“Ameaça aos trabalhadores e proteção aos interesses do capital”, por José Geraldo Santana

Compartilhamos abaixo a reflexão do consultor jurídico da Contee, José Geraldo Santana Oliveira, sobre as recentes declarações do novo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, que se apresentam como uma ameaça aos trabalhadores e clara proteção aos interesses do capital.

Por José Geraldo Santana

Os (as) trabalhadores(as) brasileiros (as) sempre souberam que a Justiça do Trabalho não está imune às injunções políticas e às pesadas pressões do capital, que, de forma escancarada e agressiva, busca a indevida interferência na sua atuação e na formação de sua jurisprudência, em proveito próprio, e, como reverso, em sucateamento (precarização) dos já minguados direitos fundamentais sociais, que se efetivaram.

Por isso, a sua luta cotidiana e sem trégua, desde a criação da Justiça do Trabalho – há mais de setenta anos –, foi, é e será para que ela, sem prejuízo da concepção de mundo e dos valores de cada um dos seus integrantes, paute a sua conduta pela fiel observância dos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana (Art. 1°, inciso III, da Constituição Federal-CF); valores sociais do trabalho (Art. 1º, inciso IV, da CF); melhorias condições sociais (Art. 7º, da CF); pela valorização do trabalho humano (Art. 170, caput); pela função social da propriedade (Art. 170, inciso III, da CF); e primado do trabalho (Art. 193, caput, da CF).

Em decorrência das pressões e contrapressões que, diuturnamente, recaem sobre a Justiça do Trabalho, e da própria concepção de mundo e os valores dos magistrados que a compõem, a sua jurisprudência, contraditoriamente, é marcada, ora, pelo retrocesso (recuo), ora, pelo avanço (progresso).

Como retrocesso, em total afronta à CF, destacam-se: o esvaziamento do direito de greve, garantido pelo Art. 9º, da CF, com reiteradas declarações de abusividade (ilegalidade), com os injustificáveis interditos proibitórios, a fixação de percentual de trabalhadores que a ela não pode aderir, chegando às raias da insensatez, para não dizer absurdo, de 80% (oitenta por cento), ou, até 100% (cem por cento), como aconteceu, na greve dos metroviários, em São Paulo, em 2014; a estúpida limitação do número de dirigentes sindicais com estabilidade a 14 (quatorze), não importando a base territorial e o total de trabalhadores representados pelo sindicato; e a inviabilização do financiamento das entidades sindicais pelo Precedente Normativo (PN) N. 119 que, sem qualquer razoabilidade, diz que todos se beneficiam das conquistas sindicais, mas só associados pagam por ela, em verdadeira quebra do princípio constitucional da isonomia, e total incentivo para que nenhum trabalhador seja sindicalizado, pois a associação vira sinônimo de punição.

Como avanços havidos na sua jurisprudência, sobretudo, a partir de sua última semana de jurisprudência, em 2012, merecem especial destaque: o reconhecimento do instituto da substituição processual ampla e irrestrita, em consonância com o STF; a nova redação da Súmula N. 277, que garante a ultratividade das normas coletivas e que representa a maior conquista dos valores sociais do trabalho desde a promulgação da CF, em 5 de outubro de 1988; a nova redação das súmulas 10 – de grande alcance para centenas de milhares de professores da iniciativa privada, e que, dando interpretação conforme aos Arts. 322 e 487, da CLT, assegura-lhes aviso prévio cumulado com salários do período de recesso escolar, em caso de demissão sem justa causa, ao final do semestre ou no curso das férias escolares –, N. 244 – que assegura estabilidade à gestante, com contrato por prazo determinado –, 378 – que assegura estabilidade ao trabalhador com contrato por prazo determinado que sofreu acidente de trabalho e entrou em gozo de auxílio-doença; bem assim, a Súmula 443, que proíbe a dispensa discriminatória; e a 450, que determina o pagamento em dobro das férias não gozadas em conformidade com o Art. 145, da CLT, ou seja, com pagamento antecipado.

Merece, ainda, destaque a Súmula 331, que, por ocasião de sua aprovação, ao início da década de 1990, representava o atendimento às pressões patronais, para a liberação de terceirização na atividade-meio; mas que, hoje, dado ao impressionante retrocesso social – por mais incrível que possa parecer –, passou a ser garantia mínima do mundo trabalho, ao vedar a terceirização na atividade-fim.

Quem se identifica com o Estado Democrático de Direito e com a construção da cidadania – que pressupõe e representa a sua concretização – sabe que a Justiça do Trabalho vive o conturbado contexto de lutas entre capital e trabalho, sofrendo diretamente os reflexos desta, e que, não raras vezes – melhor seria dizer quase sempre –, como demonstrado acima, aquele é vitorioso, na construção da jurisprudência desta.

O quadro da jurisprudência da Justiça do Trabalho, em especial a do TST, a quem cabe uniformizar a sua própria e a de todos os 24 tribunais, não autoriza nenhum analista a afirmar que ela é paternalista, em prol dos trabalhadores, a não ser que este haja com má-fé.

Pois bem. Para desespero do mundo do trabalho e regozijo do capital, o novo Presidente do TST, Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, que tomou posse no dia 25 de fevereiro último, em entrevista ao Jornal O Globo, em total afronta aos princípios republicanos, que, obrigatoriamente, devem reger a conduta de magistrados – aliás, marca de seu antecessor Ministro Antonio Barros Levenhagen –, e em total rota de colisão com os fundamentos, princípios e garantias constitucionais, não só afirma que a Justiça do Trabalho é paternalista com os trabalhadores, como propõe total revisão da jurisprudência do TST, em prol do capital; chegando ao disparate de afirmar, categoricamente, que a flexibilização dos direitos trabalhistas “não só ajudaria, mas resolveria praticamente” a crise que assola o Brasil e que a terceirização é inexorável, e qualquer manifestação contrária a ela – como fizeram 19 de seus colegas ministros do TST, todos os 24 presidentes dos tribunais regionais e mais 5 mil juízes – é de caráter ideológico e se encontra na contramão da história – na verdade, dos interesses do capital.

Esta inusitada, inesperada e inaceitável conduta do Presidente do TST, representa colossal e jamais vista ameaça aos valores sociais do trabalho, que, a depender dele – e pelo que se infere, de sua atuação à frente deste Tribunal –, serão reduzidos a patamares insuportáveis e pré-históricos.

Portanto, cabe a todos quantos pugnam pelo Estado Democrático de Direito e pela construção da cidadania rechaçar a conduta do Presidente do TST com toda ênfase e veemência; ao mesmo tempo em que devem conclamar aos demais ministros do TST a não permitir que se concretize o retrocesso proposto pelo seu Presidente, e que, a toda evidência, será por ele buscado, com sofreguidão.

Com todo o respeito ao cargo de Ministro do TST – o maior na estrutura da Justiça do Trabalho do Brasil –, o seu Presidente desvestiu-se de sua toga para assumir a condição de líder do capital, no âmbito deste egrégio Tribunal.

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