As mulheres e a Constituição Cidadã
Por Lídice da Mata*
A Constituição de 1988 representou a consolidação da democracia por uma nova sociedade brasileira, que se organizou a partir do fim da ditadura militar. Quando o então MDB apresentou a proposta de uma Constituinte democrática e soberana, lançou as bases de uma nova organização social para o Brasil.
Nesses 25 anos da promulgação da Constituição, é uma emoção renovada relembrar o rico debate travado durante o processo de elaboração da Carta Magna do país, tão bem conduzido pelo timoneiro Ulysses Guimarães, sem dúvida um dos grandes responsáveis para que a Constituição fosse escrita em 20 meses.
No início, nem todos defendiam as diversas bandeiras com o mesmo vigor. Muitos partidos e constituintes entendiam que a luta prioritária deveria ser a de eleger diretamente o presidente da República. Com a derrota da então chamada Emenda Dante de Oliveira – depois de termos perdido a batalha pelas Diretas Já – e após a conquista de um novo governo democrático no país encerrando um período ditatorial com um presidente civil, mesmo que eleito no Colégio Eleitoral, não era mais possível voltar atrás. Fazia-se necessária uma nova ordem constitucional que consolidasse a democracia, reafirmasse as eleições democráticas e fizesse surgir, de baixo para cima, esse moderno país que é o Brasil de hoje.
A elaboração da Constituição teve um forte envolvimento da população e de nós, mulheres, apesar de sermos um grupo minoritário formado por 25 mulheres constituintes (entre 534 homens). Mesmo em minoria, a bancada feminina teve intensa participação. Durante a Constituinte, obtivemos avanços importantes. Os debates foram marcados por diversos momentos cruciais, como quando discutimos os direitos da família, as questões ligadas ao direito civil, à união estável, aos direitos dos filhos fora do casamento – que mobilizaram muito as mulheres em todo o Brasil. Tivemos também momentos delicados, como o da discussão do aborto, que dividiu a opinião dos constituintes e da própria bancada feminina.
Outro momento importante foi durante a discussão de direitos trabalhistas, que igualmente tiveram intensa participação da bancada feminina. Um deles foi quando conseguimos aprovar a licença-paternidade, tema que teve muita dificuldade de compreensão pelos deputados e terminou sendo defendido por um parlamentar, médico, pediatra, que acabara de ser pai, o Alceni Guerra, que conseguiu sensibilizar a todos e nos deu a vitória dessa referência extremamente importante.
As mulheres e o próprio movimento negro tiveram importância muito grande também nos debates quanto à luta antirracista, com a participação de constituintes expressivos como o baiano eleito pelo Rio de Janeiro, Carlos Alberto Caó e, destacadamente, a deputada Benedita da Silva, como mulher, ex-empregada doméstica, negra, que trouxe à tona, com vigor, a luta antirracista.
Entre os principais avanços da Constituição de 1988 destaco, sem dúvida, os do campo social, dos direitos, das eleições diretas, do fim da censura, da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), da jornada de trabalho de 40 horas, das licenças maternidade e paternidade, entre outros.
Enfim, a Constituição de 1988 é uma “Constituição Cidadã” porque conseguiu representar diversos segmentos, de maiorias discriminadas e minorias despercebidas da nossa sociedade brasileira. E a bancada feminina foi essencial nessa conquista, foi atuante, foi protagonista, foi vencedora, e talvez tenha sido o segmento que mais conseguiu vitórias no processo de construção da Constituição, naquela agenda política.
*Lídice da Mata
Senadora pelo PSB-BA e deputada constituinte pelo PCdoB (1987-1991)
Foto: www.mulheresnopoder.com.br