O oportunismo dos grandes conglomerados de educação
Por Gilson Reis*
Lemann, Kroton, Yduqs, Ânima Holding, SEB, Pearson, Bahema, Ser Educacional, Inspira. Em comum, apesar dos irônicos nomes das duas últimas, tudo o que essas empresas não são é inspiração pedagógica ou exemplo de preocupação educacional. As outras denominações, às vezes só um amontoado de letras ou palavras cuja pronúncia deixa dúvidas, na verdade dizem bem a respeito do que o conjunto dessas empresas, bancos e multinacionais representa: desnacionalização, alta lucratividade, capital financeiro nacional e internacional, nenhum compromisso com a educação como direito constitucional e instrumento de desenvolvimento nacional sustentável.
Só para comentar alguns exemplos, Jorge Paulo Lemann, do grupo educacional Eleva, é conhecido, entre outros negócios, como sendo um dos fundadores do Banco Garantia e da Ambev, grande multinacional do ramo de bebidas. O Inspira é controlado por um fundo gerido pelo BTG Pactual, nada mais do que um banco de investimentos. A Bahema, por sua vez, foi fundada em Salvador, na década de 1950, como empresa de comercialização de implementos agrícolas e seu braço educacional teve início apenas em 2017 (não por coincidência depois do golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff e possibilitou a ascensão da política econômica ultraliberal ao poder), por meio de controle direto ou participação no controle de escolas de educação básica. E o que investimentos no mercado financeiro, bebidas, implementos agrícolas e educação têm de semelhante? Para essas corporações, o fato de que não passam de mercadorias a serem comercializadas. O que querem é vender e obter lucros, qualquer que seja o “produto” — e educação, para eles, é apenas mais um.
Neste momento da história em que a educação vive sua maior crise das últimas décadas, grupos “educacionais” de capital aberto têm ido às compras, aproveitando-se da pandemia. Sim, professores e técnicos administrativos continuam sendo largamente atacados e acusados de “não quererem trabalhar”, como se o volume de demandas não tivesse ampliado com ao ensino remoto adaptado adotado como medida emergencial para conter a disseminação do coronavírus e reduzir os riscos de contágio pela Covid-19. Sim, escolas da educação básica — da educação infantil aos ensinos fundamental e médio — e instituições de pequeno e médio porte também continuam sofrendo os impactos e tendo que fechar as portas. Ou mudar de dono.
É justamente aqui que se comprova um alerta feito pela Contee desde o ano passado, quando a pandemia ainda durava poucos meses. A culpa pela crise no setor privado de ensino (crise, leia-se, que só atinge médios e pequenos) não é de professores e técnicos administrativos que decretaram greves pela vida Brasil afora e/ou acionaram a Justiça para assegurar a suspensão das aulas presenciais e manutenção das aulas remotas até a possibilidade de um retorno seguro. Tampouco a culpa é de estudantes que pediram redução de mensalidades ou de pais de alunos que, por ventura, tenham ficado inadimplentes com o pagamento da escola de seus filhos, pelo desemprego ou por falências. A culpa é da inoperância do governo federal; é do desemprego, da suspensão de contrato e/ou da redução salarial que impedem uma família de pagar a escola ou um jovem de continuar a faculdade; e é, sobretudo, da política econômica ultraliberal de Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes, que sempre baixou e continua baixando a cabeça para o setor financeiro e que se recusou, desde o princípio, a socorrer pequenas e médias empresas. As grandes, como se vê, seguem muito bem, obrigado, fazendo a feira na crise alheia, comprando escolas a todo vapor e prosperando mesmo que mais de meio milhão de brasileiros tenham morrido e outros tantos tenham voltado à miséria e à fome.
Esse processo não é de agora. Para compreendermos o que está acontecendo hoje temos que nos remeter aos anos 1990, à gestão de Fernando Henrique Cardoso e do ministro Paulo Renato, e à transformação, pelo Banco Mundial, da educação em serviço. A partir daí tivemos três fases. A primeira, do governo FHC, é a da mercantilização, quando a educação começa a ser comprada e comercializada em qualquer esquina do Brasil. A segunda é a do processo de financeirização, já nos anos 2000, de fusões, aquisições e transformação da educação em player no mercado financeiro com sua comercialização nas bolsas de valores. E a terceira é quando, além da internacionalização, houve um estrangulamento no grande investimento que o setor privado fazia no ensino superior e essas empresas partiram para a educação básica. Agora, entramos numa quarta fase, de ainda maior concentração financeira, acentuada pela pandemia.
Não é só questão econômica que está em jogo, porém. Como fica a questão do trabalho, com o setor patronal cada vez mais concentrado, centralizado e articulado em nível nacional, buscando, em cada mesa de negociação, inviabilizar as convenções coletivas de trabalho, acordos e reivindicações de professores e técnicos administrativos? E como fica a questão da qualidade educacional, dos projetos político-pedagógicos e da concepção de formação da infância e da juventude, quando, por exemplo, de cada cinco faculdades do Brasil, três não cumprem com o mínimo ideal para a formação dos alunos ou quando a aquisição de escolas visa também introduzir no ensino conceitos padronizados e pasteurizados? Essas são preocupações reais e que precisam, urgentemente, ser combatidas por uma grande articulação nacional: dos trabalhadores em educação; do movimento estudantil; das entidades que defendem a educação pública, gratuita e socialmente referenciada e a regulamentação do ensino privado; de toda a sociedade.
Devemos nos levantar urgentemente contra a cartelização da educação, exigir uma educação pública e universal e, sobretudo, uma educação vinculada ao nosso projeto nacional de desenvolvimento.
*Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee
Da Carta Capital