As pesquisas eleitorais viraram a Geni das eleições

Por Allan Titonelli Nunes

As pesquisas eleitorais se tornaram a Geni da canção de Chico Buarque, ante a discrepância dos resultados das urnas com as previsões de alguns institutos. No decorrer dessa semana poderíamos resumir esse descontentamento com o refrão da famosa música “joga pedra na Geni, ela é feita para apanhar…”.

De outro lado, deixando de lado o caráter passional do eleitor/cidadão, verdade é que as pesquisas eleitorais não se destinam a prever o resultado final, mas fazer um recorte do momento. Assim, as pesquisas objetivam aferir a intenção do eleitor no momento da sua realização. Até porque, há fenômenos que podem interferir na mudança do voto, além da escolha de última hora dos eleitores indecisos ou que declararam votar em branco ou nulo. Por essa razão, importante fazer uma leitura completa e pormenorizada dos resultados divulgados pelos institutos de pesquisa.

Contudo, as pesquisas eleitorais criam uma expectativa no eleitor de, no mínimo, aproximação do resultado final, principalmente aquelas que são divulgadas na véspera ou antevéspera das urnas, e houve uma discrepância muito grande nos resultados, principalmente, de muitos Estados. Logo, natural a insatisfação, bem como a necessidade de se debater o fenômeno.

Decerto, uma das principais ferramentas para se fazer uma campanha vitoriosa é a pesquisa eleitoral. Isso porque, a pesquisa consegue extrair a vontade do eleitor, ou até demonstrar o segmento que o candidato é mais aprovado ou rejeitado, possibilitando direcionar o seu discurso. Todavia, essas informações, em geral, são utilizadas para consumo interno das campanhas, o que convencionou-se chamar de monitoramento ou tracking. Pode-se até dizer que não há como fazer uma boa campanha sem essas pesquisas.

Contudo, para publicizar essas pesquisas, há a necessidade de seguir determinadas regras específicas, previstas na Lei nº 9.504/97 e na Resolução nº 23.600/19. E o objetivo dessa publicização é dar transparência, preservar o direito à informação, garantir a liberdade econômica das instituições e de manifestação.

A ideia força de que a transparência é um valor fundamental para uma governança democrática está permeada na obra de Linden [1]. O accountability deveria ser uma exigência na governança pública e na sociedade, onde na abordagem de Schedler [2], accountability seria tratado como uma forma de prevenir os abusos, onde a fiscalização, monitoramento e justificativa deveriam exercer papel central. Tanto assim que o Brasil aprovou a Lei nº 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção, e o compliance tem avançado cada vez mais nas relações públicas e privadas.

Não se descarta o impacto das pesquisas na opinião do eleitor, originalmente conhecido como efeito Bandwagon, em que, resumidamente, os indivíduos tendem a se alinhar com a maioria, descartando aqueles candidatos que possuem menores chances, mas que também é conhecido como “efeito adesão”, “maria vai com as outras” ou “efeito manada”. Porém, é um direito do eleitor querer se informar ou se posicionar segundo as pesquisas, mas precisamos resguardar que essas pesquisas estejam de acordo com as normas, bem como possuam uma metodologia que tenha credibilidade.

E nesse caso há um problema que tem afetado diretamente as pesquisas, qual seja: o atraso na realização do Censo, pesquisa realizada pelo IBGE a cada dez anos, cuja última foi conduzida em 2010, levantamento que produz uma ampla coleta de dados sobre a população brasileira e permite traçar um perfil socioeconômico do país, e que muitas pesquisas tinham como referência.

Atento a essa realidade algumas pesquisas passaram a usar dos dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que possuem uma periodicidade de intervalo menor. Assim, a utilização de dados distintos gera estratificações diferentes, que podem dar resultados distintos. Mas não é só isso, as escolhas metodológicas adotadas também possuem reflexos diretos nos resultados, como a entrevistas face a face, ligações telefônicas ou a on-line. Logo, a credibilidade de cada metodologia restará aferida, inevitavelmente, comparativamente com o resultado das eleições, embora feita a ressalva inicial.

Como explica Daniel Marcelino, as pesquisas eleitorais possuem vieses distintos, que são impactados por sua metodologia específica, o que é conhecido como House effects [3]:

House effects, “viés da casa”, “vício estatístico”, ou simplesmente viés é o termo técnico usado por pesquisadores de opinião pública para se referir aos vieses sistemáticos que podem estar associados a diferentes empresas. Ou seja, a tendência de uma casa (instituto de pesquisa) em superestimar ou subestimar um candidato, por conta de sua metodologia.

Mais a mais, a Legislação possui regramento próprio para punir os abusos, como vedação de enquetes no período eleitoral, multa para divulgação de pesquisas sem registro, criminalização da pesquisa fraudulenta e responsabilização dos representantes legais das pesquisas. Logo, existe regramento, que precisa ser seguido, havendo ainda punições específicas.

A questão é, ao que parece, as pesquisas não estão mais acompanhando a “movimentação da manifestação de vontade do eleitor”, principalmente nos últimos dias, o que já ocorrera em 2018, ou seja, podemos estar vivenciando uma superação da metodologia tradicional. E indubitavelmente evoluímos nos meios tradicionais de propaganda e influência do eleitor, onde antes o programa eleitoral gratuito exercia papel central, e hoje temos o predomínio das redes sociais.

Talvez o aumento da população/eleitores somado à manutenção do quantitativo das amostras possa estar gerando resultados distintos, além da necessidade de mudança da metodologia, levando em conta o movimento das redes sociais, principalmente nos últimos dias, como dito, onde sempre há algum movimento decisivo.

Ainda nessa abordagem, talvez devamos debater a necessidade de se determinar um percentual mínimo de amostragem, afinal margem de erro, nível de confiança e tamanho da amostra sempre caminham lado a lado. O tamanho da amostra conjugado com a lei dos grandes números pode ajudar nessa confiabilidade. Ou até discutir limitações às pesquisas a determinados períodos, como ocorre em Portugal e na Espanha. Afinal, não podemos partir de um preconceito, de que as pesquisas são fraudulentas, assim como a sociedade descrita por Chico Buarque, bem como não podemos varrer esse debate para debaixo do tapete, ante à evidente discrepância.

[1] Linden, S. Van der. How the Illusion of Being Observed Can Make You a Better Person. Scientific American, 2011.

[2] Schedler, A. Conceptualizing Accountability. In L. J. Diamond & M. F. Plattner (Eds.), The Self-Restraining State: Power and Accountability in New Democracies (pp. 13–28). Boulder Colorado: Lynne Rienner Publishers. 1999.

[3] MARCELINO, Daniel. ‘House effects’ explicam por que pesquisas eleitorais são tão diferentes. Toda pesquisa eleitoral tem algum tipo de viés, e isso é normal. Jota. 09/05/2022. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-daniel-marcelino/house-effects-explicam-por-que-pesquisas-eleitorais-sao-tao-diferentes-09052022>.

Allan Titonelli Nunes é mestre em Administração Pública pela FGV, procurador da Fazenda Nacional e membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

Conjur

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo