Boom de IA é o maior delírio coletivo da história da humanidade, diz Miguel Nicolelis
Em entrevista a CartaCapital, o neurocientista expõe divergências práticas e conceituais com a empolgação em torno da tecnologia e revisita a ‘ciência de trincheira’ que marcou sua atuação durante a pandemia.
Um dos neurocientistas mais renomados do país, Miguel Nicolelis não mede palavras para falar da chamada inteligência artificial: em entrevista a CartaCapital, ele classifica o boom da tecnologia como “o maior delírio coletivo da história da humanidade” e
e defendeu que a sigla IA vende uma ficção — não seria nem inteligência, por ser uma propriedade emergente dos organismos e não algo computável, nem artificial, por depender do trabalho invisível de milhões de pessoas que alimentam, treinam e validam os sistemas.
Para o cientista, o que se apresenta como uma revolução tecnológica é, na verdade, um projeto ideológico das big techs, voltado à automação máxima do trabalho humano e à busca do “lucro infinito”, mesmo ao custo de desemprego em massa, bolha especulativa e captura de dados em escala planetária. “O primeiro produto desse barato é o desemprego, porque o objetivo final da dita inteligência artificial não é tecnologia, mas uma visão ideológica: é a automação”, resume.
Nicolelis vê uma empolgação desmedida com o que fazem as ferramentas de IA, a exemplo dos “videozinhos” e dos textos de plataformas como o ChatGPT, o que ajuda a elevar o valor dessas companhias no mercado de ações.
A se confirmar uma bolha, projeta, nem os Estados Unidos conseguirão conter a explosão. “Seis ou sete caras convenceram milhões de pessoas a investir tudo o que têm — inclusive os caras que vivem de investir dinheiro, os venture capitalists — empresas que não têm a menor chance de dar lucro, pelo menos na próxima década. Uma hora a casa cai.”
Recebido na redação de CartaCapital, em São Paulo, Nicolelis falou ainda sobre sua produção literária – da sátira escrita aos 16 anos contra a ditadura militar ao romance Nada Mais Será Como Antes, sobre riscos existenciais que rondam a humanidade –
e revisitou o período mais agudo da pandemia, quando integrou o comitê científico do Nordeste e fez o que chama de “ciência de trincheira” em confronto direto com o negacionismo do governo Jair Bolsonaro (PL).




