Carta aos/as trabalhadores/as sobre os prejuízos da terceirização irrestrita
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Caríssimos(as) professores(as),
Caríssimos(as) auxiliares de administração escolar,
Nos últimos anos, com intensa ênfase a partir de 2015, os empresários e os deputados federais, senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que representam os interesses dos primeiros, propagandeiam que as relações de trabalho, regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que é de 1943 — Decreto-lei N. 5.452, de 1º/5/1943 —, caducaram-se e impedem o crescimento econômico, pois que, além de gerarem total insegurança jurídica, retiram a competitividade das empresas.
Por isso, há necessidade urgente de se modernizarem essas relações, retirando-lhes as amarras que travam o desenvolvimento. Para esses propagandistas do caos, o antídoto — remédio — contra o atraso está na liberação total da terceirização, para permiti-la nas chamadas atividades-meio- — já existentes — e nas atividades fim.
Argumentam — mais apropriado seria dizer peroram — sem um só fundamento sólido, que seja capaz de confirmar os seus frágeis e duvidosos argumentos. Chegam mesmo a afirmar que a terceirização sem limites, além de não retirar nenhum direito dos trabalhadores, vai assegurar aos cerca de 13 milhões de terceirizados já existentes todos os direitos que ainda não possuem; e, para eles, o que reputam mais importante, dará segurança jurídica às empresas e aos trabalhadores. E, para arrematar a pomposa propaganda de seu castelo de areia, afirmam que a terceirização representará a redenção do Brasil.
Em 2015, a Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) N. 4.330/2004, que autoriza a terceirização total, sem limites e sem parâmetros. Esse PL foi encaminhado ao Senado Federal, para discussão e votação, lá sendo chamado de PLC (Projeto de Lei da Câmara) N. 30/2015. O projeto ainda se encontra em tramitação, tendo como relator o senador Paulo Paim, que realizou audiências públicas, para discuti-lo, em todas as 27 unidades da Federação.
Pressionado pelos empresários, de quem é fiel representante, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia, retirou dos escombros o moribundo PL N. 4.302/1998, que altera a Lei N. 6.019/74, precursora do contrato temporário e terceirização — de autoria do governo Fernando Henrique —, que trata de terceirização mais selvagem do que a prevista no PLC N. 30/2015 — o que o torna preferido do empresariado —, e o levou à votação, recebendo 232 votos favoráveis.
Aprovado pela Câmara Federal e já tendo tramitado pelo Senado Federal — de 2000 a 2008 —, o comentado PL foi encaminhado à sanção presidencial, recebendo-a, com três vetos, aos 31 de março — véspera do dia da mentira. Com a sanção presidencial, o PL transformou-se na Lei N. 13.429/2017, publicado ao próprio dia 31 de março.
Quem se der ao trabalho de analisar a Lei N. 13.429/2017 e, sobretudo, de cotejá-la com a Constituição Federal (CF) e a CLT, com o mínimo de isenção, constatará que o prometido pelos defensores da terceirização passa ao longe dela. Além de não acrescentar direito algum, autoriza solenemente a subtração total de vários, como se demonstrará a seguir.
O único dispositivo do realçado PL que assegurava direitos aos terceirizados, submetidos a contratos temporários, era o Art. 12, que foi vetado pelo presidente da República, ao falso argumento de que ele repete o 7º, da CF, sendo, por isto, desnecessário. Uma colossal mentira.
O Art. 2º cria empresa de trabalho temporário, que contrata trabalhador temporário e o põe à disposição de empresa tomadora de serviço — que nada mais é do que a legalização da famigerada figura do “gato”, velho conhecido dos trabalhadores safristas, que os explorava em grau máximo —, “…para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços”. A expressão “demanda complementar de serviços”, propositadamente pensada e inserida no texto da lei, tem a finalidade de se constituir na válvula de escape (justificativa) para a disseminação do contrato temporário.
O § 1º do Art. 2º autoriza a contrato de trabalho temporário “para a substituição de trabalhadores em greve, salvo nos casos previstos em lei”, ou seja, quando a greve é declarada abusiva (ilegal), constituindo-se em mais um instrumento de esvaziamento deste direito constitucional, já estrangulado pela Justiça do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal (STF).
As únicas exigências legais para o funcionamento de empresa de trabalho temporário são, conforme a nova redação do Art. 6º, da Lei N. 6.019/74: prova de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), do Ministério da Fazenda; prova de competente registro na Junta Comercial da localidade em que tenha sede; e prova de possuir capital social de, no mínimo, R$ 100 mil; e nada mais. Importa dizer: não há uma só garantia para os trabalhadores.
Consoante o § 3º, do Art. 9º, da Lei N. 6.019/1974 — com a redação dada pela nova Lei —, “o contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços”. Enfim, materializou-se o grande objetivo das empresas: o contrato temporário e a terceirização foram liberados, sem ressalvas e sem amarras, para todas as atividades econômicas, inclusive, no ensino, na saúde e no serviço público, exceto para as carreiras que exigem concurso público, como a dos profissionais de educação escolar, nos termos do Art. 206, inciso V, da CF.
O Art. 9º, §§ 1º e 2º, combinado com o 5º, autoriza o contrato temporário com a duração de até 270 dias (nove meses) a cada ano para a mesma empresa tomadora. Indiscutivelmente, esse elástico tempo de duração importará o fim, ou, na melhor das hipóteses, a drástica redução do contrato de trabalho por prazo indeterminado (Art. 445 da CLT), maior garantia dos trabalhadores empregados.
É importante ressaltar que, nos contratos a termo — sendo o temporário uma de suas modalidades —, não há direito ao aviso prévio proporcional (Art. 7º, inciso XXI, da CF, e 487 da CLT), e multa de 40% do FGTS (Art. 10, inciso II, alínea ‘a’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 18 da Lei N. 8.036/1990). Equivale a dizer: com o contrato temporário, autorizado pela Lei N. 13.429/2017, estes dois direitos praticamente desaparecerão, uma vez que regra será a do contrato temporário.
Como se não bastasse, também desaparecerá o direito ao gozo de férias; isto, porque o Art. 130, da CLT, exige 12 meses de trabalho consecutivos para o empregado fazer jus ao gozo de férias, com duração de 30 dias. Ora, como o contrato temporário terá duração de até nove meses a cada 12 os empregados que forem submetidos a ele — ao que tudo indica, a esmagadora maioria — não cumprirão o período exigido para fazerem jus ao gozo deste direito. No máximo o receberão, em sua rescisão de contrato, como indenização de férias proporcionais. No entanto, o mais importante das férias, que é o seu gozo, fundamental para a saúde do trabalhador, não haverá; o que, com certeza, fará multiplicarem-se as licenças médicas por estresse e as doenças profissionais.
Soma-se a estes inomináveis prejuízos o da redução das contribuições previdenciárias anuais, pois que, os empregados com contrato temporário, se tiverem sorte, de o conseguirem pelos nove meses permitidos, farão nove contribuições anuais à Previdência Social. Isso lhes exigirá 46,67 anos de trabalho ininterruptos (420 contribuições), para os homens e 40 (360 contribuições), para as mulheres fazerem jus à aposentadoria, pelas regras atuais; e 65,3, pelas previstas na PEC N. 287/2016. Quem conseguirá aposentar-se?
A lei recém-sancionada autoriza, igualmente, a terceirização das atividades-meio e atividades-fim, permitindo, inclusive, a subcontratação sem limites; e, o que é mais grave: por meio de contrato temporário, não havendo possibilidade de se realizá-la, se o contrato for indeterminado; é o que se colhe do seu Art. 9º, § 3º.
Os requisitos exigidos para o funcionamento de empresas prestadoras de serviços a terceiros, ditados pelo Art. 4-B da Lei N. 6.019/1974 — com a redação dada pela Lei N. 13.429/2017 —, são indecentes, para se dizer o mínimo; vejam-nos: prova de inscrição no CNPJ; registro na Junta Comercial; capital social de R$ 10 mil se o número de empregados não for igual ou inferior a dez; R$ 25 mil, de 10 a 20 empregados; R$ 45 mil, de 21 a 50 empregados; R$ 100 mil, de 51 a cem; e R$ 250 mil, se o número for superior a cem.
Diante desse acinte, cabe perguntar: que garantias terão os empregados dessas empresas? Quantas rescisões de contrato poderão ser quitadas com capital social de R$ 10 mil? O maior capital social, de R$ 250 mil, é suficiente para quitar direitos de mais de cem trabalhadores?
Faz-se imperioso destacar que a empresa tomadora de serviços (contratante), de acordo com o§ 5º do Art. 4-B, sob comentários, só responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas das empresas prestadoras de serviços (terceirizadas). Com isso, o trabalhador lesado, e, pelo que se exige das empresas terceirizadas, esta será a regra, primeiro tem de acionar judicialmente quem o contratou; somente após esgotadas todas as possibilidades de satisfação de seus créditos pelas empresas terceirizadas é que poderá acionar a empresa tomadora.
Desse modo, a sua via crucis será interminável: primeiro, aciona a subcontratada, se houver; depois, a contratada; e, por fim, decorridos anos a fio, a contratante (tomadora). A única conclusão que se extrai disso é que o trabalhador terceirizado ficará abandonado à própria sorte.
Se o contratante for o Poder Público, será pior, se é que isto será possível, pois, em conformidade com a jurisprudência do STF, firmada na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) N. 16, restringida no Recurso Extraordinário (RE) N. 760931, decidido no dia de março de 2017 — com voto de desempate do ministro Alexandre Morais, ex-ministro da Justiça de Temer —, o Poder Público só responde pelas obrigações trabalhistas quando ficar prévia e robustamente comprovado que ele não fiscalizou a empresa terceirizada.
Claro está, portanto, que a propalada segurança jurídica é de mão única, ou seja, só vale para as empresas, que explorarão à exaustão os seus trabalhadores, com amparo da lei.
Para que não paire dúvida alguma sobre os vis propósitos da lei, basta que se tome o Art. 12 dela, o único, dentre todos, que assegurava direitos mínimos aos terceirizados, tais como salário equivalente ao percebido pelos empregados da tomadora, jornada de trabalho equivalente à destes e proteção previdenciária e contra acidentes a cargo do INSS; mas que, por isso mesmo, foi vetado pelo presidente da República.
Outra consequência nefasta, dentre as muitas que advirão da terceirização sem limites e sem parâmetros, será a do enquadramento sindical, que suscitará muitas controvérsias, disputas e discussões judiciais.
Dispõe o Art. 511, § 2º, da CLT, que “A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”.
Tomando-se este dispositivo legal, apresenta-se a complexa questão sobre o enquadramento sindical dos terceirizados. Dito em outras palavras: em que categoria profissional serão enquadrados? A mesma dos empregados da tomadora de serviços? Será possível classificar como atividade econômica, para efeito de enquadramento sindical, a locação de mão de obra?
Essa inevitável controvérsia não subsistirá quanto às categorias diferenciadas, de que trata o Art. 511, § 3º, da CLT, dentre os professores, assim sendo porque, para os seus integrantes, não importa o local da prestação de serviços, ou qualquer outra formalidade, a sua identidade se mantém.
Caríssimos(as) professores(as) e agentes administrativos, esse será o contexto social que emergirá da lei em questão. Neste momento, não é possível a nenhum analista dimensionar as consequências que dela advirão. Hoje, é possível afirmar que ela representa o oposto do que dizem os seus descarados defensores, exatamente, com o vil propósito de destruir a Ordem Social Democrática.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee