Após era neoliberal, América Latina consolida educação como direito, diz pesquisa
São Paulo – Depois de um período marcado pela redução do papel do Estado na garantia de direitos e por políticas ditadas por dogmas do mercado financeiro e empresarial, nos anos 1980/1990, a América Latina chegará a 2015 considerando institucionalmente a educação como um direito humano em todos os países do bloco.
Apesar disso, ainda existe, na prática, uma distância grande entre o que reconhece a legislação e o que é garantido à população, sobretudo nos países mais pobres da América Central. É o que mostram dados preliminares de um estudo da Unesco de Buenos Aires e da Campanha Latino Americana pelo Direito à Educação (Clade), a ser lançado no ano que vem.
Todos os países da região determinam um período mínimo de escolarização obrigatória durante a infância, com objetivos de formar um indivíduo livre, pleno, produtivo e apto para exercer sua cidadania. Os governos devem ser responsáveis por oferecer educação pública da forma mais ampla e democrática possível, segundo o levantamento, que avaliou os documentos norteadores do ensino em El Salvador, Cosa Rica, Cuba, Guatemala, México, Colômbia, Panamá, Brasil, República Dominicana, Paraguai, Peru, Argentina, Nicarágua, Uruguai, Venezuela, Chile, Bolívia, Honduras e Equador.
“Na América Latina temos um debate legislativo sobre a educação extremamente rico, que reflete o momento que a região está vivendo. Nos anos 2000 se iniciou um debate para repensar o papel do estado e vemos hoje, quase 15 anos depois, que os marcos normativos expressam essa mudança e que os Estados assumem a educação como um direito humano fundamental, com a responsabilidade de garanti-lo. E não são só as leis que dizem isso, mas também o debate legislativo regional”, afirma o coordenador do projeto de educação e equidade na América Latina, Néstor Lopéz.
Na Argentina, por exemplo, a educação tem entre seus principais objetivos legais “fomentar a construção de uma memória coletiva sobre os processos históricos e políticos que quebraram a ordem constitucional e terminaram instaurando o terrorismo de Estado, com objetivos de provocar nos alunos reflexões e sentimentos democráticos e de defesa do Estado de direito e a plena vigência dos direitos humanos”, segundo os documentos norteadores. Lopéz entende que o país incorpora na escola um estudo crítico sobre a ditadura para criar consciência política nos estudantes.
Apesar do aparato teórico e legislativo bem formulado, o estudo aponta que há uma distância grande entre a legislação e a real garantia do direito à educação de qualidade, sobretudo nos países mais pobres, como Honduras, El Salvador e Nicaragua. No Haiti, por exemplo, apenas 15% das escolas são públicas e gratuitas, sendo que pelo menos 40% a população do país está desempregada.
“É claramente uma distância abismal entre a lei e o que acontece com os cidadãos. São países com problemas de pobreza, debilidade do Estado e atravessadas por situações de violência, mas não necessariamente é culpa do marco normativo. A Republica Dominicana poderia fazer parte desse grupo, mas optou por priorizar um grande trabalho de inclusão pela educação, que está ajudando o Estado a reduzir suas dívidas com a população”, avalia Lopéz.
“Há também outros países com mais recursos, onde não há um problema predominante de pobreza, mas sim de alinhamento de políticas, onde o Estado expressa o projeto político apenas de determinados setores da sociedade”, diz. Por isso, o estudo aponta que é preciso que a sociedade civil se engaje na luta pela educação pública, gratuita e de qualidade e cobre o estado e os parlamentares pelo cumprimento das leis.
Da Rede Brasil Atual