Candidato assassinado, estado de exceção: o que está acontecendo no Equador?

Cenário incerto é registrado em contexto de aumento da violência após governantes de direita terem governado o país

A morte do candidato à presidência Fernando Villavicencio, assassinado na última quarta-feira (9), jogou holofotes e chamou atenção do mundo para a crise política e social do Equador nos últimos anos. O país, que já foi um dos mais seguros do continente, viveu uma escalada de violência durante governos de direita.

O país volta às urnas no próximo dia 20 para escolher os substitutos do presidente e dos integrantes da Assembleia Nacional, que deixam os cargos após o processo de “morte cruzada” – uma cláusula constitucional que determina que o presidente perca o cargo, a Assembleia Nacional seja dissolvida e novas eleições sejam convocadas – anunciado em maio.

Faltavam onze dias para a votação do primeiro turno das eleições equatorianas quando Fernando Villavicencio, que também era deputado, foi atingido por três tiros após sair de uma atividade de campanha na capital Quito. Em meio às muitas dúvidas lançadas após o atentado, o atual presidente, Guillermo Lasso, declarou estado de exceção. O pleito está mantido.

Em vídeos publicados em redes sociais, circula um vídeo de autoria não verificada com supostos integrantes de uma facção criminosa chamada Los Lobos. No vídeo eles reivindicaram a autoria do ataque, com afirmações sobre “promessas não cumpridas” e remessas de dinheiro na casa dos milhões de dólares. Além disso, outro candidato, Jan Topic, também foi ameaçado.

Quem era Fernando Villavicencio?

Institutos de pesquisa equatorianos têm evitado publicar pesquisas de intenção de voto nos últimos meses devido ao cenário incerto e ao grande número de pessoas que se declaram indecisas. Apesar disso, é possível afirmar com segurança que ele era a quarta ou quinta força da corrida eleitoral.

A antropóloga equatoriana Pilar Troya Fernández, pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, aponta que, das oito chapas inscritas, apenas uma é de esquerda: a do partido Revolução Cidadã, composta por Luisa González (candidata a presidenta) e Andrés Arauz (que pleiteia o cargo de vice). Villavicencio, por sua vez, poderia ser entendido como um candidato de centro-direita.

Com forte discurso anticorrupção, ele era deputado e se apresentava como opositor ao correísmo – tendência política à esquerda, cujo nome é derivado de seu líder, o ex-presidente Rafael Correa, e da qual fazem parte González e Arauz. Ele foi líder sindical da Federação dos Trabalhadores Petroleiros e atuava como jornalista.

Villavicencio era um personagem controverso, um político que apostava na imagem antissitêmica. Apesar de ser considerado por alguns como de centro-esquerda, ele se esforçou para blindar o atual governo de direita de Guillermo Lasso e foi um defensor da Lava Jato brasileira. Analistas acreditam que sua morte deve beneficiar candidatos da direita.

“Otto Sonnenholzner, pode capturar parte dos votos de Villavicencio para entrar no segundo turno. É provável que Topic aumente sua votação, mas ainda não se sabe se ele conseguirá desalojar Otto e entrar no segundo turno”, afirma Troya. Ela explica que pelas regras do sistema eleitoral do Equador, haverá segundo turno se o candidato líder não conseguir mais do que 50% dos votos ou 40% e uma vantagem de 10% em relação ao segundo colocado.

“Ainda não se sabe quem substituirá a candidatura de Villavicencio, mas, sem dúvida, ele não terá o mesmo volume de votos que o candidato assassinado”, completa.

No Brasil, políticos como Sérgio Moro e Eduardo Bolsonaro não demoraram para tentar imputar à esquerda a responsabilidade por sua morte.

Violência

A morte de Villavicencio não foi um caso isolado de ataques a políticos. Há poucas semanas foi assassinado o prefeito da cidade de Manta, que tem o segundo maior porto do país. Houve, ainda, um atentado contra a vida de outro prefeito, do município de Duran. As taxas de mortes violentas no país dispararam nos últimos anos, saltando de 5,6 para 25 a cada 100 mil habitantes, entre 2017 e 2023.

Analistas apontam que os motivos são variados, mas convergem no aumento da atuação das gangues e do narcotráfico, com a associação de grupos locais com traficantes do México, Colômbia e dos Balcãs. As prisões seriam locais férteis para o recrutamento de membros destes grupos, entre os quais se destacam Los Choneros, Los Tigrones e Los Lobos – grupo que teria assumido a sutoria da morte de Villavicencio.

A ONU diz que em 2022 o Equador se tornou o terceiro país com a maior quantidade de cocaína apreendida do mundo, atrás de EUA e Colômbia.

Moreno

O aumento da violência ocorreu simultaneamente à mudança de governo em 2017, do esquerdista Rafael Corrêa para Lenin Moreno que, apesar do nome – uma homenagem ao líder da Revolução Russa – e de ter se elegido prometendo continuidade de uma administração de cunho social, não demorou para fazer o contrário: se alinhou à direita, desmontando conquistas sociais alcançadas no governo anterior. Moreno e Correa, antes aliados, se tornaram inimigos, com o primeiro sendo condenado a oito anos de prisão por corrupção. Rafael Correa hoje vive como asilado na Bélgica.

Ao adotar o receituário da direita – austeridade e cortes sociais – Moreno começou a perder o controle de setores da sociedade. Ele cortou cerca de 30% dos recursos do sistema prisional, por exemplo, abrindo espaço para as gangues.

Em 2019 aboliu ainda o subsídio aos combustíveis, levando aos maiores protestos populares ocorridos no país em décadas.

Junta-se isso à crise da pandemia e o país mergulhou na atual espiral violenta. A saída encontrada tanto por Moreno como por seu sucessor, Guillermo Lasso (a partir de 2021), piorou a situação: toques de recolher, estados de exceção e redução das liberdades individuais. Em abril deste ano, liberou o porte de armas para civis.

Eleições

Lasso tinha pouquíssimo apoio político: apenas 12 dos 137 deputados da Assembleia Nacional e uma bancada de 25 com outras forças de direita. Após ser alvo de um pedido de impeachment, ele recorreu ao mecanismo legal que existe no Equador chamado “morte cruzada”. Justo antes, o candidato assassinado tentou barrar o relatório a favor do impeachment de Lasso na Comissão de Auditoria da Assembleia, presidida por ele e encarregada do caso.

O presidente manteve a data do pleito, 20 de agosto. Além de escolherem o presidente e deputados, os equatorianos ainda votarão em dois plebiscitos relacionados a questões ambientais. Um decide se terá prosseguimento a exploração de petróleo em uma parte da floresta amazônica do sul do país, a área conhecida como Yasuní ITT. O outro referendo vai determinar se a capital, Quito, permitirá atividades de mineração no bioma do Chocó Andino.

Edição: Thalita Pires

Do Brasil de Fato

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