A quem serve o coordenador da Lava Jato no MPF: aos EUA ou ao Brasil?
É reveladora, e também deveria ser considerada preocupante, a informação divulgada pelo procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal, durante evento realizado pelo jornal O Estado de São Paulo na segunda (1). Tentando explicar o inexplicável acordo pelo qual seria criado uma fundação associada à Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba para administrar uma fortuna de R$ 2,5 bilhões provenientes da Petrobras, ele sugeriu que a iniciativa foi uma exigência dos EUA.
“O que existiu foi uma autorização condicionada à política oficial norte-americana”, revelou. “Os EUA frisaram que o dinheiro não poderia ficar com a União Federal porque a União Federal é controladora da Petrobras”. Mas será que Dallagnol ainda não se deu conta de que é um funcionário público pago pelo Estado brasileiro? E muito bem pago, por sinal.
Privilégios e mordomias
Além de um salário de cerca de R$ 33 mil, ele embolsa uma verba extraordinária de R$ 6.659 todo santo mês, incluindo auxílio moradia, muito embora seja proprietário de imóveis em Curitiba, inclusive oriundos do programa Minha Casa, Minha Vida. Parafraseando o jornalista Boris Casoy. poderíamos chamar isto de “pouca vergonha”. Trata-se de um cidadão privilegiado, um espertalhão que goza de mordomias condenáveis enquanto posa de guardião da moral nacional.
Como funcionário público brasileiro não poderia incorrer em ilegalidades para criar uma fundação cujo objetivo é a administração de R$ 2,5 bilhões, sendo que na realidade pelo menos metade deste dinheiro seria usado para fins políticos e particulares pelos integrantes da força tarefa, personalidades cuja vocação reacionária e direitista é pública e notória. Todavia, Dallagnol confessa que agiu contra os interesses e as leis do Estado que paga seus salários e mordomias porque os EUA assim queriam e determinaram: “frisaram que o dinheiro não poderia ficar com a União Federal” e ele teria batido continência. Que poderes tem os EUA, uma potência estrangeira, para determinar quem pode e quem não pode manipular dinheiro que, tendo origem numa estatal, devem ser considerados públicos?
Golpes e guerra híbrida
A negociação dos recursos em questão continua envolta na obscuridade, assim como o conjunto das relações perigosas estabelecidas entre os heróis da Lava Jato e Washington, que reclamam investigações mais sérias e aprofundadas. A operação organizada e conduzida pela chamada República de Curitiba foi peça fundamental da engrenagem golpista que culminou na deposição de Dilma Rousseff, na condenação e prisão política de Lula e na eleição de Jair Bolsonaro.
A empreitada não teria sucesso sem o concurso da rede global de espionagem montada pelo poderoso império. Foi o que municiou a Lava Jato, com informações colhidas ilegalmente espionando a presidenta Dilma, ministros e assessores do seu governo e grandes empresas brasileiras, entre elas a Petrobras e a Odebrecht. A visita do ex-juiz Sergio Moro, hoje um funcionário de Bolsonaro, à sede da CIA em Washington é emblemática neste sentido.
As informações colhidas pelos espiões norte-americanos também têm sido largamente utilizadas contra políticos de esquerda e líderes latino-americanos que o imperialismo enxerga com hostilidade e trata como inimigos.
Não há exagero nas análises que veem nos acontecimentos políticos que sacodem o continente ao longo dos últimos anos a estratégia de uma guerra híbrida movida pelos EUA para recuperar o domínio da região, cujo pano de fundo é o duelo geopolítico com a China e Rússia. Isto hoje parece mais claro com o acirramento da luta de classes na Venezuela, onde Pequim e Moscou respaldam o governo de Maduro enquanto os EUA apostam suas fichas num golpe de Estado liderado pelo deputado Juan Guaidó.
As lições da história
É à luz deste contexto histórico mais amplo que se desenrola e deve ser analisada a novela da Lava Jato, cujos resultados objetivos favoreceram sobremaneira os interesses e a estratégia imperialista dos EUA. Entre esses favores destacam-se a destruição das grandes empreiteiras brasileiras, sérias concorrentes dos monopólios estadunidenses abatidas na operação, a multa bilionária extorquida da Petrobras, a abertura do pré-sal e a deposição de um governo considerado hostil, acompanhada da prisão de Lula e eleição de um direitista fanático fã número 1 de Donald Trump ao mais alto cargo da República brasileira.
O maior de todos os prêmios colhidos pela Casa Branca foi a mudança radical da política externa brasileira, que começou com Temer mas adquiriu uma qualidade superior com a dupla Bolsonaro/Araújo. Uma política infame que deixa o Brasil inteiramente a reboque dos desígnios imperialistas dos EUA num momento de franco declínio da sua hegemonia em todo o mundo e decomposição da ordem capitalista institucionalizada nos acordos de Bretton Woods (1944).
Não se sabe se é apenas o espírito de vira-lata, descoberto por Nelson Rodrigues, que explica o comportamento temerário da República de Curitiba, exaltada e glorificada pela mídia hegemônica, mas que – embora blindada – acabou flagrada com as mãos na botija quando já estava se apropriando sorrateiramente dos R$ 2,5 bilhões extorquidos pelos EUA da nossa Petrobras.
A verdade é que não há saldo positivo da Lava Jato. Para a economia foi um desastre que subtraiu em torno de 2,5% do PIB, agravando a recessão iniciada em 2015, segundo estudo feito à época pelo Grupo de Economia & Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas, além de extraordinários benefícios ao capital estrangeiro. Milhões de empregos foram destruídos, de forma que o número atual de desempregados e subocupados chega a quase 30 milhões.
A história ensina que a política imperialista dos EUA, inaugurada no século 19, sempre contrariou os interesses dos povos e das nações na América Latina e igualmente no Oriente Médio, na Ásia, África e Europa. No Brasil, atuaram e atuam ostensivamente, aliados às forças sociais mais obscurantistas e reacionários para combater as organizações progressistas e sabotar o desenvolvimento nacional. Foram as “forças subterrâneas” denunciadas por Getúlio Vargas, levado ao suicídio em 1954, enviaram uma frota para garantir o golpe militar de 1964, que depôs João Goulart, e deixaram fortes impressões digitais no golpe de Estado de 2016, travestido de impeachment.
É no mínimo curiosa a declaração do subprocurador geral dos EUA, Kenneth A. Blanco, sobre a condenação do ex-presidente Lula, à qual se referiu (num discurso pronunciado em julho de 2017) como o principal exemplo dos “resultados extraordinários” alcançados graças à colaboração do Departamento de Justiça do seu país com os promotores da Lava Jato. Seria uma danosa ingenuidade acreditar que a intervenção dos imperialistas em assuntos domésticos do Brasil é guiada pelo nobre objetivo de combater a corrupção, aperfeiçoar a democracia e favorecer o desenvolvimento nacional, como sugerem os próceres da República de Curitiba.
As ligações perigosas da Lava Jato com o imperialismo demandam uma investigação mais rigorosa e profunda. Não se deve naturalizá-las em nome do combate à corrupção. Quanto ao procurador Dallagnol, autor de um famoso e bizarro Power Point sobre Lula, ele precisa esclarecer se é um privilegiado funcionário do Estado brasileiro, a cujas leis e normas deve obediência, ou se segue ordens superiores provenientes dos EUA.
Umberto Martins