Volta às aulas será o primeiro desafio dos novos gestores municipais

Caberá a eles decidir em que formato atividades serão retomadas

A partir do dia 1º de janeiro de 2021, o primeiro grande desafio dos novos gestores municipais na educação será decidir como serão as aulas durante o ano. Isso porque, às vésperas das eleições, muitos municípios adiaram o retorno às aulas presenciais para o ano que vem, temendo aumento do contágio de alunos e professores pelo novo coronavírus. Eles terão que decidir se as aulas voltam a ser presenciais, se serão ofertadas de forma remota ou em um modelo misto e de que forma isso será feito.

Prestes a entregar as prefeituras, alguns dos atuais gestores sequer elaboraram planos para garantir a segurança de professores e estudantes na pandemia. São questões terão que ser resolvidas por aqueles que assumirem o comando das prefeituras no início do próximo ano. Tudo isso em um cenário de baixa arrecadação e, possivelmente, de orçamentos mais enxutos.

A Agência Brasil conversou com especialistas sobre as ações que são esperadas dos novos gestores e o papel dos municípios na educação, além de ouvir deles dicas sobre como avaliar um plano de governo no campo educacional para decidir em quem votar.

No dia 15 deste mês, 5.570 municípios escolherão prefeitos e vereadores. “A maioria esmagadora dos municípios não tem ainda previsão de volta às aulas presenciais, não sabe dizer se volta neste ano ou no ano que vem. Muitos já declararam a volta no ano que vem”, diz o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Garcia.

De acordo com o último levantamento da Undime, em agosto, cerca de 50% dos municípios brasileiros ainda não tinham estruturado um protocolo de retorno às aulas, ou seja, não haviam definido qual seria a distância a ser mantida entre os estudantes e quais equipamentos de proteção individual e itens de higienização estariam disponíveis nas escolas.

“O início das novas gestões em 2021 se dará em um contexto inédito e talvez no contexto mais desafiador da história da educação brasileira, por conta da pandemia de covid-19 e do fechamento prolongado das escolas”, afirma o líder de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa.

Para Corrêa, os novos gestores públicos precisarão, inicialmente, dar muita ênfase às ações de retomada das aulas presenciais, quando isso for permitido pelas autoridades sanitárias “em cada local do território brasileiro, e também às de mitigação dos efeitos que pandemia trouxe e continua trazendo, para alunos, professores e comunidade escolar”.

Creches e alfabetização

Além de ações emergenciais, os gestores têm uma série de obrigações a cumprir durante o mandato. De acordo com a Constituição brasileira, os municípios são prioritariamente responsáveis pelas etapas iniciais da educação – creche, pré-escola e primeiros anos do ensino fundamental, do 1º ao 5º ano. Cabe a eles, portanto, a tarefa de alfabetizar as crianças.

Segundo o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13005/2014, que estabelece metas para melhorar a qualidade da educação no Brasil até 2024, o país precisa ampliar as vagas em creches, para crianças até 3 anos de idade. Até 2024, 50% delas devem estar matriculadas – os últimos dados, de 2018, mostram que o atendimento chega a 35,7%.

Já a pré-escola, que atende os alunos de 4 e 5 anos, deveria estar universalizada, desde 2016, mas 328 mil crianças ainda estão fora das salas de aula. Os dados são do monitoramento do PNE feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Outra meta trata da alfabetização das crianças. Pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estipula o que deve ser ensinado em todas as escolas, a alfabetização deve ocorrer até o 2º ano do ensino fundamental. Avaliações nacionais, no entanto, mostram que há dificuldades nesse aprendizado: mais da metade dos estudantes está nos dois primeiros níveis de proficiência em leitura e em matemática e cerca de um terço, em escrita.

Está, portanto, nas mãos dos municípios o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para os anos iniciais. “Investir na primeira infância, na faixa etária até 6 anos, investir na criança é a melhor forma de nivelar, de trazer igualdade de oportunidade para todas as crianças, sejam pobres, de renda média ou ricas. Investir nessa fase é uma forma de garantir o pleno potencial das pessoas. A criança que tem investimento qualitativo entra com melhores condições de absorver conhecimento nas etapas seguintes”, diz a diretora de Relações Institucionais da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Heloisa Oliveira.

Para cumprir o PNE, cada cidade teve que aprovar um plano municipal de educação (PME) adaptado à própria realidade. “Poucos municípios olham para os seus PMEs. Neste ano, com a questão da covid-19, o foco mudou totalmente. A gente ignorou. Quando se ignora o plano, perde-se a condição de avançar no médio e no longo prazos de forma consistente”, alerta Garcia. Ele enfatiza que é importante cada gestor que esteja deixando o cargo avaliar o cumprimento dos dados do plano municipal de educação e fazer uma transição informando tudo. Segundo Garcia, é preciso dizer aos candidatos a prefeito que existem PMEs.

Financiamento

Responsáveis pela maioria das vagas nas escolas do país, os municípios investem R$ 4 de cada R$ 10 gastos na educação básica, que vai do ensino infantil ao ensino médio. Há, no entanto, grande desigualdade de arrecadação entre as prefeituras, e isso, em um período de pandemia e de crise econômica, fica ainda mais acentuado.

“Tem uma agenda da pandemia que os gestores terão que enfrentar, que vai da distribuição de equipamentos de internet banda larga, que agora será imprescindível, ao redimensionamento de turmas e readequação arquitetônica das escolas [para maior ventilação das salas e redução número de alunos por turma]”, destaca o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O professor ressalta que isso ocorrerá no meio de uma enorme crise arrecadatória e que vai ser “um desafio grande”.

De acordo com Cara, nesse contexto, é importante a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O fundo é composto por recursos que provêm de impostos e transferências da União, estados e municípios e é a principal fonte de recursos para a educação pública. A vigência do Fundeb terminaria neste ano, mas o Congresso Nacional o tornou permanente.

Agora, o Fundeb precisa ser regulamentado. “O alento para que os secretários municipais possam trabalhar com qualidade é uma regulamentação do Fundeb de fato robusta, que fortaleça o amparo por parte do governo federal a estados e municípios”, diz Daniel Cara.

“A maioria dos municípios brasileiros depende quase integralmente do Fundeb para manter o sistema educacional funcionando”, complementa Corrêa. “Os municípios mais pobres terão mais recursos que podem compensar a queda de arrecadação esperada por conta da crise econômica que a gente vive. O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica e precisa ser regulamentado com urgência no Congresso Nacional, para que se consiga atender com a devida qualidade especialmente os alunos mais pobres do país.”

Escolha de candidatos

Segundo Daniel Cara, a educação, que já ocupa espaço de destaque nas campanhas eleitorais, ganhou mais destaque no contexto da pandemia. “A falta da escola gerou um impacto grande no cotidiano familiar. Aquilo que era naturalizado passa a ser percebido como uma parte importante da vida. O espaço social para a realização da infância e da adolescência é a escola. A educação está sendo bastante debatida.”

Para saber se os planos dos candidatos têm propostas relevantes na área da educação, o diretor-presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo, Alexsandro Santos, diz que os eleitores precisam estar atentos a alguns aspectos: “A primeira coisa é ter muita clareza de qual é o papel dos municípios no direito à educação.

Se o candidato promete, por exemplo, construir escolas técnicas na rede municipal, esta não é uma pauta do município. E isso significa que ele vai gastar o dinheiro da educação em uma pauta que não é de responsabilidade dele, “que tem que cuidar da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental. Aí que tem que focar”, alerta.

É preciso também verificar se os candidatos têm propostas para melhorar as condições de trabalho e carreira dos professores, uma vez que valorizar os profissionais do setor gera impacto na qualidade da educação ofertada.

Santos recomenda ainda que os eleitores verifiquem se os programas de governo são baseados em dados. “Se o candidato apresenta uma proposta, e esta não tem dados que a sustentem , o eleitor deve correr. Se falar, por exemplo, que vai construir 300 unidades de creche, [o eleitor pode questionar], com que dinheiro e em que lugares da cidade, porque esses dados são importantes para saber se a proposta faz sentido e não cair em promessas vazias dos candidatos.”

Heloisa concorda que é importante analisar as propostas incluídas nos planos de governo. “Em geral, as pessoas até ouvem o que os candidatos falam em debates ou propagandas eleitorais, mas não prestam atenção e não leem os planos de governo”, diz. Ela ressalta que quem está concorrendo a um cargo executivo tem a obrigação legal de divulgar o plano de governo no momento que se inscreve como candidato. “Na prática, se fizer uma analogia, é um candidato a um cargo público remunerado, e o plano é como se fosse um currículo.”

Os planos são documentos obrigatórios que trazem a visão e as propostas dos candidatos para cada setor.

Os documentos apresentados pelos candidatos estão disponíveis na internet para consulta, no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Agência Brasil

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