Bolsonaro manobra para esconder sua obsessão antidemocrática

Bolsonaro de duas caras. Foi o que se viu no seu desfile pelas principais redes de televisão (Record, Band, SBT e Globo) no dia seguinte à vitória. Sem nenhuma preocupação com a coerência, ele disse no “Jornal Nacional”, da TV Globo, que o encerramento das eleições também acabou com o ciclo de mentiras eleitorais, prometendo “governar para todos”. “Temos uma Constituição que tem que ser, realmente, a nossa Bíblia aqui na terra. Respeitá-la, porque só dessa maneira podemos conviver em harmonia”, pregou.

São afirmações que contradizem seu longo histórico de ameaças ao Estado Democrático de Direito e de pronunciamentos e condutas que colidem com princípios e valores básicos da civilização e da convivência democrática.

Bolsonaro também se disse “totalmente favorável à liberdade de imprensa”, contrariando as ameaças recentes contra o jornal Folha de S. Paulo, que denunciou o criminoso esquema de “caixa dois” para a guerra de notícias falsas nas redes sociais contra a chapa Fernando Haddad-Manuela d’Ávila na reta de chegada da campanha do segundo turno. Mas, na mesma entrevista ao Jornal Nacional, ele reiterou seu ataque à Folha: “o jornal se acabou”. Como “ castigo exemplar” para que nenhum outro jornal se atreva a denunciá-lo reafirmou que o referido periódico não receberá publicidade do Governo Federal.

Fica claro que para o conceito de liberdade de imprensa de Bolsonaro terão liberdade os veículos de comunicação que lhe forem subservientes. Por isso, numa outra passagem das referidas entrevistas minimizou a total censura que houve na ditadura militar. Há que houve foi benévola, argumentou.

Na rodada de entrevista do dia 29, o presidente eleito falou de economia, anunciando que planeja ir a Brasília na próxima semana para tentar aprovar parte da “reforma” da Previdência. “Buscaremos junto ao atual governo, de Michel Temer, aprovar alguma coisa do que está em andamento lá, como a reforma da Previdência, se não o todo, parte do que está sendo proposto, o que evitaria problemas para o futuro governo”, afirmou à TV Record. “A nossa reforma é um pouco diferente da do Temer, mas nós vamos procurar o governo e procurar salvar alguma coisa dessa reforma (…) Ela é bem-vinda e será feita, no que depender de nós, com muito critério e com muita responsabilidade”, declarou ao SBT.

Bolsonaro também reafirmou o anúncio do seu economista-chefe, Paulo Guedes, que numa entrevista coletiva respondeu, em tom raivoso, que o Brasil se livraria de “alianças ideológicas” do Mercosul, de “inclinações bolivarianas”, para “negociar com o mundo”. “Nós não seremos prisioneiros de relações ideológicas”, ralhou, enfatizando que “a prioridade não é o Mercosul”. Além de referendar a fala de Guedes, Bolsonaro defendeu o uso de armas. “Arma de fogo garante a liberdade de uma pessoa”, disse à TV Record.

O discurso carregado de ideologia reacionária percorreu também questões como as relações com a Venezuela e com os Estados Unidos, para onde Bolsonaro disse que pretende viajar com o objetivo de “ampliar a pauta sobre comércio e área militar”. Outro tema que chamou a atenção foi a reafirmação da defesa da ditadura militar, para ele uma denominação que não existiu. Ao se pronunciar dessa forma, ele relativiza questões como tortura, assassinatos e desaparecimentos de presos políticos, censura e proibição à livre manifestação política.

É uma posição que contraria frontalmente a sua defesa da democracia e da liberdade de imprensa. Ao fazer juras de fidelidade a esses preceitos constitucionais, Bolsonaro está claramente manobrando para não ser atingido pela onda de defesa da democracia que se levantou contra ele diante das suas reiteradas ameaças à institucionalidade legal do país. O ponto é: em qual Jair Bolsonaro o povo brasileiro deve acreditar? Nesse que agora se apresenta como paladino da democracia, ou no verdadeiro, aquele que sempre vituperou contra o Estado Democrático de Direito?

Por óbvio que não se deve dar crédito a essas suas juras de amor às instituições democráticas. Bolsonaro faz uma manobra oportunista que fica evidente por seu pronunciamento, logo após ser eleito, com ameaças à esquerda, aos socialistas e aos comunistas.

Não há nenhum fato concreto para não se levar a sério quem é de fato o presidente eleito e os demais integrantes do seu grupo, o que leva à conclusão de que essa tentativa de minimizar suas sistemáticas pregações é tão somente manobra diversionista.

De todo modo, esse recuo no discurso autoritário, mesmo que se saiba que é da boca para fora, indica o quão é importante a tomada de posição, de condenação aos arroubos ditatoriais de Bolsonaro por parte membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outras instituições, de setores da imprensa, e, sobretudo, de um amplo leque de personalidades e lideranças da sociedade como se viu na retal final do segundo turno e também agora.

O certo é que já se pode ver os primeiros brotos da resistência democrática que começa a nascer. As manifestações contrárias à plataforma política de Bolsonaro podem se transformar numa grande barreira contra os graves retrocessos que o novo governo anuncia. No caso concreto da “reforma” da Previdência, já existem mobilizações das centrais sindicais, uma ação política que tende a ganhar volume quando ficar evidente que se trata de uma junção programática do que a equipe do golpista Michel Temer vem fazendo com o que o novo governo anunciou.

Esses primeiros passos de Bolsonaro como presidente eleito são sinais claros de que os planos do seu governo contra o país e o povo brasileiro não devem ser subestimados. Sua obsessão por sepultar a democracia é real, mas já está e será crescentemente combatida. O caminho iniciado de resistência democrática, antes mesmo do resultado final das eleições, deverá ser reafirmado, um processo que tende a se ampliar, alarga-se e ganhar amplo apoio popular.

Da redação do Portal Vermelho

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