso não vai mudar nada em minha vida pessoal ou atuação. Eu vou continuar atuando como sempre atuei e me coloco como uma pessoa que está à disposição para ajudar mediante o diálogo com outros tantos para que a gente possa virar a página terrível desses últimos anos e conseguir, de fato, fazer o Brasil sonhar e sorrir de novo com esperança e alegria, porque é essa a vocação do nosso povo.
* Colaboraram Bruna Caetano e Emilly Dulce.