As trevas que nos ameaçam
O Portal da Contee compartilhou hoje (14) uma matéria do El País que aponta como a retórica ultraconservadora do governo Bolsonaro e da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, tem provocado uma autocensura no mercado literário infantil. No mesmo dia, o site da Confederação também republicou uma entrevista feita pela Revista Giz, editada pelo SinproSP, com a professora Catarina de Almeida Santos, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), que estuda o tema das escolas militarizadas.
À primeira vista os dois tópicos podem parecer desconexos, mas não são. De um lado, a “caça às bruxas” dos livros infantis — e, nesse caso, bruxas mesmo, de chapéu e vassoura — reflete, como atesta a matéria do El País, a grande influência política e econômica de grupos neopentecostais na atual conjuntura brasileira. De outro, a militarização implica controle e ataque à natureza e ao sentido da escola pública. Em ambos os casos, os mesmos assuntos são censurados, incluindo questões raciais e de gênero.
“O controle das identidades, por exemplo, fala muito alto. Cabelo afro não pode, relações homoafetivas não são toleradas, coletivos feministas também não, inclusão de alunos trans com nome social, nem pensar. Percebe como isso vai apagando o que os estudantes tinham como direito? Ao mesmo tempo, as aulas — onde o debate se dá — são filtradas, o conteúdo a ser ensinado precisa passar pelo crivo dos gestores militares. As estruturas ficam muito hierárquicas e o debate de qualquer natureza não é bem visto. É um golpe duro na juventude, que está ameaçada de perder a identidade, a ação, os desejos e os sonhos”, diz Catarina na entrevista à Revista Giz. A mesma observação vale para a literatura. Não se tem ensino, tem-se adestramento. Não se tem educação, tem-se censura.
Não só as crianças e adolescentes são afetados. É bom lembrar que, dias depois de a Secretaria da Educação de Rondônia ter determinado recolhimento o de 43 obras das bibliotecas, entre as quais “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e “Macunaíma”, de Mario de Andrade, livros também foram banidos em São Paulo, onde o governo de João Doria (PSDB-SP) vetou uma lista de obras que fazem parte de um projeto de estímulo à leitura que funcionava em penitenciárias do estado. Na relação havia obras do colombiano Gabriel García Márquez, do franco-argelino Albert Camus, do cubano Leonardo Padura e da norte-americana Harper Lee.
Todas essas notícias, tão próximas umas das outras, descortinam as trevas que nos ameaçam. Trata-se, como a Contee já destacou, de um projeto político que visa não apenas ao emburrecimento, mas, mais do que isso, ao embrutecimento de todo um país. Se não lutarmos contra ele, não é de se espantar que a leitura das próprias notícias sejam impedidas depois.
Por Táscia Souza