A marcha retrógrada do TST
“Ao mestre, a reverência, e aproveita sua experiência.”
(Provérbio português)
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) — a quem cabe a uniformização da jurisprudência das demais instâncias da Justiça do Trabalho, fazendo-o por meio súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos —, sem o que nem por que, desde o advento da Lei N. 13.467/2017, vem sistematicamente revendo a sua própria jurisprudência, por meio de decisões de turmas, da seção de dissídios coletivos e do pleno, que representam colossal retrocesso social.
Ao que parece, o TST, confirmando o provérbio da epígrafe, resolveu reverenciar o Supremo Tribunal Federal (STF) e aproveitar a sua experiência no quesito retrocesso social. Ambos vêm se esmerando com essa finalidade, sendo que a mais recente decisão do TST supera a do mestre STF, como será demonstrado linhas adiante.
Nas decisões do STF dos últimos anos, por assim dizer, somente há dois pontos fora da curva da marcha do retrocesso social, que são as proferidas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5938, que julgou inconstitucional o Art.394-A da CLT (com a redação dada pela Lei N. 13.467/2017, que permite o trabalho de gestantes e lactantes em atividades insalubres), e nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, reafirmando a garantia pétrea do Art. 5º, inciso LVII, da CF, de presunção de inocência até o transito em julgado de sentença penal condenatória.
No tocante à marcha retrógrada do TST, citam-se, aqui, as seguintes:
I. duas decisões da Seção de Dissídios Coletivos (SDC), destinando ao sindicato das empresas de ônibus de Belo Horizonte e de Manaus as multas fixadas, em dissídios de greves, contra os trabalhadores em transportes coletivos dessas duas capitais —processos RO 10492-52-2017.5.03.0000 (setembro de 2018), RO 10493-37.2017.5.03.0000 (outubro de 2018) e 8-53.2017.5.11.0000 (setembro de 2019);
II. uma da terceira turma, que, acompanhando voto do ministro Ives Gandra Martins Filho — baseado em decisão do STF, Processo RE 590.415/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, que abriu largos para a prevalência do negociado sobre o legislado —, decidiu que os acordos extrajudiciais de quitação de direitos trabalhistas devem ser judicialmente homologados ou rejeitados integralmente, não podendo sê-lo parcialmente, ainda que deles sobressaiam flagrantes prejuízos aos trabalhadores. (Processo TST-RR-1000013-78.2018.5.02.0063).
Essa famigerada decisão tem a seguinte conclusão: “Assim sendo, é válido o termo de transação extrajudicial apresentado pelas Interessadas, com quitação geral e irrestrita do contrato havido, nessas condições, que deve ser homologado. Recurso de revista provido”;
III. uma do Tribunal Pleno, tomada ao dia 18 de novembro corrente, por 16 votos a nove, negando o direito à estabilidade provisória às gestantes submetidas a contratos temporários (IAC – 5639-31.2013.5.12.0051), assim exarada:
“Decisão: por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Relator, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Revisor, Lelio Bentes Corrêa, Mauricio Godinho Delgado, Kátia Magalhães Arruda, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Cláudio Mascarenhas Brandão e Maria Helena Mallmann, fixar a seguinte tese jurídica: ‘é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei n.º 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias’.”
Essa decisão afronta a literalidade da garantia assegurada no Art. 10, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que preconiza:
“Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
[…]
II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
[…]
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”.
Como se colhe da literalidade do texto constitucional, a garantia à gestante somente se condiciona à sua situação de empregada, não havendo sequer inferência à natureza do contrato, pouco importando se de experiência, temporário, determinado em sentido estrito e/ou indeterminado.
Ademais, restringe o alcance da Súmula 244 do próprio TST, revisada em 2012, que dispõe:
“Súmula nº 244 do TST
GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).
II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”.
E, por extensão, afetará também a Súmula 378, igualmente revisada em 212, que assevera:
“Súmula nº 378 do TST
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. (inserido item III) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 – inserida em 01.10.1997)
II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte – ex-OJ nº 230 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)
III – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no no art. 118 da Lei nº 8.213/91”.
Vale ressaltar que a decisão, que denota absoluto desprezo à vida em gestação para privilegiar o poder econômico, contraria até mesmo a jurisprudência do STF — a quem como já dito, o TST reverencia, no quesito retrocesso social —, como se constata por esses arestos:
“[…] A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem entendido que as servidoras públicas, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto , conforme o art. 7º inc, XVIII, da Constituição da República e o art. 10, inc. II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Provisórias […] (Agravo de Instrumento n. 710203, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 9-5-2008). (fl. 219, grifei )
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LICENÇA MATERNIDADE. MILITAR. ADMISSÃO EM CARÁTER TEMPORÁRIO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. ISONOMIA. ART. 7º, XVIII, DA CONSTITUIÇÃO E ART. 10, II, b, DO ADCT. AGRAVO IMPROVIDO. I As servidoras públicas e empregadas gestantes, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme o art. 7º, XVIII, da Constituição e o art. 10, II, b, do ADCT. II Demonstrada a proteção constitucional às trabalhadoras em geral, prestigiando-se o princípio da isonomia, não há falar em diferenciação entre servidora pública civil e militar. III – Agravo regimental improvido. (RE 597.989-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 28/03/2011)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LICENÇA-MATERNIDADE. CONTRATO TEMPORÁRIO DE TRABALHO. SUCESSIVAS CONTRATAÇÕES. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ART. 7º, XVIII DA CONSTITUIÇÃO. ART. 10, II, b do ADCT. RECURSO DESPROVIDO. A empregada sob regime de contratação temporária tem direito à licença-maternidade, nos termos do art. 7º, XVIII da Constituição e do art. 10, II, b do ADCT, especialmente quando celebra sucessivos contratos temporários com o mesmo empregador. Recurso a que se nega provimento. (RE 287.905, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator para acórdão Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 30/06/2006)
E M E N T A: SERVIDORA PÚBLICA GESTANTE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT/88, ART. 10, II, b) CONVENÇÃO OIT Nº 103/1952 INCORPORAÇÃO FORMAL AO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (DECRETO Nº 58.821/66) – PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO ÓRGÃO PÚBLICO COMPETENTE RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O acesso da servidora pública e das trabalhadoras gestantes à estabilidade provisória, que se qualifica como inderrogável garantia social de índole constitucional, supõe a mera confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao órgão estatal competente ou, quando for o caso, ao empregador. Doutrina. Precedentes. – As gestantes quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, b), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º) , sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral. Doutrina. Precedentes. Convenção OIT nº 103/1952. – Se sobrevier, no entanto, em referido período, dispensa arbitrária ou sem justa causa de que resulte a extinção do vínculo jurídico- -administrativo ou da relação contratual da gestante (servidora pública ou trabalhadora), assistir-lhe-á o direito a uma indenização correspondente aos valores que receberia até cinco (5) meses após o parto, caso inocorresse tal dispensa. Precedentes. (RE 634.093-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 06/2/2011.”
A se manter essa marcha de retrocesso, em breve, a defesa da Justiça do Trabalho não encontrará mais eco social.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee