A educação transformada em mercadoria

Os resultados do homeschooling e do corte de recursos das instituições federais de ensino são, em ambos os casos, uma educação excludente

Por Gilson Reis*

O projeto de lei que autoriza a educação domiciliar no Brasil mal começou a ser discutido no Senado, depois de ter sido aprovado pela Câmara, e já há empresas lucrando com a venda on-line de kits de materiais para famílias que querem optar pelo homeschooling.

Noticiado pelo imprensa, chamou a atenção o exemplo do Sistema Ave Maria HomeSchool, que se divulga como “a Educação Clássica e perfeita que só os pais podem garantir”, vendendo “Ensino infantil, fundamental e médio baseados na Revelação, na Tradição e no Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana”.

Por um lado, a óbvia vinculação religiosa fundamentalista pretende ter apelo junto às famílias conservadoras, contrárias tanto a questões referentes à educação sexual e à diversidade — de orientação sexual, de gênero, de cor da pele etc. — quanto, em casos extremos e infelizmente não raros, à própria ciência.

Por outro, contradizendo a mesma Bíblia que tanto defendem e que tanto invocam, o ensino privado, inclusive o de viés ultrarreligioso e conservador, costuma servir a dois amos. Um deles, obviamente, é o dinheiro. O verbo “vender” empregado há pouco — que também remete ao texto bíblico e aos “vendilhões do templo” — não foi usado à toa. Cada ano da educação infantil e do ensino fundamental custa R$ 1.995,84 à vista ou 12 parcelas de R$ 188,08, que resultam num total de R$ 2.256,96.

Homeschooling na educação básica, cortes no ensino superior

O caso é um exemplo do que o mercado se dispõe a lucrar direta e explicitamente. Há ainda, contudo, outra espécie de lucratividade, advinda do crescimento da educação privada desregulamentada em detrimento do fortalecimento da escola pública.

O homeschooling é mais uma forma de desinvestimento, outra face da mesma política de desmonte que acaba de cortar 14,5% da verba destinada a despesas de custeio e investimento nas universidades e institutos federais. Ao todo, o corte anunciado em maio tira R$ 1,8 bilhão da ciência e R$ 2 bilhões da educação, sem contar o impacto bilionário também na saúde, em função dos hospitais universitários.

No dia 1° de junho, reportagem da CartaCapital informou que, após 30 anos em alta, as matrículas nas universidades federais caíram pela primeira vez. Em contrapartida, segundo a IstoÉ Dinheiro, as matrículas no ensino superior privado cresceram 35% neste primeiro semestre de 2022. Até o valor-notícia é sintomático e diz muito sobre a questão central em cada caso. Sobre a universidade pública, o espaço é a editoria de educação numa revista progressista, de esquerda. Sobre o ensino superior privado, é o noticiário financeiro defensor do neoliberalismo, num veículo de direita.

Pode parecer que os assuntos são muito distintos para estarem reunidos aqui, mas os resultados do homeschooling e do corte de recursos das instituições federais de ensino são, em ambos os casos, uma educação excludente, que alija do ensino milhões de estudante. Uma educação transformada em mercadoria destinada somente a quem pode pagar e que faz a alegria de quem faz de tudo para vender.

*Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee

Da Carta Capital

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