Sinpro/RS: Para além da identidade de gênero na escola

Algumas experiências de separação de gênero na escola têm suscitado debates sobre ganhos ou perdas para o desenvolvimento das novas gerações. Embora identificadas nesta modalidade, as propostas apresentam divergências quanto aos seus propósitos e métodos. E, claro, produzem distintos resultados, como veremos a seguir.

As constatações se assemelham: os diferentes estilos de aprendizagem dos dois sexos requerem ações educativas que levem em conta suas necessidades específicas; e os professores apresentam dificuldades em lidar com estas diferenças. A conclusão parece ser a mesma: separados, as meninas e os meninos podem ter suas demandas e processos de aprendizagem melhor respeitados.

Contudo, os contrastes são evidentes quando analisamos duas dessas modalidades de separação de gênero. De um lado, temos a Educação Diferenciada, inspirada no movimento Single Sex Education emergente na década de 60 e com tendência de crescimento nas escolas públicas do Reino Unido, da Alemanha, do Canadá e dos EUA, bem como na rede escolar privada em capitais brasileiras, como Rio de Janeiro e Curitiba. No caso, incluem-se estabelecimentos de ensino unissex ou misto que mantêm separados meninas e meninos nas salas de aulas e com docentes do mesmo sexo.

Esse discurso pedagógico está sustentado em uma concepção biologicista (em que as diferenças cognitivas são atribuídas a características biológicas cerebrais diferenciadas) e também por um viés empresarial de desempenho (com o currículo personalizado “não se perde tempo com diferenças de maturidade sexual”). Busca-se demarcar as demandas próprias a cada sexo, especialmente no caso dos meninos que são considerados “os grandes incompreendidos do sistema educacional atual”, devido a uma “hiper-representação dos valores femininos”.

Dito de outra maneira, se pretende garantir a maior homogeneização possível a partir dos códigos estabelecidos para cada gênero. Diferenciar a educação seria, contraditoriamente, afirmar o que já está dado, tanto por uma ordem natural dos corpos, pelas demandas do mercado ou expectativas sociais.

Critica-se a Educação Diferenciada por estar modernizando o discurso da segregação, ancorada na neurociência e fortalecida com o crescimento do conservadorismo em relação aos valores. Essa crítica tem sido refutada por seus defensores com o argumento de que existe convivência social fora do âmbito escolar. Além disso, afirmam que a discriminação de gênero é um “problema social” e não seria função da escola responder a isto. Assim sendo, o foco da referida proposta tem sido o desempenho escolar e os bons resultados acadêmicos obtidos atestariam a qualidade desse método.

A segunda proposta pedagógica em análise apresenta um modelo híbrido. Uma dessas iniciativas é o método Hjalli, proposto há mais de 30 anos por uma educadora feminista islandesa, Margrét Pála Ólafsdóttir. Inclui um Currículo de Gênero que mantém meninas e meninos em uma mesma escola, mas separados durante a maior parte do dia para o seguimento de atividades de cunho compensatório. Enquanto elas são estimuladas, por exemplo, a ter um papel mais ativo, levantar a voz, desenvolver a coragem e fazer atividades físicas, eles têm o incentivo para conversar entre si, expressar seus sentimentos, se envolver em atividades de cuidado e reduzir o comportamento individualista. De forma complementar, são também oportunizadas experiências comuns, em especial aquelas que desenvolvam habilidades sociais ou abranjam a tomada de decisão conjunta.

Dito de outra maneira, busca-se empoderar ambos os grupos pela abertura a novas formas de vida possíveis, ao mesmo tempo em que se oportuniza um certo embaralhamento de códigos, desfazendo a marcação de “coisa de menina ou de menino”. Ressalte-se que o diferencial estaria justamente na mútua compensação para a superação das demarcações sexuais binárias.

Teríamos, então, que distinguir os diferentes processos de aprendizagem que fundamentam essas duas propostas de separação de gênero. De um lado, a Educação Diferenciada propõe o gênero estabilizado e polarizado, através da repetição de forma cotidiana e roteirizada dos modos de ser generificados socialmente. Por outro lado, o Currículo de Gênero busca estabelecer um campo problemático que possa distribuir as competências entre os dois sexos e, desta forma, ultrapassar o gênero.

Estaríamos diante de duas formas de “performar o gênero”, como propõe Judith Butler. Segundo a filósofa, os corpos performatizam gêneros a partir de uma estrutura de repetição encenada no coletivo, produzindo um objetivo ideal para o gênero bem como a ilusão de uma identidade homogênea ou estável. Contudo, o corpo é tanto uma ideia histórica quanto um conjunto de possibilidades continuamente realizáveis. Assim sendo, é possível recriar o corpo generificado. Esta dupla dimensão da “performatividade de gênero” em Butler se aproxima do processo denominado pela psicanalista Suely Rolnik de “performatização existencial” enquanto uma permanente produção da diferença, que implica uma dupla abertura: à alteridade do outro e, sobretudo, ao outro-em-mim.

Performar o gênero, sem imagem dada, mas como uma incessante experimentação de si: não seriam esses o desafio da educação de gênero e o avanço necessário na agenda política feminista?

Do jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

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