A reabertura das escolas sem a mitigação robusta da COVID-19 corre o risco de acelerar a pandemia
Leia tradução de artigo originalmente publicado na Revista Lancet, publicação científica de prestígio
Leia abaixo e em PDF a tradução do artigo “School reopening without robust COVID-19 mitigation risks accelerating the pandemic” (“A reabertura das escolas sem a mitigação robusta da COVID-19 corre o risco de acelerar a pandemia”, em tradução livre), publicado por vários autores – veja abaixo – na revista científica britânica Lancet na última quarta-feira (10/03). A Lancet é uma das mais prestigiosas e antigas revistas médicas do mundo. Os artigos da Lancet são revisados por pares, ou seja, passam pelo crivo de um ou mais especialistas de alto escalão da área. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação assegura que a publicação da tradução trata-se de serviço público, de forma a subsidiar o debate da política educacional com informações científicas relevantes. Indicamos também as recomendações recentes da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para o retorno escolar presencial.
Em 22 de fevereiro de 2021, o governo do Reino Unido anunciou que as escolas na Inglaterra seriam totalmente reabertas em 8 de março de 2021. Porém, apesar de o retorno às escolas o mais rápido possível ser fundamental para a educação, o desenvolvimento social e o bem-estar físico e mental das crianças, não foi feito o suficiente para tornar as escolas mais seguras para alunos e funcionários. Sem mitigações adicionais, aumentos na transmissão são prováveis, desta vez com variantes mais infecciosas e possivelmente mais virulentas, resultando em mais lockdowns, fechamentos de escolas e absenteísmo. Mesmo quando estavam supostamente abertas em totalidade, em pontos de alta transmissão na comunidade, 22% das crianças do ensino médio não frequentavam a escola devido ao isolamento social. Em algumas áreas, o comparecimento chegou a apenas 61%.
Os argumentos de que as escolas não contribuem para a transmissão comunitária e que o risco geral da COVID-19 para as crianças é muito pequeno resultaram que as mitigações nas escolas tiveram baixa prioridade. No entanto, as evidências citadas nesses argumentos têm sérias limitações. O fechamento de escolas primárias e secundárias tem sido associado a reduções substanciais ao longo do tempo na taxa de reprodução efetiva (Rt) em muitos países (incluindo a Inglaterra) e períodos de tempo. Em contraste, os dados da Pesquisa de Infecção COVID-19 2020 do Office for National Statistics’ (ONS) mostram que a prevalência de infecção entre crianças de 2-10 anos (2%) e 11-16 anos (3%) aumentou acima da prevalência para todas as outras faixas etárias antes das férias de fim de ano de 2020. Os dados de modelagem e dados empíricos mostram casos crescentes em regiões onde a variante SARS-CoV-2 B.1.1.7 prevalecia durante o lockdown em novembro de 2020 (quando as escolas estavam abertas), sugerem que a abertura de todas as escolas agora, sem medidas mitigatórias robustas em vigor, provavelmente causará aumento da Rt acima de 1 em quase todos os cenários. Dados de modelagem da Universidade de Warwick e do Imperial College London sugerem que pelo menos 30.000 mortes a mais de COVID-19 são estimadas sob os cenários de reabertura propostos. Ao longo de fevereiro de 2021, apesar de haver menos alunos na escola neste momento, o corpo docente estava em maior risco de infecção. Surtos recentes em escolas no norte da Itália, onde a variante B.1.1.7 é prevalente, também são preocupantes.
Embora seja improvável que a COVID-19 cause doença grave em crianças, as estimativas da prevalência de sintomas longos de COVID com base na Pesquisa de Infecção do ONS sugerem que 13% das crianças de 2 a 10 anos e 15% das crianças de 12 a 16 anos têm pelo menos um sintoma persistente 5 semanas após o teste dar positivo. Dada a incerteza sobre os efeitos a longo prazo da infecção do SARS-CoV-2 na saúde, não seria sensato deixar o vírus circular em crianças, com o consequente risco para suas famílias. Reabrir totalmente as escolas em um ambiente de alta transmissão comunitária sem salvaguardas apropriadas corre o risco de privar muitas crianças da educação e da interação social novamente, agravando as desigualdades existentes. Ao contribuir para a alta transmissão comunitária, também fornece um terreno fértil para a evolução do vírus e novas variantes.
As mitigações em várias camadas podem reduzir substancialmente o risco de transmissão nas escolas e nas famílias. No painel, nós resumimos um conjunto de recomendações que estão em linha com as diretrizes dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA e praticadas em muitos países para reduzir o risco de transmissão nas escolas e mitigar o impacto do COVID-19 nas crianças e famílias. Tornar as escolas mais seguras anda de mãos dadas com a redução da transmissão comunitária e é essencial para permitir que as escolas reabram com segurança e permaneçam abertas.
Para as diretrizes do CDC para reabertura de escolas, clique aqui.
Para a Pesquisa de Infecção COVID-19, clique aqui.
Autores do artigo:
Deepti Gurdasani, Nisreen A Alwan, Trisha Greenhalgh, Zoë Hyde, Luke Johnson, Martin McKee, Susan Michie, Kimberly A Prather, Sarah D Rasmussen, Stephen Reicher, Paul Roderick, Hisham Ziauddeen
d.gurdasani@qmul.ac.uk; n.a.alwan@soton.ac.uk
Tradução: Marcele Frossard
Revisão: Helena Rodrigues