Professores relatam experiências e desafios de aulas online durante pandemia
Cenário adverso impôs necessidade de adaptação a docentes e alunos
Há cerca de seis meses, os professores levaram as salas de aula para dentro de suas casas. É de lá que os educadores operam a missão de promover o ensino remoto, diante o fechamento das escolas, e contornar os seus diferentes graus de dificuldade, como acesso e manuseio de ferramentas tecnológicas, planejamento, execução de atividades e interação com os estudantes.
CartaCapital convidou alguns profissionais de escolas públicas e privadas do País para relatarem momentos que os marcaram positivamente e que reforçaram o papel transformador da educação, mesmo que diante um cenário adverso.
“Todo mundo ligou a câmera para participar da aula”
Um ato simples, mas significativo, emocionou a professora Bárbara Lopes, que dá aula de sociologia a turmas do Ensino Médio na Escola Estadual Domingos Mignoni, no município de Taboão da Serra (SP).
“Estou sempre pedindo para que eles abram as câmeras, participem do debate, mas nem sempre consigo, um ou outro liga”.
No dia 3 de setembro, o ato aconteceu como surpresa. A professora debatia com a turma o tema identidade étnico racial, a partir do poema ‘Gritaram-me negra”, musicado pela ativista afro-peruana Victoria Santa Cruz.
“Eu acabei me emocionando, chorei e perguntei a eles o que tinham achado, para começarmos a refletir. Foi quando uma aluna me pediu para contar até três. De repente, todos abriram suas câmeras para participar da aula. Chorei mais e depois rimos juntos”.
A docente não nega que enfrentou dificuldades para se adaptar às aulas não presenciais e ao uso das ferramentas tecnológicas, mas ressalta que tenta trazer aos momentos à distância com os estudantes o dinamismo que pratica em sala de aula.
“Gosto do olho no olho, da conversa, de usar os espaços da escola. Eu nunca fui uma professora de giz e lousa. Uma vez por bimestre dou uma aula piquenique a eles, ofereço uma gincana de caça ao tesouro sociológico como revisão. O online não permite tudo isso, mas acho que venho fazendo um bom trabalho com eles nesse período”, conta.
Show de talentos com professores e alunos
Uma atividade proposta pelos professores Jaime Rodrigo Marques da Silva e Dulcineia Aparecida Ramos com os estudantes do sexto ano da escola municipal Professor Raul do Prado Viana, em Sertãozinho (SP) extrapolou o planejamento inicial.
Os docentes de Geografia utilizaram a música “A Casa”, escrita por Vinícius de Moares, e famosa na voz do cantor Toquinho, para que os estudantes pudessem refletir sobre a questão do lugar, sobre o pertencimento, a família.
“Também fizemos o vínculo com a escola, que é esse lugar ao qual eles também pertencem e atua no desenvolvimento deles, na formação da identidade”, disseram.
Uma aluna, no entanto, não se identificou com a música original. “A Maria Laura [Maria Laura Castro Silva, 11 anos) me disse que não se via naquela casa, e que estava com dificuldades de entrar na atividade”, conta o docente.
A aluna, então, resolveu fazer a sua própria letra que foi enviada ao professor. “O que mais me chama a atenção é o resgate afetivo que ela conseguiu trazer na letra, ao pensar sobre a casa dela, que foi construída pelos avós”, conta Jaime.
A música de Maria Laura foi musicada por Gabriela Silva Gonçalves, cantora e afilhada da professora Dulcineia Aparecida Ramos.
Com a atividade e a descoberta do talento da estudante, os professores acabaram envolvendo a escola toda e fazendo uma semana cultural online de dons e talentos.
“Cada um mostrou o que sabe, tivemos quem tocasse, cozinhasse, fizesse trabalhos de marcenaria. Foi uma forma interessante de mantermos o vínculo entre todos, para que não nos percamos de vista até o momento certo de voltarmos às aulas”, atesta o professor.
Oi, seguimores!
A professora Ana Carolina de Souza Ferreira resolveu aderir à ideia da turma e ‘incorporar’ uma blogueira para que seus estudantes do Ensino Médio do Objetivo acompanhem as aulas de Língua Portuguesa e Literatura com mais empenho. A cada encontro remoto com os alunos, a docente lida com as aulas como se fossem conteúdos de seu canal fictício.
“Eu peço pra que eles se inscrevam, usem hashtags nos fóruns, brinco que vou deixar links que eles podem consultar arrastando pra cima”, conta a professora que trouxe a linguagem dos influenciadores digitais para suas aulas.
O modelo aumentou a participação dos estudantes nas aulas, que envolvem análise de obras literárias e conteúdos curriculares, e também estimulou os jovens a serem produtores de conteúdo em suas redes sociais.
“Acho que também fica um recado de que eles não têm que ter vergonha de se arriscar, de perseguir os sonhos deles. Tenho alunos que querem ser blogueiros”, relata Ana Carolina. A dinâmica também foi uma forma de se apoiarem durante a pandemia e estreitar laços. “Às vezes até o meu gato aparece nas aulas”, brinca a professora.
Plano de dados para estudantes
A professora Renata Cristina Oliveira Longui que dá aula para as turmas do 5º ano na escola Professora Gloria da Silva Rocha Genovese, em Jundiaí (SP), garantiu um plano de dados para cinco estudantes da turma.
No início da pandemia, a escola de periferia atuou com a disponibilização de materiais didáticos impressos para que as famílias retirassem no local e os alunos pudessem acompanhar as atividades remotas.
“Só que esbarramos em algumas dificuldades. Por exemplo, o que fazer para tirar as dúvidas deles? Não tínhamos um canal de contato estabelecido”.
A docente, junto com outras professoras da escola, entraram em contato com as famílias dos 120 estudantes das quatro turmas do quinto ano para entender a viabilidade de utilizarem um aplicativo de mensagens como apoio didático.
“A maioria dispunha de um único celular, que só ficava disponível no momento em que os pais voltavam do trabalho. Mas cinco deles não tinham internet. Eu não podia deixá-los para trás”, conta a professora, que assumiu uma recarga mensal para cada um dos alunos.
Agora, a professora conseguiu estabelecer grupos para falar sobre as atividades do projeto “Gloria na casa da gente”, que orienta os estudantes a desenvolverem projetos de pesquisa a partir da base curricular. Às quintas feiras, o dia é dedicado a um plantão de dúvidas.
“No começo eu estava incomodada porque a coisa estava muito mecânica. Agora, estimulamos a pesquisa, a criação de projetos com o que eles têm em casa e atraímos mais a participação dos familiares”, comemora a professora.
Interlocução com outros países
A professora de Inglês, Língua e Literatura da Beacon School Fernanda Meneghesso colocou seus estudantes do sétimo e oitavo anos em contato com um jornalista que mora em Ohio, nos Estados Unidos.
O contato também possibilitou aos alunos adentrarem em temas da atualidade, como as constantes manifestações norte-americanas contra atos de racismo pelo País.
Os alunos também procuraram saber sobre a condução de casos de machismo, homofobia e liberdade de expressão.
“Talvez se a gente estivesse na dinâmica presencial, nem teríamos pensado nessa abordagem”, conta a professora.