Atos simbólicos do terceiro governo do presidente Lula

O presidente Lula, cuja eleição representa compromisso com a democracia, a ciência e com a justiça social, tudo ao contrário do antecessor, tem se comportado como verdadeiro estadista, que combina responsabilidade e senso de oportunidade. 5 episódios, decorrentes de ações políticas e até de fenômenos naturais, ilustram bem isto

Antônio Augusto de Queiroz*

O primeiro episódio decorreu de a recusa de o ex-presidente transmitir a faixa presidencial. Essa atitude nada civilizada de Bolsonaro, deu ao presidente eleito a oportunidade de reiterar para o Brasil e o mundo compromisso com a diversidade e com os excluídos socialmente, convidando 8 pessoas do povo para subir a rampa do Palácio do Planalto conduzindo a faixa presidencial, culminando com a entrega simbólica por mulher negra e catadora de material reciclável.

Aquilo que seria desprestígio do presidente eleito — a fuga ao exterior do ex-presidente para não transmissão da faixa presidencial — se transformou num grande evento, com repercussão internacional, permitindo ao presidente Lula ser acompanhado na subida da rampa por criança pobre, mulher negra, cacique indígena, trabalhador metalúrgico, professor, cozinheira, artesão e pessoa com necessidades especiais e ativista na luta anticapacitista.

O segundo episódio, ocorrido 8 dias após a posse, decorreu dos atos de barbárie da extrema direita bolsonarista que, inconformada com a eleição e posse do presidente Lula, tentou dar golpe de Estado ocupando e destruindo os Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Em reação a esses atos terroristas, o presidente Lula tomou 3 decisões políticas muito acertadas.

A primeira foi decretar intervenção na área de segurança do Distrito Federal e designar como interventor não apenas um civil, mas jornalista, expondo a incompetência e traição de parcela dos militares que claramente conspiravam contra o novo governo. O interventor, sem provocar nenhuma morte, rapidamente contornou a situação, desocupando os palácios e pedindo a prisão de todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para aquele ato de barbárie. Como decorrência disto, o Supremo Tribunal Federal determinou o afastamento, por 90 dias, do governador, e a prisão do ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

A segunda foi a visita do presidente da República, ainda no dia 8 de janeiro, aos escombros decorrentes do vandalismo nas instalações do Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal, quando se fez acompanhar por ministro e parlamentares na vistoria ao Planalto e também pelo presidente do STF e ministro na visita à Corte. Aquele gesto fez ver ao Brasil e ao mundo o tamanho da destruição.

A terceira foi a convocação de todos os governadores, no dia seguinte à invasão e com o Palácio ainda avariado pelo vandalismo e em reforma, para reunião que simbolizasse o repúdio de todas as forças políticas, inclusive da oposição, àqueles atos de vandalismo, barbárie e, porque não dizer, de terrorismo. Todos foram unânimes em condenar os atos atentatórios ao patrimônio público.

A legitimidade e aceitação dessas medidas, criaram as condições para o presidente da República afastar o comandante do exército, que foi negligente na proteção dos palácios, no desmonte dos acampamentos em frente aos quarteis do exército, além de se recusar a punir militares que, por ação ou omissão, contribuíram para as invasões.

O terceiro episódio foi a visita do presidente Lula à Terra Indígena Yanomami, em Roraima, quando encontrou quadro de completo abandono dos indígenas daquela comunidade, a maioria doente e desnutrido em razão da negligência do governo anterior, que não apenas desativou as políticas públicas de proteção aos povos originários, como também permitiu e até incentivou o garimpo ilegal na região. As imagens da visita rodaram o mundo.

Nessa visita, em que o presidente se fez acompanhar pelas ministras dos Povos Indígenas (Sonia Guajajara), da Saúde (Nísia Trindade) e dos ministros do Desenvolvimento Social (Wellington Dias) e dos Direitos Humanos (Silvio Almeida) tomou série de medidas e providências que foram anunciadas, entre essas o envio imediato de alimentação e profissionais de saúde para a área, assim como a expulsão de todos os garimpeiros da região.

O quarto episódio foi a visita do presidente, em pleno Carnaval, ao Litoral  Norte de São Paulo (cidades de Ubatuba e São Sebastião), atingida por temporal e deslizamento de terra, para prestar solidariedade ao povo da reunião, aos desabrigados e aos parentes dos mortos daquela tragédia ambiental, bem como se colocar à disposição do governo estadual e municipal, ambos de partidos de oposição ao governo federal, para somar esforços no enfrentamento da situação emergencial.

Na oportunidade, acompanhado de vários ministros, o presidente anunciou medidas, como a construção de casas populares e a disponibilização de recursos para ajudar na reconstrução das cidades atingidas. O gesto do presidente, próprios dos estadistas, sensibilizou a população da região e também aos governantes estadual e municipal.

O quinto episódios, foi o anúncio e/ou atos concretos de reabertura dos espaços de participação, diálogos e escuta da sociedade para a formulação e aplicação de políticas públicas, extintos pelo governo Bolsonaro. 2 secretarias, com status de ministério, vinculadas ao Palácio do Planalto, vão coordenar esses espaços de concertação e busca de consenso sobre políticas públicas de interesse do povo e do País: a Secretaria-Geral e a Secretaria de Relações Institucionais.

Para dar efetividade ao diálogo social foi instituído, por meio de Decreto 11.407, de 31 de janeiro de 2023, o Sistema de Participação Social no âmbito da Administração Pública federal direta, que tem por finalidade estruturar, coordenar e articular as relações do governo federal com os diferentes segmentos da sociedade civil na aplicação de políticas pública.

Como integrante do sistema e sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência foi criado o Conselho de Participação Social da Presidência da República, destinado à ouvir a sociedade civil e para assessorar o presidente da República no diálogo e na interlocução com as organizações da sociedade civil e com a representação de movimentos sindical e populares com vista à execução de políticas pública, como órgão central do Sistema de Participação Social, e criadas as assessorias de Participação Social e Diversidade em todos os ministérios e nas unidades administrativas responsáveis pela participação social, como órgãos setoriais.

Com a finalidade de “promover articulação da sociedade civil para a consecução de modelo de desenvolvimento configurador de novo e amplo contrato social”, sob a coordenação da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), vai ser recriado o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável — o Conselhão —, cuja missão é reunir os diversos segmentos sociais para propor ideias e sugestões que contribuam com o Poder Executivo, o Poder Legislativo e os entes subnacionais na formulação de políticas públicas.

Até aqui o presidente teve virtú, no sentido de construir estratégia eficaz capaz de sobreviver às dificuldades impostas pela imprevisibilidade da história, e muita fortuna, no sentido de sorte individual. Está consumindo essa sorte numa velocidade alta. Na próxima coluna, abordaremos os desafios de reconstrução do Estado brasileiro e as primeiras medidas do governo para atender a demandas represadas nos dois governos anteriores.

(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Ex-diretor de Documentação do Diap, é autor do livro “Por dentro do governo: como funciona a máquina pública” e sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”. Publicado originalmente na revista eletrônica Teoria&Debate

Diap

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