Bolsonaro no Chile: economia ‘modelo’ para América do Sul, país tem Previdência em xeque

Em 2018, enquanto o Brasil registrava, pelo segundo ano consecutivo, crescimento de 1%, a economia chilena avançou 4%.

O desempenho não foi episódico – há anos os indicadores são superiores à média da América Latina. O país visitado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta semana tem taxa de desemprego de 7% e inflação de 2,4%.

O modelo de estabilidade macroeconômica e o equilíbrio fiscal do Chile – cuja dívida pública bruta não passa de 25% – é uma inspiração para economistas de orientação liberal de países do continente.

Uma das reformas pioneiras feitas no país, porém, é hoje um dos principais desafios do Chile. Em 1983, o sistema público de Previdência foi convertido em privado e passou a seguir um modelo de capitalização – no qual se inspirariam anos mais tarde México, Colômbia e Peru.

Décadas depois, uma geração de aposentados submetidos às mudanças instituídas no regime do ditador Augusto Pinochet recebem benefícios muito inferiores ao necessário para cobrir suas necessidades básicas.

O modelo de crescimento do Chile

Professora da Universidade Adolfo Ibáñez, Andrea Repetto ressalta que “o Chile está há 40 anos fazendo reformas na direção de uma economia mais robusta”.

A ditadura Pinochet, que se estendeu de 1973 a 1990, abriu a economia e promoveu uma série de mudanças pró-mercado com base na cartilha neoliberal da chamada Escola de Chicago, onde estudaram diversos membros da equipe econômica do general.

Desde a redemocratização, continua a economista, os governos de diferentes orientações que se revezaram no poder sempre estiveram preocupados com a estabilização macroeconômica. “Essa é uma peça fundamental (do modelo de crescimento).”

Nesse sentido, o país mantém um Banco Central independente, “autenticamente autônomo” – que permitiu, através da política de juros, derrubar a inflação que chegou a 26% em 1990 para os atuais 2,4%.

Além disso, há uma ideia sedimentada de que o setor público não pode gastar mais do que arrecada. Um “compromisso fiscal” que era informal e virou lei cerca de uma década atrás – uma espécie de teto de gastos à chilena, mas com o avanço das despesas condicionado não à inflação, como é o caso da emenda constitucional aprovada no Brasil em 2016, mas à expectativa de arrecadação.

“Existe a noção de que o Estado precisa poupar para estar preparado para o momento em que eventualmente o preço do cobre caia”, pondera a pesquisadora chilena.

O cobre é há décadas elemento importante da economia chilena. Segundo o analista da Oxford Economics James Watson, o setor de mineração responde por algo entre 7% e 10% do PIB.

Apesar de o percentual ser menor que no passado, a flutuação dos preços da commodity ainda tem impacto direto sobre a economia. A queda nos preços do cobre no período entre 2014 e 2017, exemplifica o economista, foi um dos principais responsáveis pela desaceleração da atividade.

Para ilustrar a relevância do setor, Andrea Repetto lembra a greve de 43 dias em 2017 no maior campo de cobre do mundo, da mineradora Escondida, que, sozinha, derrubou o crescimento do primeiro trimestre.

Miguel Ricaurte, economista-chefe para a região andina do Banco Itaú, ressalta que “a administração responsável” da arrecadação fiscal proporcionada pelo cobre permitiu que outros setores também se desenvolvessem no decorrer das últimas décadas.

“Dito isso, o Chile ainda precisa diversificar sua matriz produtiva e de exportações para ser menos dependente dos ciclos das matérias-primas.”

A capitalização da Previdência e o aumento da pobreza

O crescimento econômico, entretanto, não foi suficiente para conter os desequilíbrios do sistema de aposentadorias do país, que desde 1983 segue um modelo de capitalização gerido pelo setor privado.

O principal problema do modelo chileno é o baixo valor dos benefícios. De acordo com Felipe Bruno, líder de Previdência da consultoria Mercer no Brasil, nove em cada dez aposentados no país recebe o equivalente a menos de 60% de um salário mínimo, que hoje é de cerca de US$ 450.

A principal razão, segundo Guillermo Larráin, professor da Universidade do Chile, é o fato de que as contribuições feitas pelos trabalhadores – hoje de 10% do salário – não são suficientes para garantir uma renda que satisfaça as necessidades básicas dos chilenos aposentados.

Apenas para efeito de comparação – já que o modelo brasileiro é essencialmente diferente do que vigora no vizinho -, a contribuição previdenciária paga pelos empregados no Brasil vai de 8% a 11% da remuneração, mas as empresas recolhem para o INSS o equivalente a 20% do salário do funcionário.

“Quando a reforma foi feita no Chile, existia um otimismo irracional a respeito da capacidade de poupança do sistema”, diz o economista.

Além da questão da contribuição em si, as oscilações da economia chilena – que, como a maioria dos países do continente, alterna ciclos de crescimento com períodos de crise – prejudicaram a rentabilidade dos fundos de pensão.

Ao contrário do sistema público, no sistema de contas individuais as taxas de juros são extremamente importantes, porque determinam quanto o que foi poupado vai valer no futuro e, portanto, o nível de renda dos aposentados.

Felipe Bruno, da Mercer, ressalta ainda o fato de que há pouca concorrência entre gestoras de fundos de pensão no país, que cobram taxas de administração muitas vezes elevadas e que muitas vezes são pouco transparentes.

O sistema já sofreu mudanças nas últimas décadas e passa novamente por uma reforma.

Em 2008, lembra Andrea Repetto, foi instituído o pilar solidário, que passou a pagar benefícios assistenciais àqueles em situação de vulnerabilidade social.

Nessa época foram criadas, por exemplo, a chamada Pensión Básica Solidária de Vejez (PBSV), que varia entre US$ 180 e US$ 215, e o Aporte Previsional Solidario de Vejez (APSV), subsídio pago a quem ganha menos de US$ 470, para complementar a renda.

Essa mudança, diz a economista, em paralelo ao crescimento econômico, é um dos principais responsáveis pela expressiva e recente redução da pobreza no país – que, de acordo com os números do Banco Mundial, caiu de 26% no ano 2000 para cerca de 8% em 2015.

Em outubro do ano passado, o presidente Sebastián Piñera propôs novas alterações na legislação para tentar elevar gradualmente o nível baixo das aposentadorias e reduzir o nível de pobreza e vulnerabilidade dos chilenos na velhice.

A proposta encaminhada ao Congresso prevê um aumento gradual da alíquota previdenciária de 10% para 14%. A diferença seria paga pelas empresas, que até então só contribuíam em casos de profissões insalubres.

“Sabemos que hoje as aposentadorias são muito baixas e inferiores às expectativas de nossos idosos”, disse ele durante o pronunciamento.

As medidas, que ainda precisam ser aprovadas pelo Legislativo chileno, preveem também um reforço do pilar solidário. A previsão é que esse tipo de gasto cresça de 0,8% para 1,12% do PIB.

Em comunicado veiculado em rede nacional, Piñera ressaltou que, dos 2,8 milhões de aposentados no Chile, mais da metade – 1,5 milhão – necessitam de auxílio do pilar solidário.

Do total de pessoas que dependem do pilar solidário, 62% são mulheres – que em geral têm uma participação mais intermitente no mercado de trabalho, muitas vezes interrompida pela maternidade.

BBC

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